Saber ganhar  O CRUZEIRO EDIÇÃO EXTRA REVOLUÇÃO DE 1964 COMPLETO
AGORA, êles sabem que a
sua espada não é de pau, meu velho Capitão, e eu volto o pensamento até
aquêle quarto da casa paulista, onde as suas mãos trêmulas escreviam a
história dêste país, dizendo-me: “Péter plus haut que son cul”.
AGORA, êles sabem que a
sua doença democrática só tinha êste remédio. Deputado João Calmon, quando
você, na sua admirável teimosia, recusava todo e qualquer acôrdo e
desfraldava a bandeira suicida. Se teríamos que morrer vergonhosamente
amanhã, que morrêssemos com honra, hoje.
AGORA, êles sabem que as
suas palavras não eram simples filigranas verbais, Governador Carlos
Lacerda, homem afirmativo, líder másculo, democrata autêntico, brasileiro
enlouquecido de amor à sua Pátria - e que se desesperava ao vê-la conduzida
ao curral das nações arrebanhadas. Meses a fio, exposto na primeira linha,
combatente de vanguarda, sabendo que a cada esquina um nôvo perigo o
esperava, você, meu bravo companheiro, só teve um guarda-costas: Deus. O
capanga divino, que com a sua infinita sabedoria enguiçava o carro do
Faz-Tudo, iluminava o espírito dos coronéis, cobria de lucidez a decisão
dos pára-quedistas, evitara a sua eliminação, o caminho aberto, supunham
êles, para a fácil conquista de um resto de Pátria. Mas êles estavam
enganados, sempre estiveram enganados, continuam enganados. Nenhum de nós
era essencial, qualquer de nós, bem ou mal, seria substituído, mesmo você,
grande e insubstituível Carlos Lacerda. Não se matam idéias.
AGORA, êles sabem que a
sua intransigência democrática, jovem Adhemar de Barros, môço governador de
uma terra indomável, agora êles sabem que a fé o rejuvenesceu, o espírito
de luta o retemperou, e você, môço Adhemar, sejam quais forem os erros do
passado, a todos redimiu na bravura de sua última jornada. Mil vêzes você, com
todos os pecados, Adhemar, diabo velho! Mil vêzes você que aquêle falso
honrado, Jânio Quadros, até agora escondido debaixo da cama, à espera de
que a última cidadela se renda, que o último homem se defina. Ah,
tivéssemos nós ensarilhado as armas, tivéssemos nós tido piedade dos
canalhas, tivéssemos nós permitido com o nosso silêncio que êles voltassem
- e quem se encontraria, agora, no govêrno de São Paulo? A cachaça cívica,
o fauno de Adelaide, o entreguista Jânio Quadros, responsável primeiro pela
guinada do Brasil para o Oriente, aliado dos comunistas, traidor de sua
Pátria. Graças a Deus, à Providência de que nos fala Adhemar, como o
instrumento divino, foi buscar no museu dos canastrões, o canastrão maior -
você, velho, passado, cansado, desonrado, reabilitado, contestado,
enquartejado, encarcerado, processado, libertado, envergonhado,
ressuscitado, reabilitado - e agora numa demais exaltado Adhemar de Barros.
A História, se alguma verdade houve no balanço dos seus erros, a História o
passou por seu banheiro carrapaticida. E o futuro o julgará pela
importância de sua luta na redemocratização de sua Pátria.
AGORA, êles sabem que a
sua coragem não se conta pelos fios de cabelo, ó indecifrável Magalhães
Pinto, mineiro silencioso, patriota humilde, general sem farda de um dos
movimentos mais perfeitos da história revolucionária. O Brasil nunca se
esquecerá que o primeiro grito foi seu, o primeiro gesto de um ballet
inesquecível, o primeiro passo da longa marcha democrática.
AGORA êles sabem que os
três anos de silêncio do General Mourão não significavam três anos de
capitulação, mas três anos de conspiração, três anos de prudência, três
anos de silêncio - para o grande despertar da nacionalidade. Alguns
generais que pareciam anestesiados - hoje o sabemos - estavam apenas de
vigília. Luiz Guedes, Castello Branco, Costa e Silva, Décio Escobar,
Correia de Melo, tantos generais, tantos brigadeiros, tantos almirantes
jurados na intransigente defesa da democracia brasileira.
AGORA, êles sabem que
aquelas medalhas exibidas pelo General Amaury Kruel não eram de lata nem
foram conquistadas noutro campo que não fosse o de honra. Êles sabem, meu
bravo Kruel, que, acima de sua fidelidade a um homem, você colocava a
lealdade à sua Pátria ameaçada por um bando de canibais políticos.
SABÍAMOS, todos que
estávamos na lista negra dos apátridas - que se êles consumassem os seus
planos, seríamos mortos. Sôbre os democratas brasileiros não pairava a mais
leve esperança, se vencidos. Uma razzia de sangue, vermelha como êles,
atravessaria o Brasil de ponta a ponta, liquidando os últimos soldados da
democracia, os últimos paisanos da liberdade. Onde estaria Carlos Lacerda a
esta hora? Onde estariam Adhemar, Calmon, Armando Falcão, Castello Branco,
Mourão, Gustavo Borges, Anísio Rocha, Alkimin, Magalhães Pinto, Ney Braga,
Costa e Silva, Décio Escobar, tantas, tantas vozes e tantas espadas que não
se calaram, não se embainharam em todos êsses longos meses da comunização
do Brasil? Se outros fôssem os vencedores, não haveria contemplação.
A VIRTUDE da democracia
está em saber ganhar. Em seu nome, em nome da Democracia, não se pode
permitir que a injustiça se pratique em nome da Justiça, que sejam
anulados, sem processo legal, os mandatos populares, que a Constituição
seja rasgada em nome da Constituição.
TODOS sabem o desprêzo
vegetariano que voto a certos homens fistulizados que compunham o cerne
dêsse Govêrno que caiu. Mas - advertiu na sua cristalinidade política o
próprio Governador da Guanabara - um democrata autêntico não odeia um
homem, odeia uma idéia. Odeia, não a figura ridícula de um Ministro comendo
feijoada e bebericando enquanto a lama corria sob os pés de um regime
vilipendiado. Odeia, não os gestos febris de um adolescente político saído
de uma taba espiritual para a Casa Civil da Presidência. Odeia, não aquelas
figuras tenebrosas do CGT, aquêles pobres moços ensandecidos da UNE,
aquêles sargentos equivocados, mas tudo o que a idéia que êles defendiam,
honesta ou estùpidamente, representava.
NÃO é porque eram
criminosos, que em criminosos vamos nos transformar. Não é porque
representavam o totalitarismo, a radicalização, o que de mais vergonhoso,
mais sórdido, mais brutal e mais brasileiro pudesse existir no Brasil que
devemos nós, os democratas, pedir-lhes as armas e as usar com a mesma
ausência de liberalidade democrática. O que nos diferencia dêles é
justamente isto. O mesmo que diferencia a carniça que êles são do abutre
que não somos.
NÃO significa que os
criminosos não devam ser punidos nem os responsáveis irresponsabilizados.
Significa que cada um pague pelo que fêz, não pelo que foi. Ninguém tem
culpa de ter sido Ministro de um Govêrno legalmente eleito,
constitucionalmente organizado. Ninguém tem culpa de ter sido Ministro de
João Goulart, nem mesmo o Senhor Abelardo Jurema.
O QUE me enoja não é ver
os ratos fugirem do navio que se afunda, mas aquêles que ontem lhes comiam
a comida, ajudar a matá-los.
PARTE o Senhor João
Goulart para Pôrto Alegre, para o Uruguai, para a Espanha, sem o meu ódio.
Nunca consegui odiá-lo — e até hoje —- permita-se a um adversário de suas
idéias e de seus métodos confessar após o crepúsculo de um deus que tinha
os pés de barro — não o consigo odiar. Vejo-o ainda, no seu pequeno trono
do Alvorada, como um pobre homem, incapaz de governar, de distinguir amigos
de aproveitadores, inimigos de oponentes.
CAIU porque em seu
espírito engarrafado pela mediocridade mais positiva dêste País, nunca
deixou de existir o estancieiro que contava os aliados como quem conta o
gado no curral.
CAIU porque acreditou que
aquêles que lhe faziam planos de continuísmo, acenando com o poder
sindical, com o dispositivo militar, acreditavam no que diziam. E lutariam
por tudo aquilo que o Senhor João Goulart acreditava. Mas o Senhor João
Goulart não acreditava realmente em nada. A não ser na sua boa estrêla, que
era a estrêla vermelha.
RECUSO-ME a pisar sôbre os
cadáveres morais dêsses homens sôbre os quais, com o risco da própria vida,
dentro das limitações que me eram impostas por uma organização que êles
ameaçavam destroçar, tantas vêzes caminhei pela estrada que nos conduzia ao
imprevisto de um fim melancólico ou de uma liberdade sonhada.
NÃO será em nome dessa
liberdade conquistada que iremos tripudiar sôbre os vencidos. Aquêles que
eram comunistas, continuarão a sê-lo, talvez com menos esperança. Aquêles
que eram os pobres enganados dessa República — talvez abram os olhos, os
vencedores não procederem com a mesma fúria, o mesmo despotismo, a mesma
insensibilidade daqueles que nem por isto deixaram de ser brasileiros e possivelmente
democratas equivocados. A compreensão e a justiça talvez os ajudem a abrir
os olhos.
WILSON FIGUEIREDO conta
que, em plena ocupação do velho órgão da Condêssa, um fuzileiro pediu para
telefonar para a mulher a quem não via há três dias de longa e sofrida
prontidão. Não apenas deixaram o invasor telefonar, mas serviram um
cafezinho bem brasileiro. Nesse momento, também, o Brasil estava voltando a
ser brasileiro.
POIS é esse cafezinho
brasileiro que devemos servir aos que erraram por acreditar demais ou
erraram por acreditar de menos. Respeitemos as suas famílias, as suas
idéias falsas, e apuremos apenas os seus possíveis crimes. A menos que
voltem a ser inimigos, a se constituírem em vírus vivos —- os inimigos
vencidos deixam de ter nomes.

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O Cruzeiro - 10 de abril de 1964 - Edição
extra
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Depoimentos de Magalhães, Adhemar, Lacerda e Juscelino
sôbre a vitória da
Revolução 
MAGALHÃES
O Governador
Magalhães Pinto, de Minas Gerais, liderou o grande movimento
político-militar em defesa do regime democrático. Sem perder a serenidade
um só momento, o dirigente udenista manteve o clima emocional, a união de
Minas e a decisão de conquistar a vitória. Quando ela foi conquistada,
declarou com exclusividade para “O Cruzeiro”:
O movimento restaurador da
legalidade, que Minas tomou a iniciativa e a responsabilidade de
desencadear, com o apoio de todos os brasileiros, em breve estará concluído
com a formação de um Govêrno em condições de promover a paz, o
desenvolvimento nacional e a justiça social. Belo Horizonte, 2 de abril de
1964.

ADHEMAR
O Governador Adhemar de
Barros em entrevista exclusiva cedida a “O Cruzeiro” – a primeira desde a eclosão do
movimento armado contra o govêrno do Sr. João Goulart –, disse que dará
combate sem trégua aos comunistas, caçando-os onde estiverem, em qualquer
ponto do território nacional. Visìvelmente eufórico, apesar do cansaço de muitas
horas sem dormir, o Sr. Adhemar de Barros começou dizendo que o movimento
revolucionário por êle comandado em São Paulo começou na noite de 31 de
março de março, “para
valer”.
– Quando vocês todos
estavam dormindo, sonhando com a liberdade, nós já mandávamos os primeiros
comunistas para a Casa de Detenção.
E frisou:
– Mas à velha Casa de
Detenção, pois não têm mais direito nem à cadeia nova.
“A Polícia de São Paulo” – continuou – “agiu com absoluta
segurança, colaborando com o General Amaury Kruel, que desde o início
estava integrado no nosso esquema de libertação nacional. Naquela altura,
eu e mais seis governadores de Estado (Minas, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Guanabara, Mato Grosso e Paraná) já tínhamos pronto o decreto de
beligerância que iria instaurar o primeiro govêrno brasileiro.
Eu próprio redigi o manifesto que ainda se encontra
em meu poder.
Queria com isso comunicar ao Mundo que no Brasil
ainda havia líderes realmente democratas que não toleram o jôgo vermelho.
“O Brasil retornará agora à sua política
internacional de apoio incondicional ao Ocidente. À sua política de livre
iniciativa. Abandonamos o tripé instalado pelo Goulart. Tripé apoiado em
órgãos espúrios como CGT, UNE, PAC, PUA e outros.
No govêrno dele mandavam
os pelegos, os estudantes vermelhos, os camponeses doutrinados e os
escravos de Moscou.
“Agora, caçaremos os comunistas por todos os
lados do País. Mandaremos mais de 2 000 agentes comunistas – numa
verdadeira Arca de Noé – para uma viagem de turismo à Rússia. Mas uma
viagem que não terá volta. Que falem em democracia, agora, na Rússia.
“Não deporemos armas enquanto não
expulsarmos tôda a canalha vermelha. Caçaremos os mandatos de todos os
parlamentares, governadores e prefeitos comunistas. Não mais permitiremos a
infiltração no nosso meio, pois não podemos nos reerguer enquanto tivermos
comunistas em nossos alicerces. Não aceito acôrdo de espécie alguma com
comunistas.
“Êles jamais quiseram reforma de base. O que
êles queriam era fazer delas escudo para a reforma da Constituição. Mas nós
não o permitimos. Agora terminou tudo. O Presidente Mazzilli vai revogar
todos os decretos espúrios (SUPRA, aluguéis, encampações etc.). A SUPRA é
uma entidade comunista.
“Nós começamos em 60 muito mal (refere-se a
Jânio) mas, graças à Virgem Maria, dois jotas nós já conseguimos derrotar.
Agora só falta o terceiro (JK), que sempre foi o principal conselheiro de
Jango. Quando êste procurava o caminho democrático, êle colocava lenha na
fogueira. Os três jotas estavam unidos para derrotar a Democracia.
“Voltamos ao poder para pacificar. Não quero
nada. Apenas
a democracia autêntica, sem receber ordens de Moscou.
“Vamos começar imediatamente
o expurgo dos comunistas. Darcy Ribeiro, Jurema, Valdir Pires, Ryff,
Pinheiro Neto, Eloy Dutra e outros canalhas.”
Finalizando disse: “Goulart bolchevizou a
família brasileira. Mandou mais de 11 mil estudantes paulistas fazerem
cursos comunistas na Rússia. Agora, vou mandar os
comunistas falar em liberdade em Moscou”.

LACERDA
Antes, durante e depois da
crise, o Governador Lacerda estêve no centro dos acontecimentos. E, como é
de seu feitio, pronunciou-se diversas vêzes com a maior veemência. Na tarde
do dia 1º de abril, anunciando ao povo a vitória das fôrças comandadas pelo
General Olímpio Mourão Filho, o Governador da Guanabara fêz declarações
através do rádio, declarações que constituem verdadeira súmula do que êle
dissera até então.
Depois de se dirigir às
donas de casa, pedindo-lhes que se mantivessem calmas, o Governador passou
a analisar o Sr. João Goulart, seu Govêrno e as causas que determinaram a
necessidade do seu afastamento. “De herdeiro de alguns hectares de terra,
transformou-se, em poucos anos, em proprietário de mais de 550 mil hectares
– uma área igual a quatro vêzes e meia o território da Guanabara.”
E prosseguiu: “Associado do Sr.
Wilson Fadul (que por isso foi ser Ministro da Saúde, e não porque seja um
cientista), em quatro anos, com dinheiro do Banco do Brasil, e com dinheiro
cuja origem não explica, o Sr. João Goulart transformou-se num dos homens
mais ricos dêste País, com três bois por hectare em suas fazendas”.
“O Sr. João Goulart é um leviano que nunca
estudou – e não estudou porque não quis, não é porque não pôde. E agora, no
Govêrno do País, queria levar-nos ao comunismo.”
Explicando que discordara
da investidura do Sr. João Goulart na Presidência da República, mas
terminara aceitando-a, disse o Governador Lacerda: “Eu o conhecia bem.
Mas, como bom democrata, submeti-me à vontade da maioria, quando entrou em
vigor a fórmula do Parlamentarismo. Mas o Sr. João Goulart não queria
governar. Adulava, de dia, os trabalhadores que condenava ao desemprêgo, de
noite. O Sr. João Goulart jurou fidelidade ao Parlamentarismo, para logo em
seguida impor o plebiscito, e todo o povo votou. Eu não votei porque achava
que o plebiscito era uma palhaçada, e repito que era”.
“Quem quiser fazer reformas deve ter a
honestidade de dizer que as fará sem reformar a Constituição. Há
necessidades de se fazer reformas, e eu acho que se pode fazer isso sem se
mexer na Constituição. Mas o Sr. João Goulart não queria isso. Montou um
dispositivo sindical nos moldes fascistas, com dinheiro do Ministério do
Trabalho, dinheiro roubado do impôsto sindical, roubado do salário dos
trabalhadores, para pagar as manifestações de banderinhas e as farras dos
homens do Ministério do Trabalho.”
“Ao mesmo tempo, começou a criar
dificuldades para a Imprensa, para os jornais, para o rádio e a televisão,
iniciando um processo de escravização dos homens livres que fazem a
imprensa do nosso País. Depois de criar as dificuldades, o Sr. João Goulart
oferecia-se para resolvê-las, enquanto dava curso ao processo de
entreguismo do Brasil à Rússia. O Sr. João Goulart
foi o maior entreguista que já teve êste país.”
Continuando seu discurso,
acusou o ex-Presidente Goulart de iniciar o solapamento da autoridade
militar, entregando os comandos militares a gente sem prestígio nas Fôrças
Armadas. “O
desprestígio” –
disse Lacerda – “atingiu
a todos os setores do Govêrno, os Ministérios Civis e a própria Casa Civil
da Presidência, onde estava Darcy Ribeiro, um instrutor de tupi-guarani,
que acabou reitor da Universidade de Brasília sem jamais ter sido professor”.
Dizendo que os brasileiros
honrados que votaram em João Goulart não tinham dado seu voto ao comunismo
(“portanto
Jango enganou o povo”),
Lacerda fêz referências elogiosas aos Generais Castelo Branco e Mourão
Filho, atacando em seguida o Almirante Aragão (“sem condições para
ser almirante”),
e aludindo ao Cabo José Anselmo: “A Marinha é tão ruim que um cabo pode ser
estudante de Direito. Em nenhuma Marinha do Mundo, nem nos Estados Unidos,
nem na Rússia – um cabo tem tempo para estudar Direito. E o Sr. João Goulart
acobertou, patrocinou, estimulou tôda essa gente, jogando marinheiro contra
soldado, farda contra farda, classe contra classe, brasileiro contra
brasileiro”.
“Assim, não era possível que Marinha,
Aeronáutica e Exército suportassem mais tamanha impostura e tamanha carga
de traição.” E
concluiu: “Deus
é bom. Deus teve pena do povo”.

JUSCELINO
Dizendo que a
legalidade é anticomunista mas não é antipopular, o ex-Presidente Juscelino
Kubitschek, candidato do PSD ao Palácio do Planalto em 1965, afirmou em
entrevista exclusiva a “O Cruzeiro” que a hora é de grandeza democrática, e
que o Brasil precisa de reformas contra os privilégios e contra os
extremismos. A palavra do líder que estêve, também, no centro dos últimos
acontecimentos é decisiva para o desarmamento dos espíritos, agora que o
País volta à paz e ao trabalho.
É com o pensamento voltado
para Deus, grato à sua proteção ao Brasil e ao seu povo, que saúdo a nossa
gente pela restauração da paz, com legalidade, com disciplina e com a
hierarquia restauradas nas Fôrças Armadas.
No auge da crise, quando
era próxima a possibilidade de derramamento do generoso sangue brasileiro,
o apêlo à paz, com legalidade, disciplina e hierarquia, tinha de ser
ouvido. E foi ouvido. A paz está mantida. A legalidade engrandecida. A
disciplina e a hierarquia rejuvenescidas.
Mas do que nunca o Brasil
precisa de paz: nos espíritos e nos corações. A mente clara, para pensar
sem ódios e sem rancores. A convalescença terá de ser curta, sem
radicalizações e sem ressentimento. Não manteremos a paz da Democracia
representativa com sentimentos de vingança e rancores condenáveis.
A hora é de grandeza
democrática. De grandeza da própria Democracia. De volta à rota do
progresso pela criação da riqueza e da multiplicação das oportunidades de
viver melhor. Sem progresso não haverá liberdade para alcançar a justa
distribuição da riqueza. Continuaremos a socializar o escasso.
A paz não exclui, todavia,
a vigilância democrática. O perigo comunista não estava, como se viu, no
comportamento do povo e dos trabalhadores, ordeiros e democratas. O perigo
comunista estava na infiltração em comandos administrativos.
A vigilância democrática
não significa, porém, a oficialização em qualquer ponto do território
nacional do liberticídio, do desrespeito às liberdades individuais e
associativas. E muito menos daquelas liberdades que mais de perto se
relacionam com as aspirações populares e com os direitos associativos, com
os sindicatos libertados de influências políticas de cúpula.
A legalidade é
anticomunista, mas não é antipopular. A legalidade democrática deverá estar
aberta, em todos os seus canais de comunicação, ao livre curso dos debates.
A legalidade democrática
abre também a possibilidade de recolocar o problema das reformas de base.
As reformas realmente democráticas, dentro da ordem social e econômica.
Reformas que elevem o padrão de vida do povo, nos campos e nas cidades,
significando socialização da riqueza, com a preservação integral do
princípio da propriedade privada, que cumpre estender e generalizar, dando
prioridade aos que nada possuem.
Não temos dúvida em
afirmar que a Democracia só será consolidada e enriquecida com a conquista
permanente da devoção popular.
A legalidade democrática
nos conduzirá às eleições. Será a continuidade do regime, já restaurado com
a posse, pelo Congresso, do meu eminente companheiro de partido, o Presidente
Ranieri Mazzilli. O ritual democrático está firme. É preciso, agora, que os
fins que êle simboliza sejam realizados pela ação dos brasileiros lúcidos e
tolerantes.
O Brasil das reformas é o
Brasil democrático, contra privilégios e contra extremismos. É o Brasil sem
frustrações. Esperançoso, rico e mais justo.
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O Cruzeiro - 10 de abril de 1964 - Edição
extra
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Magalhães, o herói da
Revolução
Reportagem de Oswaldo Amorim, Luiz Alfredo e José
Nicolau
ARTICULADOR e iniciador do movimento que culminou com
o afastamento do Presidente. João Goulart, o Governador Magalhães Pinto foi
aclamado em Minas como o grande herói da insurreição vitoriosa e
calorosamente festejada em todo o Estado.
Contando com a decidida colaboração das tropas do
Exército sediadas em Minas, além dos 18 mil homens da Fôrça Pública do
Estado e de total apoio popular, o Governador Magalhães Pinto iniciou a
história arrancada pelas liberdades democráticas com um vigoroso manifesto,
em que afirmou terem sido inúteis tôdas as advertências contra a
radicalização de posições e atitudes e contra a diluição do princípio
federativo.
A eficiente articulação empreendida, que garantiu a
adesão de elementos decisivos, e a rapidez e ação foram preciosos para a
fulminante vitória das fôrças democráticas.
Durante todo o desenrolar da crise, o Sr. Magalhães
Pinto permaneceu no Palácio da Liberdade, cercado pelo seu “staff” e em permanente
contato com os Generais Carlos Luís Guedes. Comandante da ID-4 (sediada em
Belo Horizonte) e Olímpio Mourão Filho, Comandante da 4.ª Região Militar
(Juiz de Fora) e fazendo ligações para outros chefes militares e vários
Governadores de Estado. Somente saiu, no dia 1.º, para visitar os quartéis
do 12.º RI e da Polícia Militar, o Destacamento de Base Aérea (único núcleo
rebelado da FAB) e o Centro de Recrutamento de Voluntários, acompanhados do
Cel. José Geraldo de Oliveira, comandante da Polícia Militar, Cel. José Guilherme,
chefe do Gabinete Militar (ambos foram peças importantes do movimente que
eclodiu em Minas e se alastrou no País) e dos Senadores Milton Campos e
Afonso Arinos — nomeados secretários sem Pasta do govêrno mineiro.
A vitória final, vibrantemente festejada pelo povo de
Minas, teve no tranqüilo e decidido Governador Magalhães Pinto o seu grande
comandante e maior alvo das manifestações populares em todo o País.
MINAS HORA A HORA
Reportagem de Fernando Richard
e José Nicolau
Dia 30 de março, 20h30m. O General Carlos Luís
Guedes, comandante da IV Infantaria Divisionária, sediada em Belo
Horizonte, reúne todo os seus comandados e comunica que se rebelara
contra o Presidente João Goulart. Reúne-se, depois, com o General João
de Faria e o Coronel Emílio Montenegro Filho, da FAB, além do General
José Lopes Bragança, no comando da ID-4. Traçam um esquema.
Dia 31 de março. 3h30m. A reunião continua. O General Bragança é
incumbido de fazer a convocação dos civis para a revolução. O Governador
Magalhães Pinto, no Palácio da Liberdade, declara que apóia e comanda o
movimento.
4 horas. Tem início a mobilização dos civis.
7h30m. O Comandante da Base Aérea de Belo
Horizonte, Coronel Afrânio da Silva Aguiar, é chamado ao Palácio da
Liberdade pelo Governador Magalhães Pinto. O Chefe do Executivo mineiro
expõe ao oficial os seus planos. Fala a respeito dos motivos que o
levaram a tomar a decisão. Após conferência de uma hora, a portas
fechada, o Coronel Afrânio dirige-se para a Base Aérea: tinha dado
total apoio ao Governador.
8h30m. O General Bragança vai ao comando da ID-4
e comunica ao General Guedes o andamento da mobilização de civis. No
Palácio da Liberdade, o Governador Magalhães Pinto toma tôdas as
providências com o Coronel José Geraldo de Oliveira, comandante da Polícia
Militar, para que fôssem guarnecidos os pontos estratégicos do Estado.
Tropas da PM se deslocam para as fronteiras.
9h30m. O General Olímpio Mourão Filho, comandante
da Quarta Região Militar, sediada em Juiz de Fora, telefona ao General
Guedes. Conversam reservadamente. Nessa hora, o movimento
revolucionário já é do conhecimento do povo. Uma violenta proclamação
do General Guedes é lida em tôdas as rádios da capital mineira e de
algumas cidades do Interior. Acusa Jango.
10 horas. O General Guedes comunica-se com o
Governador Adhemar de Barros pelo telefone. É a primeira vez, desde a
deflagração do movimento, que o General conversa com o Governador
paulista. No QG da ID-4, estão sendo montadas as instalações
telefônicas que iriam ligar, diretamente, o Palácio da Liberdade, o
comando do 12.º Regimento de Infantaria, a Polícia Militar, o
Destacamento da Base Aérea, o CPOR e outras unidades militares.
13 horas. No Palácio da Liberdade, o movimento é
intenso. O Governador, até o momento, não havia aparecido de público.
Chegam o Senador Milton Campos, o ex-Chanceler Afonso Arinos,
assessôres do govêrno e o secretário da Fazenda, Deputado José Maria
Alkmim. Trazem a notícia de que o Marechal Odilio Dennys se encontrava
em Juiz de Fora articulando o movimento com o General Olímpio Mourão
Filho. No Departamento de Instrução da Polícia Militar, mais de 500
jovens já se haviam alistado no chamado Exército Civil.
13h30m. O Coronel Emílio Montenegro Filho, da
FAB, é mandado a Barbacena, de avião, para entrar em contato com o
brigadeiro-comandante da Escola Preparatória de Cadetes do Ar. Em sua
companhia, segue o Jornalista Aloísio Cunha, que leva a gravação da proclamação
do General Guedes.
14 horas. Os dois enviados chegam a Barbacena.
Conversam com o comandante da escola. Um filho do Deputado José
Bonifácio prende o juiz de direito de Barbacena. Em Belo Horizonte, o
movimento de automóveis aumenta nos postos de gasolina. O combustível
fôra requisitado pelo govêrno.
14h30m. Chega a Belo Horizonte o Deputado José
Bonifácio, primeiro secretário da Câmara de Deputados. Anuncia a
disposição do Congresso de instalar-se na Capital mineira. E diz que
todos os deputados por Minas Gerais já haviam sido chamados.
15 horas. Na Assembléia Legislativa, o deputado
comunista Gomes Pimenta pede uma comissão para entender-se com as
autoridades a fim de ser pôsto em liberdade o Deputado Sinval Bambirra,
prêso na madrugada. A comissão foi formada, mas Bambirra não foi sôlto.
16 horas. Aproximam-se de Juiz de Fora as tropas
do 11.º Regimento de Infantaria, de São João del Rey, que começara a
deslocar-se para aquela cidade aos primeiros minutos da madrugada. O
General Guedes retorna ao QG da ID-4 após conferenciar, mais uma vez,
com o Governador Magalhães Pinto. Outra reunião contou com a presença
dos dois chefes mineiros da revolução e do Coronel José Geraldo de
Oliveira, secretários de Estado Oswaldo Pierucetti (Interior), Roberto
Resende (Agricultura) e José Maria Alkmim (Fazenda) e o Srs. Milton
Campos e Afonso Arinos.
17 horas. A Polícia Militar começa a ocupar a
capital mineira. A Companhia Telefônica, o DCT, emprêsas de
comunicações e redações de jornais e rádios foram tomadas pela PM.
19 horas. Aumenta o número de adesões de civis ao
movimento revolucionário. As inscrições são feitas no Grupo Escolar
Pandiá Calógeras. Todos usam no braço direito uma braçadeira
verde-amarela com um triângulo no centro. É o símbolo mineiro do
levante revolucionário.
19h30m. O General Guedes solicita a cooperação de
companhias construtoras para que enviem carrêtas pesadas: transporte de
material até Juiz de Fora. Quinze carrêtas são colocadas à disposição
do comandante da ID-4.
20 horas. O Governador Magalhães Pinto fêz seu
pronunciamento à Nação. Estava formada a Cadeia da Liberdade, que levou
a todo o Brasil a palavra do líder mineiro. Governadores de outros
Estados, como São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo,
Guanabara, Goiás, Mato Grosso e Bahia, apenas esperavam a palavra do
governador de Minas, para dar início ao movimento nas áreas de sua
responsabilidade.
20 h 30 m. Chega ao comando da ID-4, o Coronel
Paulo Hildebrando de Campos Góes, comandante do 4.º Regimento de
Obuses, sediado em Pouso Alegre. Procedia do Rio de Janeiro. Após
rápido contato com o General Guedes, põe-se à disposição do comandante
da ID-4.
21 horas. Engenheiros se apresentam ao comando da
ID-4 para as emergências que surgirem com o decorrer da crise militar.
São especialistas em restauração de pontes e construções. Médicos dão
conhecimento ao comando revolucionário de vários postos em Belo
Horizonte.
22 horas. Com exclusividade, a reportagem de “O
Cruzeiro” consegue entrar na Base Aérea de Belo Horizonte
e fotografa os praças e oficiais revoltosos. O comandante da guarnição
só havia dado conhecimento da revolução aos oficiais. Mais tarde
falaria ao resto do contingente. Indagado a qual comando estava
subordinado, disse o Coronel Afrânio Aguiar que “seu
único comandante era o Governador Magalhães Pinto”.
Os oficiais mantinham-se calmos e aguardavam o desenrolar dos
acontecimentos.
22 h 30 m. Pelo telefone, o General Guedes é
informado de que o Presidente João Goulart deseja um entendimento com o
Governador Magalhães Pinto e os chefes militares de Minas Gerais.
Afirma-se que o Sr. João Goulart chegou a propor uma mediação “para
resolver o impasse surgido entre a administração federal e o govêrno
mineiro”. O General Guedes se recusa a manter conversação
com o Chefe da Nação. Idêntica é a atitude do Governador Magalhães
Pinto.
23 horas. Todo o dispositivo revolucionário se
encontra em ação. O secretário da Agricultura de Minas, Sr. Roberto
Resende, toma as providências necessárias a que não houvesse falta de
gêneros nos dias seguintes. “Minas poderá resistir cem dias”
- afirmou. Foi determinado o levantamento de todo o estoque de carne no
Estado.
24 horas. As poucas pessoas que se mantinham
próximas ao Palácio da Liberdade se mostravam apreensivas com as
notícias de que tropas do I Exército estavam marchando contra Minas
Gerais. Entretanto, neste momento o Coronel José Guilherme anuncia que
o Governador Magalhães Pinto havia recebido um comunicado do General
Amaury Kruel, dizendo que estava à frente do II Exército marchando
contra o Estado da Guanabara. A alegria foi geral. 
Dia 1.º de abril. 1 h 15m. O Comandante da Base
Aérea de Belo Horizonte fala, pelo telefone, com o Brigadeiro Francisco
Teixeira, comandante da 3.ª Zona Aérea, e comunica a sua condição de
rebelado. É imediatamente exonerado, juntamente com o subcomandante,
Major Nelson Santiago. Não acata a decisão. Reúne a tropa, dá ciência
de sua condição e liberdade de ação para os que não quiserem aderir.
Tôda a tropa se mantém com o comandante destituído. O Coronel Afrânio
Aguiar, então, toma medidas de segurança.
8 horas. No QG da ID-4, a satisfação é geral. O
General Guedes recebe dez pilotos civis que se colocam à disposição
para qualquer eventualidade. Várias companhias de aviação põem suas
aeronaves a serviço do Governador Magalhães Pinto.
8 h 30 m. Pela primeira vez, desde o início do
movimento, o Governador Magalhães Pinto deixa o Palácio da Liberdade.
Visita várias unidades rebeladas. Vai ao Centro de Recrutamento, onde é
recebido entusiàsticamente. Depois, dirige-se ao Departamento de Instrução
da Polícia Militar e ao 12.º Regimento de Infantaria. Por último,
visita a Base Aérea de Belo Horizonte.
12 h 30 m. Num contato com os repórteres de “O
Cruzeiro”, o Governador Magalhães Pinto declara que “foi
diminuído o prazo que se esperava para a vitória final”.
O prazo inicial era de dez dias.
14 horas. No Palácio da Liberdade, o Governador
Magalhães Pinto continua reunido com o seu secretariado. O Secretário
do Interior, Oswaldo Pierucetti, articulador civil da revolução, faz
vários contatos com São Paulo, Guanabara e outros pontos do País. As
notícias continuam a chegar, sempre animadoras. Os chefes
revolucionários aumentam a sua euforia. O prazo, de que falou o
Governador Magalhães Pinto, encurta ainda mais. Para todos, a coisa
mais certa é que as fôrças democráticas consigam dominar o País dentro
de mais algumas horas. Os chefes militares conferenciam. De repente, as
ligações telefônicas com Brasília são cortadas. Não se fala mais com a
Capital do País. Há uma notícia, logo desmentida, que preocupa o chefe
do Executivo mineiro: é a de que o Palácio Guanabara está cercado e de
que havia sido cometido um atentado contra o Governador Carlos Lacerda.
15 horas. O Governador de Minas Gerais deixa o
Palácio da Liberdade para passar em revista as tropas da Polícia
Militar que, em oito ônibus, deixam Belo Horizonte com destino a Juiz
de Fora e várias outras cidades do interior do Estado. É aclamado pela
multidão que se reúne em frente à sede do Executivo mineiro.
15 h 15 m. Quando regressava ao Palácio, as rádios
comunicam a adesão do I Exército. Aos gritos de “Terminou
a revolução!” e “Vitória!”
a multidão carrega em delírio o Governador Magalhães Pinto. Nas ruas
centrais da cidade, a população lança papéis picados do alto dos
edifícios. É a comemoração da vitória. Milhares de pessoas subiam a
Avenida João Pinheiro com destino ao Palácio da Liberdade cantando “Minas
Gerais” e o Hino Nacional. O Governador Magalhães Pinto,
entretanto, preocupava ainda com as notícias de que havia resistência
no Rio Grande do Sul, embora estivesse certo de que a sua luta pela
democracia tinha sido coroada de êxito e, pràticamente, chegara ao fim.
20 horas. Através de uma cadeia de rádio e
televisão, o Governador Magalhães Pinto, no Palácio da Liberdade, faz
sua primeira proclamação como chefe da revolução de 72 horas que abalou
o Brasil.
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O Cruzeiro - 10 de abril de 1964 - Edição
extra
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São Paulo em guerra
pela liberdade
Reportagem do “Bureau” de “O
CRUZEIRO” em São Paulo
Batalha
da CTB acabou sem disparar um tiro
A Companhia Telefônica
Brasileira foi ponto de uma pequena guerra particular. Trinta e dois homens
estavam lá dentro. Os policiais se dispõem a invadir o prédio. Quando o
conseguem, Nelson Gatto, a quem procuravam, tinha desaparecido. Antes,
porém, houve isolamento da área, pedidos de jornalistas aos policiais
superarmados em favor de Nelson Gatto, que é também jornalista, e tudo
acabou sem que um tiro sequer fosse disparado. A CTB foi dominada. 
Ruas
interditadas protegeram os democratas 
O problema dos transportes
teve duas faces, durante a crise em São Paulo. De um lado, várias ruas da
cidade foram interditadas ao trânsito, principalmente aquelas que davam
acesso ou passavam bem próximas a lugares considerados de importância
militar, como o Quartel General do II Exército e a Secretaria de Segurança
Pública.
De outro lado, porém,
meios mais rápidos de transporte foram utilizados para a movimentação das
tropas, que tinham de atingir pontos estratégicos com rapidez, a fim de
ganhar eficiência na operação de guerra. Tudo foi cumprido dentro de um
plano rígido de segurança e de bom rendimento tático.
São Paulo viveu, assim,
horas de guerra, ainda que não resultassem os movimentos e as medidas em
nenhum choque verdadeiramente sangrento. O que havia de realmente desejado
era que o País retornasse aos caminhos da Democracia e da paz. Isto foi
conseguido.

Vitória da Democracia foi festa de
todo o povo de São Paulo
As horas de angustiante
expectativa, quando as notícias mais desencontradas eram ouvidas pelo povo
paulista, terminaram em festa, com a notícia muita certa da vitória das
fôrças democráticas.
O Governador Adhemar de
Barros, que se mantivera sem descanso, sorriu satisfeito: a vitória da
Democracia era, de certo modo, um pouco a sua vitória. Êle se pusera, desde
o início, na posição de um batalhador irredutível de sua causa e São Paulo
marchou coeso com êle, atendendo à sua palavra inflamada e patriótica.
Nas ruas, à hora final, o
povo esteve presente, comemorando com papéis picados atirados do alto dos
edifícios. De cada janela, pulava um coração paulistano ao mesmo compasso
da alegria de todos os corações brasileiros que desejavam o retorno do País
à ordem.
S. PAULO HORA A HORA
31
de março – de manhã
– São Paulo amanhece sob a repercussão da manifestação dos sargentos e
do discurso do Presidente Goulart na Guanabara e a notícia de
mobilização em Minas Gerais. No Palácio dos Campos Elísios o clima é de
nervosismo. O Governador Adhemar de Barros nega-se a falar à imprensa e
mantém reunião secreta com o Deputado Ranieri Mazzilli, presidente da
Câmara Federal. De prontidão e com tanques em fila no Ibirapuera, o II
Exército não revela seus objetivos.
Muitas notícias
continuam a chegar de Minas Gerais. A 4ª Região Militar teria deslocado
suas tropas para a fronteira com o Estado do Rio. Anuncia-se manifesto
do Governador Magalhães Pinto.
De
tarde – Comenta-se no Palácio dos Campos
Elísios que o Governador passara a madrugada do dia 31 em Belo
Horizonte, com o Sr. Magalhães Pinto.
O Governador de
Minas lança manifesto à Nação: “o Presidente da República
subverteu a disciplina e Minas se levanta para garantir a normalidade
constitucional”,
diz. Correm boatos de que Minas se proclamaria “território
nacional livre”
com Constituição própria, inclusive. O Governador Adhemar de Barros
afirma que “não
existe mais o regime federativo no País”.
Nas ruas há um
evidente nervosismo. As calçadas estão cheias de gente agitada que
corre aos bancos, os quais, sem cobertura do Banco do Brasil, vão
pagando cheques enquanto têm dinheiro e depois fecham suas portas. Com
exceção dos bancos mineiros que fecharam as portas antes e se negaram a
pagar. Apurou-se que assim fizeram por recomendação do Governador Magalhães
Pinto.
Sabe-se que as
tropas do Exército em Minas estão sublevadas. Chegam notícias dos
deslocamentos de tropas da Guanabara para enfrentá-las. Teme-se o
choque. O Governador paulista continua se recusando a falar. Igualmente
o General Kruel, comandante do II Exército.
De
noite – Às 19 horas o Governador ainda se
recusava a falar, mas às 20,30 horas gravaria um vídeo-tape com uma
declaração de apoio ao movimento de Minas. Antes, porém, de divulgado o
documento de Adhemar, era Magalhães Pinto quem falava outra vez: “Temos
certeza da ajuda de São Paulo. Com São Paulo ao lado de Minas, a
vitória será rápida”.
Depois de
incidentes com funcionários federais que queriam impedir a transmissão,
a fala do Governador Adhemar de Barros foi, afinal, ao ar, por uma
cadeia de rádio (mais tarde também de TV) às 22,30 horas.
Os policiais
afirmam que vão invadir o prédio da CTB. Preparam-se, isolam a área,
afugentam os curiosos, começam a entrar por uma porta lateral,
armadíssimos. A rua está escura por causa do racionamento, a noite é de
garoa e há um grande silêncio. Dezenas de jornalistas esperam em
silêncio do lado de fora. Os minutos passam e não há tiros. Os
repórteres intercedem em favor do colega, fazem apêlo ao Secretário de
Segurança, o tempo passa, não há tiros, nem solução.
Pouco antes da
meia-noite é divulgada a posição do General Amaury Kruel, comandante do
II Exército: apóia o movimento de Minas Gerais, contra o “jugo
vermelho”.
Tendo-se o Exército mostrado aliado e não havendo nenhum outro
incidente em todo o Estado, o Governador Adhemar de Barros tem agora um
só ponto de resistência em seu território: 32 homens fechados dentro do
prédio da CTB. As ordens de prisão a qualquer preço são renovadas. A
adesão do Exército alivia evidentemente as expressões dos policiais.
Como há
elementos do Exército dentro do prédio, a Secretaria de Segurança pede
ajuda ao Exército para resolver a questão. Um tenente-coronel não
identificado pelos repórteres chega ao prédio logo depois. Entra e não
volta mais. “Foi
preso como refém”,
dizem os policiais. Um pelotão de soldados do Exército chega logo
depois. Os soldados estão muito nervosos.
De
madrugada – O tempo passa e a única notícia que
se tem é de que o tenente-coronel não voltou mais ao andar térreo (o
resto está tomado pelos que resistem). Anuncia-se a censura das
estações de rádio, jornais e televisão. Baixada portaria a respeito,
pelo Govêrno.
Eram 1,40 horas
da madrugada quando a voz do Governador voltou ao ar. Informava que
havia seis Estados sublevados para derrubar o Sr. João Goulart, a quem
o Governador chama de “ex-Presidente”.
Os Estados sublevados são Minas, São Paulo, Paraná, Goiás, Mato Grosso
e Rio Grande do Sul. Anuncia a união do govêrno de São Paulo como II
Exército.
Notícias de Santos – mais tarde confirmadas pelo
próprio Governador – davam conta, pela madrugada, de que vários líderes
sindicais haviam sido presos, o Fórum Sindical de Debates invadido e
pôsto fora de ação pela Polícia Estadual.
Enquanto isso,
mantinha-se o impasse na Telefônica. As luzes do prédio agora estão
tôdas acesas, há boato de que os sitiados fugiram. O tenente-coronel
ainda não voltou, ninguém sabe onde estará.
Às 3,30 horas o
jornal “Última
Hora”
é cercado pela Polícia Estadual e, posteriormente, invadido sem
resistência. Sua edição é impedida de circular e o jornal passa a ficar
sob controle do Govêrno do Estado. Às 5 horas – quase claro – o
tenente-coronel desce e informa: “Nelson Gatto e seus homens
fugiram. Presumo que fugiram pelo telhado. Não fui prêso por êles.
Perdi todo êste tempo procurando-os pelo prédio sem os achar”.
O que os jornalistas concluíram, porém, é que o choque, que seria
violento, foi contornado por conversações e dada a Gatto a oportunidade
de evadir-se. A madrugada termina com a Polícia correndo para um prédio
próximo, supondo que Gatto para lá tivesse passado e pretendendo ali
cercá-lo novamente. Foram vãos seus esforços.
Manhã de 1º de abril – A chuva
tantas vêzes anunciada pelo Sr. Adhemar de Barros chegou de duas
formas: uma, natural, garoa fininha, bem paulista, molhando o asfalto
das ruas; outra – aquela a que se referia o Governador – simbolizada
pelos carros de tropas que se movimentavam em tôdas as direções e pelas
metralhadoras e fuzis embalados. Foi sob as duas chuvas que o povo saiu
às ruas, como todos os dias, para as fábricas, para os escritórios,
para as lojas. Nisto São Paulo não se alterou. Apesar da tensão, da
expectativa e da apreensão estampadas em todos os rostos, o povo foi
trabalhar.
A primeira alteração notada na fisionomia da
cidade foi congestionamento maior do tráfego nas imediações de
quartéis, saídas para as rodovias, estações ferroviárias e outros
pontos estratégicos, todos ocupados por soldados do Exército e da Fôrça
Pública. Quarteirões inteiros estavam isolados e, em alguns pontos,
armadas barricadas com sacos de areia e arame farpado.
O Palácio dos Campos Elísios estava isolado e
protegido por um cinturão de segurança que abarcava quatro quarteirões
em tôrno. O movimento de tropas do II Exército, iniciado às primeiras
horas da madrugada, continuava. Pela manhã eram embarcados na Estação
Roosevelt (Central do Brasil) duas dezenas de carros-tanques com
destino ao Vale do Paraíba, já então sob o contrôle do II Exército.
Apesar dessa intensa movimentação de tropas, a situação era de calma em
todo o Estado. O Palácio dos Campos Elísios distribuiu comunicado do
Governador Adhemar de Barros concitando o povo a manter-se em calma e,
logo mais, por ordem do govêrno, eram requisitados todos os estoques de
combustíveis.
Enquanto isso o QG do II Exército distribuía
comunicado dizendo “considerar muito boa a evolução
dos acontecimentos, particularmente pelo número de adesões de Estados
da Federação, com seus govêrnos e tropas militares nêles sediadas”.
O Govêrno do Estado e o II Exército dominavam
inteiramente a situação. Além do episódio da noite anterior, quando o
Gen. Puertas e o Jornalista Nelson Gatto tomaram o prédio da Companhia
Telefônica, não se verificou nenhum outro movimento de resistência
ostensiva. Em Santos, porém, amanheceu paralisado o pôrto. A COSIPA, as
indústrias petroquímicas de Cubatão e a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí
foram igualmente paralisadas pelo movimento grevista em solidariedade
ao Sr. João Goulart. Grandes contingentes do DOPS e da Fôrça Pública
ocupavam tôda a Baixada Santista e, por volta das 9 horas, choques da
Polícia Marítima invadiram a sede do Sindicato dos Estivadores. Foram
efetuadas detenções de vários elementos ligados aos sindicatos. Durante
todo o dia seriam detidos mais de duzentos comunistas. Alguns dos mais
ativos líderes sindicais desapareceram. A Alfândega e demais
repartições federais foram ocupadas pela Polícia.
Ainda na parte da manhã foi aberto o
voluntariado. Um no Ginásio do Departamento de Educação Física e
Esportes, por um ex-comandante da Revolução de 32, Cel. Homero
Silveira, e outro no local onde funcionava o escritório regional da
SUPRA. Antes de ser transformado em pôsto para alistamento de
voluntários, o escritório da SUPRA foi vistoriado por elementos do
DOPS, que ali aprenderam material de propaganda da Reforma Agrária. No
fim do dia, só no primeiro pôsto haviam-se apresentado mais de quatro
mil voluntários.
A tarde começou
com uma proclamação do Governador Adhemar de Barros. “Como
um só corpo. Como uma só alma, ergue-se a gente paulista”,
dizia o Governador, em sua oração transmitida pelo rádio, logo depois
do meio-dia. O povo paulista, acrescentava, “ergue-se
mais uma vez na defesa dos ideais democráticos, na salvaguarda do
valôres supremos de nossa civilização cristã”.
E mais adiante: “Com
o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a Fôrça Pública, com o apoio de
tôdas as suas classes sociais, ressurge o São Paulo eterno para a
eternidade do Brasil”.
As constantes
notícias difundidas pela “Rêde da Democracia”,
que transmitia da Secretaria de Segurança Pública, informavam sôbre as
adesões recebidas em vários pontos do País pelas fôrças contrárias ao
Govêrno do Sr. João Goulart. O noticiário do Rio, ainda confuso, sem
determinar exatamente a posição do I Exército, ainda causava alguma
apreensão, principalmente o cêrco do Palácio Guanabara por Fuzileiros
Navais. À medida que o tempo corria, porém, o otimismo aumentava entre
as autoridades e transbordava para as ruas. O General Aldévio, em
rápido encontro com a Imprensa, disse que “movimento
dessa natureza estava previsto nos planos Alvorada, Eclipse e Boreal”,
referindo-se à crise político-militar. Tais planos foram elaborados por
uma equipe de técnicos estrategistas quando o general assumiu, em 63, a
Pasta da Segurança. Sua confiança em que as autoridades paulistas e o
Exército dominavam inteiramente a situação foi demonstrada pelo fato de
serem retirados os carros blindados da Fôrça Pública, que haviam tomado
posição em pontos estratégicos da cidade, pois a calma era “absoluta”.
Outro fato que justificava otimismo: a solicitação de conferência feita
pelo General Morais Âncora ao General Kruel. Êste já se dirigia a
Resende, onde se realizaria o encontro para parlamentação.
Às 17 horas,
havia intensa expectativa nas ruas. Logo, um boato lançado pela
emissora que encabeçava a “Rêde da Democracia”,
sôbre a “renúncia”
do Sr. João Goulart, provocou uma explosão de contentamento, com a
reunião imediata de várias autoridades no Palácio dos Campos Elísios,
para “festejar
o acontecimento”.
Nas ruas centrais começou a cair uma outra chuva, desta vez de papel
picado que caía em grande quantidade dos edifícios dos escritórios.
Estudantes da Universidade Mackenzie chegaram a organizar uma passeata
que percorreu as ruas do centro.
Essa
manifestação quase gerou um incidente de graves conseqüências, quando o
grupo de estudantes tentou manifestar o seu apoio ao General Kruel.
Apareceram de repente na Rua Conselheiro Crispiniano, onde se localiza
o edifício do QG do II Exército. Os soldados que mantinham guarda
chegaram a apontar as suas armas, mas logo tudo se esclareceu. E os
estudantes continuaram em sua passeata, dando vivas à democracia e à
liberdade e aplaudindo os carros blindados da Fôrça Pública que
passavam de volta ao quartel.
Nos jardins dos
Campos Elísios, tomados pelo povo e por autoridades, o clima era de
euforia. O Governador Adhemar de Barros saiu e, logo após, fazia uma
proclamação conclamando o povo a não se exceder em manifestações, pois
considerava cedo para se “festejar a vitória de uma luta que
mal começou”.
“- A erva daninha da
infiltração comunista” – disse – “continua
entre nós. Só haverá vitória, realmente, quando vencermos a resistência
dos que, da retaguarda, impulsionaram as autoridades federais”.
E mais adiante: “-
A vigília não pode terminar. É preciso evitar a guerra civil dos
desesperados. Mantenhamos alerta permanente. Agentes de Pequim, Moscou
e Cuba não se entregaram ainda, mas nós vamos caçá-los de agora em
diante”.
A fala do
Governador e, mais tarde, o desmentido da renúncia do Presidente, foram
como água na fervura. E a noite desceu sôbre São Paulo. Com uma
constante e fria garoa.
Os constantes
comunicados das autoridades estaduais e do II Exército, dando conta da
marcha dos acontecimentos em todo o País, deixavam claro às primeiras
horas da noite que o movimento iniciado em Minas Gerais estava
vitorioso. A única nota dissonante (e isto não era notificado) era a
tomada de posição de Brizola no Rio Grande do Sul.
Antes da
meia-noite, o General Kruel voltava a São Paulo, vindo de Resende, onde
fôra triunfalmente recebido pelos cadetes de Agulhas Negras. A
conferência com o General Morais Âncora não chegara a se realizar, pois
o I Exército aderira quase totalmente ao Gen. Kruel.
A madrugada
chegou com a notícia da viagem do Presidente Goulart para Pôrto Alegre,
onde “assumiria
a resistência”.
E a madrugada trouxe mais uma notícia importante: o Sr. Ranieri
Mazzilli é o novo Presidente do Brasil, por decisão do Congresso
Nacional.
E a garoa
continuava a cair sôbre a calma da cidade.
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O Cruzeiro - 10 de abril de 1964 - Edição
extra
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A batalha do Guanabara
Fotos de Antônio Rudge

Durante um dia e uma
noite, o Palácio da Guanabara e o Governador Carlos Lacerda foram nomes que
representaram a resistência democrática na chamada “capital cultural e
política”
do País. Ninguém pregou ôlho. As horas transcorreram em regime de sentinela
bem acordada, até que a vitória se desenhasse no céu do Rio.
Os tanques do Exército
estavam no Largo do Machado. No Palácio da Guanabara, o Governador Carlos
Lacerda se mantinha em calma e em expectativa. Todo o secretariado presente.
Eram 18,30 h do dia 31 de março.
O feriado escolar, depois
de estudado, teve sua decretação feita às 23 horas. Cêrca de 300 oficiais
das diversas armas se dirigiram para o Guanabara, a fim de solidarizar-se
com o Governador. Meia-noite: sabe-se do movimento de tropas de São Paulo
em direção ao Rio de Janeiro. Junto à Igreja, um foguete (antitanque) é
montado em longarinas de asa de avião. Aos 5 minutos chega o Senador Artur
Bernardes Filho. O Governador se mantém em vigília e fala com o Jornalista
Jules Dubois, de Miami, Estados Unidos, e dá a notícia da adesão do Rio
Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Lacerda sai aos 35 minutos,
acompanhado apenas pelo general Mandim, responsável pela segurança de
Palácio, e inspeciona, até aos 55 minutos, os arredores. A uma hora da
manhã, começaram a cortar os telefones da linha 25, que serve ao Guanabara,
mas continuaram a funcionar três da linha 45,que passaram a ser utilizados
pelo Governador. Às 2,45 h, corre em Palácio a notícia de que os fuzileiros
navais iriam atacar. A expectativa prossegue até às 5 horas, quando entram
mais 30 generais do Exército. Às 6,30h, nova notícia promoveu atitude
semelhante, logo relaxada por saber-se que se tratava de umrebate falso.

O dia 1° de abril estava
claro. Às 7,55h, o Governador Carlos Lacerda recebe o Manifesto dos
Generais, que iria ser lido após o hasteamento da Bandeira Nacional, às 8
horas, através da Rádio Inconfidência, de Minas Gerais. Às 8,30 h, Juracy
Magalhães entra em Palácio e conferencia com Carlos Lacerda. Às 10,45h, o
presidente do Tribunal de Justiça, Dr. Vicente Faria Coelho, chega e
conferencia com o Chefe do Executivo. Às 13,15h, entra em Palácio o Sr.
Armando Falcão. As notícias se aceleram. Às 16 horas, há o momento de maior
emoção para o Governador Carlos Lacerda: tanques do Exército, que se
encontravam no Palácio das Laranjeiras, estão agora guarnecendo o Palácio
da Guanabara. O Chefe o Executivo carioca, ao ouvir a notícia, chora e
exclama:
- Graças a Deus! Deus está conosco!
O carnaval da vitória
Foi uma reação em cadeia.
Anunciada a viagem do Presidente a Brasília e a vitória das fôrças
revolucionárias, milhares de pessoas saíam às ruas, gritando, pulando,
discursando também, num verdadeiro carnaval. Grupos mais exaltados e
tomados de fúria incendiaram o prédio da UNE, na Praia do Flamengo, quando
os dirigentes comunistas da entidade já haviam desaparecido e abandonado a
sua trincheira. Os mesmos grupos depredaram e incendiaram a “Ultima Hora”, na Praça da
Bandeira. Isso foi um pouco de vingança e excesso condenável, pois a massa,
o povo carioca, queria apenas viver aquelas horas de vitória e não
vingar-se daqueles que tinham sido vencidos.
GUANABARA HORA A HORA
Reportagem
da equipe de “O
Cruzeiro”
31 de março, na
Guanabara. O Governador Carlos Lacerda prende líderes sindicais
reunidos em assembléia permanente. Entre êles, Rafael Martineli, o que
redundou na greve imediata da Leopoldina, como protesto. Dez vagões
colocados numa passagem de nível, na Rua Francisco Bicalho, forma
empurrados por choferes e passageiros de ônibus e lotações. (Mas os
vagões voltaram a impedir o tráfego, até o fim da crise).
Às 19 horas do
dia de temor que era o 31 de março a Rádio Jornal do Brasil é invadida
por um grupo de fuzileiros. Armados de metralhadoras, equipados para
uma batalha. Motivo alegado para a invasão: divulgação de uma nota em
que se dizia que o General Humberto Castello Branco se reunira com
diversos oficiais-generais no Ministério da Guerra. O Ministério,
àquela altura, era tido e havido como reduto do Govêrno Federal. A
Rádio, daí em diante, passou a transmitir apenas noticiários
internacionais, em seus programas noticiosos. Pouco mais tarde, naquela
mesma noite, 200 soldados tomavam conta da Central do Brasil, que
aderira à greve da Leopoldina. Na Avenida Presidente Vargas, o povo,
que sem condução se concentrara em frente ao monumento ao Duque de
Caxias, esperava ordeiramente os poucos caminhões que faziam o tráfego
para o subúrbio.
Vila Militar,
já no dia seguinte, 2 h 30 m da madrugada. Preparo de tropas para serem
enviadas a S. Paulo. Enquadrados, os oficiais negavam-se a prestar
qualquer declaração.
Cidade. Dia de
cada um. 7 horas. Extensas filas se formam em frente às casas
comerciais. Padarias, botequins, grandes mercearias e supermercados têm
seus estoques esgotados. Lataria é o primeiro tipo de gênero que se
acaba, entre o correr dos boatos nas filas. O saque não deixou de dar o
ar de sua graça: a filial das Mercearias Nacionais, instalada nas
proximidades do Parque Proletário da Penha, é assaltada por um grupo de
favelados, quando os operários arrumavam (sem saber que estavam fazendo
um gesto para entrar na história da sobrevivência) latas de conserva
nas prateleiras. Um saqueador foi ferido pelas balas da guarnição da
polícia estadual, que compareceu.
Estamos em
pleno 1º de abril, que desta vez não foi motivo de brincadeiras. 10
horas. Avenida Presidente Vargas e Rio Branco com muita gente em seu
cruzamento, procurando apanhar carona para os seus bairros para os seus
bairros da Zona Norte, em face da greve geral dos transportes coletivos
da cidade. Nas esquinas, piquêtes nitidamente esquerdistas e
antimilitares, que dominaram a Cinelância até às 14 horas. A sede do
Diretório Regional do PTB, na Cinelândia, ampliava, por seus
auto-falantes, a pregação revolucionária, incitando os populares a
invadirem o Clube Militar, na esquina da Rua Santa Luzia.
Na verdade,
populares tentaram, pouco depois, invadir a sede da entidade de classe
dos oficiais do Exército, no que foram obstados pelos disparos dos
tenentes, capitães, majores, coronéis e generais que lá se encontravam.
Os oficiais dispararam de início para o ar e por fim para valer.
Às 15 horas,
mais ou menos, um automóvel lançou volantes na Cinelândia, convocando o
povo a participar de um comício de protesto contra o movimento
revolucionário e que deveria realizar-se meia hora depois.
16 horas. É o
sangue. A multidão tenta, mais uma vez, invadir e depredar o Clube
Militar. Um carro de choque da PM posta-se diante do Clube. O povo
presente vaia os soldados. Mais tarde, choques do Exército, chamados a
pedido do Marechal Magessi, Presidente do Clube Militar, dispersam os
agitadores. Que voltam na recarga, pouco depois (para sua
infelicidade). Repelidos a bala, deixam em campo, feridos, vários
manifestantes; emtre êles Labib Carneiro Habibude e Ari Oliveira Mendes
Cunha, que morreram às 22 horas, no Pronto-Socorro.
16 horas e 30
minutos. Fuzileiros navais que protegem o Palácio da Laranjeiras
retiram-se em 4 caminhões. Um dêles traz, como apêndice, um canhão.
Mais atrás, um ônibus da Marinha. O restante da defesa era a guarda do
Palácio por conta de alguns poucos soldados da Polícia do Exército,
colocados na esquina de Gago Coutinho com Laranjeiras, e um pelotão de
tanques do Regimento de Reconhecimento Mecanizado, formado por seis
tanques, sob o comando de um primeiro-tenente.
16 horas 45
min. Radiopatrulha do Estado, com três homens da Polícia de Vigilância,
se aproxima e conversa com o tenente dos tanques da Rua Gago Coutinho.
O povo, estupefato, não entende de nada. Mais tarde, porém, se
sobressalta. O oficial-comandante. O oficial-comandante ordena que
avancem ao Palácio Guanabara. Sôbre as barricadas. O povo pensa que se
trata do assalto ao Guanabara. Muitos correm, muitos se atiram ao chão.
Mas para pouco depois, quando entendem a manobra, voltarem, para
festejar os tanques que aderiram à causa revolucionária. Verdadeira
multidão, que se encontrava às janelas dos edifícios, compreende logo o
que se passa e aplaude o gesto das tropas federais que se bandeiam às
fôrças revolucionárias. Uma chuva de papéis picados. Povo e tanques
ultrapassando a barricada, até então indevassável. Alarido
ensurdecedor.
Na esquina de
Laranjeiras e Pinheiro Machado, cento e cinqüenta metros do Palácio do
Govêrno Estadual, param três dos seis tanques. Desce sua tripulação
(desarmada). Em seu interior apenas os motoristas.
Quando o
Governador Carlos Lacerda desceu do Palácio Guanabara, protegido por
sua guarda, os tanques estão à frente do Palácio. Guarnições marchando
à sua frente. Canhões e metralhadoras desguarnecidos. Era a honrosa
adesão. Adesão como passo para a pacificação sem sangue.
Cartas na mesa,
a multidão aumenta em frente à sede do Govêrno da Guanabara. È quando
chega a notícia de que os fuzileiros navais se aproximavam para atacar
o Guanabara. Correria geral, enquanto os alto-falantes pediam que o
povo se retirasse da linha de fogo. (E foi a debandada.) Para a
retirada ser honrosa, divulgou-se que se tratava de tropas de navais
que vinham apresentar sua adesão. Prestar continência ao Governador
Carlos Lacerda. E a praça ficou vazia, com policiais e tanques em
posição de um combate que não veio, pois a notícia de que os fuzileiros
terríveis se aproximavam para o combate de vida ou morte não passou de
rebate falso.
17 horas e 30
minutos. Deixemos a Cinelândia e as imediações do Palácio Guanabara.
Praia do Flamengo, 132, sede da União Nacional dos Estudantes. Grupos
de jovens atiravam bombas incendiárias (coquetel Molotov) para o
interior da UNE, àquela altura abandonada pelos dirigentes da entidade
estudantil. Tinham fugido, sob as vaias dos que se aproximavam do
local. Ou mesmo pelos fundos, pelos telhados do prédio, para edifícios
vizinhos. Precipitadamente. Duas atitudes: uma senhora acompanhou os
acontecimentos da UNE com um comentário – “Vi arder na UNE uma
permanente provocação aos sentimentos cívicos e democráticos dos
cariocas”. Um senhor, cidadão muito sério, pediu licença para os
policiais. E se aproximou: “Quero” – disse – “colocar amanhã, aqui,
substituindo essa faixa em que os estudantes desafiam a ordem
constituída, uma outra em que se leia que será instalada brevemente,
neste mesmo lugar, uma escola”.
Mulheres e
rapazes, em opinião unânime, diziam que nunca tinham visto um movimento
com aquêle. “Êles pagaram” – diziam, contritos do que diziam. Apesar do
que se disse, o incêndio não foi ateado dentro do próprio prédio, por
quem lá se encontrava. Os dirigentes da União Nacional dos Estudantes
livraram-se de livros e documentos, que forma incendiados e devolvidos
para o interior do edifício em forma de tochas de fogo e objetos que se
incendiava no interior das salas das entidades sob as siglas de UNE,
AMES, UBES e outras.
Os policiais e
bombeiros que pouco depois chegaram para combater o incêndio disseram
que encontram nas salas da UNE armas e munições.
18 horas. É a
vez do jornal Ultima Hora. Enquanto no dia anterior o Jornal do Brasil
era invadido por fuzileiros, a Ultima
Hora se mantinha intacta. Agora, desta vez, o
vespertino, na Rua Sotero dos Reis, era atacado. Grupos arrombaram a
porta da garagem, puxando as viaturas para a rua, depredaram-nas e
atearam-lhes fogo. Escritórios, idem. Rotativas, idem. Depoimento de
testemunhas: a Operação Ultima
Hora foi obra de comandos. Em pouco mais de 15 minutos
os depredadores executaram a sua obra. (Ignoravam a existência de um
cabo de alta tensão que, se atingido, causaria danos de extensão
imprevisíveis, chegando mesmo a sacrificá-los.)
O CARNAVAL
O dia 1º de
abril foi de tráfego congestionado, avançado passo a passo, no Rio de
Janeiro. Especialmente na Zona Sul. Quase duas horas para ir de
Copacabana ao Leblon, percurso que se faz normalmente em meia hora.
Madrugada de colisões.
Na praia de
Botafogo três carros de passeio chocaram-se, em horas diferentes,
contra postes e árvores. No Flamengo, um carro estadual, oficial, cujos
ocupantes metralharam a sede da União Nacional dos Estudantes, estava
completamente danificado. Colidira com um poste, após o atentado. Na
Avenida Beira-Mar, duas Kombis chocaram-se contra um poste e uma
árvore. Um carro de praça incendiou-se na Avenida Brasil, do juiz
trabalhista Orlando Silva Oliveira, atropelava e matava uma doméstica
na Rua Haddock Lôbo.
Filas extensas
na Rua Barata Ribeiro e Av. Nossa Senhora de Copacabana. Casas
comerciais, mercearias, bares, cafèzinhos, restaurantes, continuavam a
atender ao público, normalmente, embora devagar e em grupos, pois
entravam poucos consumidores nas lojas ao mesmo tempo.
Soldados do
Exército patrulhavam as ruas, nas proximidades da praia, cujo ambiente
era de otimismo, com populares se manifestado:
- Isso não vai dar em nada.
(Era o
lugar-comum e denominador das crises brasileiras: a inclinação do
brasileiro para resolver tudo sem sangue e que a calma devia
prevalecer.) Na Rua Sá Ferreira meninos e meninas iam até a praia
(aproveitando o feriado escolar de fato e de direito) buscar areia para
barricadas. Populares, solidários ao Forte de Copacabana, que àquela
hora já aderira, isolavam, com cordas, tôdas as ruas.
À tardinha.
Dois tiros vinham do Leme. Era o sinal de vitória, que acionou o
gatilho da explosão popular. E tudo se misturou na chuva, alegria e
carnaval, refletidos nos olhos dos soldados que ocupavam o Forte de
Copacabana, patrulhas do Pôsto Seis.
Uma história:
homens, mulheres e crianças, empunhando bandeiras, lenços brancos,
lençóis, comemoravam o que ficou sendo o carnaval da vitória. Das
janelas dos apartamentos em tôda a Zona Sul, eram estendidos lençóis e
colchas, numa homenagem à vitória da revolução.
E duas chuvas
se misturaram no espaço: a que caía de muito alto, de água, e a de
papéis picados.
E uma caravana
de automóveis, buzinando, vespas nas avenidas e ruas de Copacabana, de
Botafogo, do Jardim Botânico, do Leblon e Ipanema.
Era a festa da
vitória.
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O Cruzeiro - 10 de abril de 1964 - Edição
extra
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Os 40 do Forte
Tomada do Forte de
Copacabana foi decisiva para a vitória da revolução
Foto de Elias Nasser
Copacabana, Pôsto 6. A
data é 1º de abril, mas, desta vez, o dia não é de brincadeiras. Assim,
quando um grupo de carros particulares parou defronte à entrada do Forte de
Copacabana e dêles saltaram quarenta oficiais armados, todo mundo viu logo
que era “pra
valer”.
Principalmente o repórter de “O Cruzeiro”, que se encontrava numa janela do 3º
andar do edifício onde funciona a TV Rio. Eram 12 horas e 30 minutos.
Vinte oficiais da Escola
do Estado-Maior do Exército e vinte da Escola Superior de Guerra, chefiados
pelo Coronel César Montanha de Sousa, tomaram pouco depois do meio-dia de
1º de abril, o Forte de Copacabana. A dramática operação foi considerada
decisiva para a vitória das fôrças que se opunham ao Presidente Goulart.
Chegando ao forte num grupo de carros particulares, os oficiais invadiram,
atirando, o QG. Um oficial foi atingido na barriga. Imediatamente, uma
ambulância do Hospital Miguel Couto, que acompanhara os carros, levou o
ferido. Os outros se encaminharam para o portão do Forte, gritando: “Não atirem. São dos
nossos!” O
portão se abriu, houve apertos de mão e continências. Estava configurada a
posição revolucionária do Forte de Copacabana.
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