Uma empresa oferece pacotes personalizados para influenciar as vontades
alheias.
Autêntica manipulação a domicílio.
Podem encomendar-se “serviços”
para levar alguém a deixar de fumar ou a estar disponível para amar.
Uma
espécie de vodu dos tempos modernos
No passado, era a publicidade,
declarada ou mais subliminar, a influenciar a compra de um carro, de um
detergente, a fazer desejar um certo estilo de vida.
No futuro, é possível que
as nossas vontades e opiniões sejam manipuladas durante os sonhos, como se
prevê no thriller de Christopher Nolan, A Origem, de 2010, e, muito antes
disso, no romance Admirável Mundo Novo, escrito em 1931 por Aldous Huxley.
No
presente, somos bombardeados nos computadores, telefones ou tablets com
anúncios/artigos que vêm ao encontro das nossas preferências ou dos nossos
anseios.
Quem nunca visitou a página do turismo de uma cidade e passou a ser
inundado com anúncios de hotéis ou ofertas de viagens para esse mesmo destino?
Tudo isto acontece graças aos cookies –
informação que fica guardada nos dispositivos de cada vez que visitamos um
website, uma espécie de pegada ou rasto digital, e que está na base do
marketing na era da internet.
Agora, uma empresa registada em Londres oferece o
que pode ser visto como um serviço de manipulação a domicílio.
Com a aplicação
The Spinner é possível controlar os artigos que são apresentados a uma
determinada pessoa, de forma a influenciar o seu comportamento.
Os textos vão
aparecendo nos dispositivos eletrónicos utilizados pelo visado, recheados de
uma mensagem específica.
É possível, por exemplo, encomendar uma
campanha a favor de um animal doméstico.
São os adolescentes os principais
clientes deste serviço e o visado, ou os visados, neste caso os pais, receberão
artigos com títulos como “12 razões para a sua família ter um cão”.
Também se
pode tentar convencer alguém a deixar de fumar ou a pensar em mudar de emprego
(imagine que quer ver-se livre de um colega de trabalho...).
O pedido mais
comum, revelou um responsável da empresa ao jornal Financial Times, é o pacote
que predispõe uma mulher a dar o primeiro passo no sexo.
Neste caso, o
computador e o telemóvel da visada são inundados com supostos artigos de
revistas femininas, nos quais se louvam as virtudes de dar o primeiro passo
numa relação amorosa.
De acordo com as informações
disponíveis no site, a aplicação, não disponível em Portugal, funciona de uma
forma bastante simples: o cliente recebe um link de aparência inocente, criado
pela The Spinner, que o envia ao visado.
Assim que este abre o link, o pacote
encomendado (deixar de fumar, por exemplo) fica associado ao telefone e a
partir daí começa o “ataque”.
Durante três meses, a pessoa irá receber dez
artigos diferentes, todos com o mesmo objetivo, em 180 pop-ups, numa técnica que
se socorre do poder de sugestão bem conhecido na psicologia.
Este pacote básico
custa à volta de 25 euros e, de acordo com a própria empresa, é perfeitamente
legal.
“Hoje, no vasto mercado de média online, o anexo de cookies é legal.
Terceiros podem recolher ou receber informação sobre os utilizadores, com vista
a fornecer conteúdo, publicidade ou funcionalidades ou ainda para medir e
analisar o desempenho de um determinado anúncio”, explica-se.
Desde que o serviço foi lançado, em
janeiro deste ano, mais de cinco mil pessoas, de acordo com o Financial Times,
já pagaram para influenciar alguém de quem gostavam, ou não.
“Há linhas que não
cruzamos, se nos sentimos desconfortáveis”, assegurou Elliot Shefler,
responsável pelo marketing da empresa, que dá como exemplo “questões altamente
sexuais” (o detalhe destas propostas fica a cargo de cada um).
“É uma
ferramenta poderosa”, admite o responsável.
UM EMPURRÃOZINHO
É esta capacidade de influenciar,
embora a uma escala mais vasta, visando toda a sociedade, que está na base do
trabalho de Richard Thaler, Nobel da Economia em 2017.
O economista social
criou o conceito de nudge, empurrãozinho, que parte da ideia de que é possível
influenciar o comportamento das pessoas, de forma positiva, através de medidas
simples.
Um exemplo clássico é o sistema de doação de órgãos que vigora em
Portugal e que tem vindo a ser adotado noutros países europeus.
O fato de
todos os portugueses serem, à partida, dadores de órgãos – para não o serem é
necessário deixarem esta vontade expressa – resulta numa boa taxa de doação.
Noutro exemplo mais prático, o Aeroporto de Amesterdã a pôs o desenho de uma
mosca nos urinóis, para levar os utilizadores a fazer pontaria.
Com isto
conseguiu-se uma poupança na ordem dos 80% em detergentes.
Inspirado nesta teoria, Diogo
Gonçalves, psicólogo e especialista em economia comportamental, criou a empresa
Nudge Portugal que, neste momento, trabalha numa campanha com a qual se
pretende aumentar o consumo de fruta e legumes, numa determinada cadeia de hipermercados.
Sem poder revelar muitos pormenores, o empreendedor conta que a estratégia
passará pela alteração dos carrinhos de compras.
A ideia desta startup é de que
a sua utilização seja pró-social.
“Não me imaginaria a participar numa campanha
para aumentar a venda de doces a crianças”, refere o responsável.
Porém, pode não ser sempre assim.
Aliás, o especialista está a organizar uma conferência em Lisboa, envolvendo
decisores políticos e organizações internacionais, na qual se discutirá
precisamente os riscos e as potencialidades das aplicações de nudging.
“É
preciso promover a discussão pública acerca da utilização de aplicações como
The Spinner, que promovem influência direcionada e não declarada.
Hoje em dia,
o espaço digital permite que as empresas saibam mais sobre as pessoas do que
elas próprias. Faz falta avaliar a moralidade dos mercados.
As políticas
públicas têm sido dominadas pelos economistas. Precisamos de ouvir outros
cientistas sociais, como os neurocientistas”, acrescenta. Depois deste debate,
defende Diogo Gonçalves, “deve haver regulação neste setor de atividade”.
Afinal, uma questão deverá estar sempre em cima da mesa: até que ponto queremos
que nos entrem pela vida adentro?
À caça de dados
As análises de big data que põem em causa
a democracia
Acedendo, sem permissão, a dados
pessoais de mais de 50 milhões de pessoas utilizadoras do Facebook, a
consultora britânica Cambridge Analytica enviou publicidade personalizada que
influenciou o voto a favor de Donald Trump.
A estratégia passa essencialmente
pelo fabrico de notícias falsas e terá sido usada também na campanha
pró--Brexit e, suspeita-se, nas eleições indianas.
A fuga de informações
pessoais poderá ter chegado a entidades russas, com interesse em condicionar o
resultado das eleições norte-americanas de 2016.
Depois de uma série de
notícias reveladoras, a empresa acabou por abrir falência, atolada em processos
judiciais. Quanto ao Facebook, fez o mea culpa, pela boca do seu fundador, Mark
Zuckerberg, mas tarde demais.
Desde 2015 que os responsáveis da rede social
sabiam da fuga, mas nada fizeram para a travar.
Aliás, um relatório recente da
Universidade de Oxford, no Reino Unido, identificou iniciativas de “manipulação
do debate público”, para influenciar eleições e políticas em 48 países, nos
últimos oito anos.
Difusão de notícias falsas e contratação de grupos para
escreverem nas caixas de comentários são os esquemas mais usados. E as redes
sociais são o palco privilegiado para estas manobras que atentam contra a
democracia.
Jornalista
Fonte: Visão
Nenhum comentário:
Postar um comentário