Por Deltan Dallagnol·
03/12/2025
O ministro do Supremo Tribunal Federal
Dias Toffoli. (Foto: EFE/Andressa Anholete)
O Brasil vive dias em que a
sensação de déjà-vu moral é inevitável.
A cada nova operação policial, a cada novo escândalo
financeiro, percebemos que a engrenagem que devia proteger o interesse público
está paralisada por interesses privados — e, quando a investigação chega perto
do andar de cima, aí entra o Supremo Tribunal Federal (STF) para, não raro,
jogar o tapete por cima da sujeira.
Foi exatamente isso que
aconteceu agora no caso Daniel Vorcaro, dono do Banco Master.
O processo mal chegou ao STF e já virou uma
caixa-preta absoluta por determinação de Dias Toffoli — sempre ele.
O processo
não vai ficar público, como é a regra geral na Justiça brasileira.
Não vai ficar em “segredo de justiça”, caso em que
outros gabinetes do STF poderiam acessá-lo.
Ficará em “sigilo total”.
E tudo isso num caso de fraudes bancárias
bilionárias envolvendo dinheiro público, que deveria estar sob escrutínio
máximo do país.
A primeira pergunta que
precisa ser feita é: como esse processo subiu tão rápido ao STF? Vorcaro, dono
de um dos bancos mais influentes do país, foi preso pela Polícia Federal (PF)
quando tentava embarcar em um de seus jatinhos particulares para deixar o
Brasil — um indicativo de risco de fuga tão evidente que, em qualquer caso
comum, manteria o investigado preso até o fim.
Mas não no Brasil.
Aqui, a Justiça o soltou, depois de quatro pedidos
sucessivos.
Detalhe: a desembargadora responsável por soltá-lo
já havia sido defendida, no passado, pelo mesmo advogado do banqueiro.
Coincidência? No mínimo incômoda.
Logo em seguida, os
advogados de Vorcaro apresentaram um pedido ao STF para levar o caso
diretamente ao colo da Suprema Corte.
O argumento? A PF teria encontrado a minuta de um
contrato imobiliário com o nome do deputado federal João Carlos Bacelar Filho —
que, aliás, nega ter qualquer relação comercial com Vorcaro.
Na prática, bastou mencionar “foro privilegiado”
para a porta do Supremo se abrir para Vorcaro.
E, quando o caso chegou à Corte, caiu justamente nas
mãos de Dias Toffoli.
É aí que começa o
escândalo. Toffoli transformou o processo inteiro em carvão apagado.
Decretou sigilo absoluto — não apenas sobre o
conteúdo das investigações, mas até sobre o andamento processual, impedindo o
cidadão de saber se o caso está parado, andando, despachado, arquivado ou
dormindo em alguma gaveta.
A decisão é tão extrema que até informações mínimas,
como iniciais das partes e lista de advogados, desapareceram do sistema.
A jornalista Malu Gaspar, de O
Globo, registrou que “não será mais possível obter informações
sobre novas petições ou até mesmo sobre a existência de decisões judiciais”.
Por que isso é absurdo?
Porque a regra em processos judiciais é a publicidade, princípio constitucional
indispensável ao controle social.
Sigilo só se admite em duas hipóteses: risco de
comprometer uma investigação em curso — o que não é o caso, porque a operação
já aconteceu — ou proteção de intimidade — o que tampouco se aplica, pois, até
onde se sabe, não há fotos íntimas, conversas pessoais ou dados pessoais
sensíveis.
Ao decretar sigilo total, Toffoli não está
protegendo a investigação.
Está protegendo alguém.
E quem seria esse alguém? É
aqui que o escândalo se torna ainda mais incômodo.
O Banco Master, de Daniel Vorcaro, não é um banco
qualquer.
Ele esteve presente — como patrocinador — em uma série de eventos de
alto luxo frequentados por ministros do próprio STF: “Forum Jurídico Brasil de
Ideias”, “1º Fórum Esfera Internacional”, “Jantar de Gala da Lide Brazil”.
Todos recheados de autoridades, champanhe e tapetes
vermelhos.
Fotos amplamente divulgadas pela imprensa mostram
ministros do STF perfilados nesses encontros.
É constrangedor ver a proximidade entre julgadores e
patrocinadores de eventos bilionários — e, agora, investigados.
A coincidência não para aí.
A esposa de Dias Toffoli já foi sócia de um advogado que atuou para Vorcaro.
A esposa de Alexandre de Moraes é advogada do Banco
Master, que, segundo reportagem do Valor Econômico, já
chegou a gastar mais de R$ 500 milhões com advogados em um ano.
Não são especulações, são fatos públicos e notórios.
Isso não significa, por si só, culpa.
Mas significa conflito de interesse.
E, em qualquer democracia madura, conflito de
interesse implica impedimento, suspeição e, no mínimo, transparência máxima —
não a escuridão absoluta que Toffoli impôs.
A pergunta inevitável é: o
que Toffoli quer esconder?
O clima em Brasília, desde que o escândalo
envolvendo o Banco Master explodiu, é de que esta poderia ser uma “nova Lava
Jato” do sistema financeiro.
E, assim como aconteceu com a Lava Jato original,
setores do poder lutam para enterrá-lo.
O histórico não ajuda: o STF acabou com a Lava Jato
e sepultou dezenas de investigações de réus poderosos.
Agora, diante de um caso com prejuízo
multibilionário para a sociedade, a Corte corre para repetir o roteiro.
A Constituição estabelece a
publicidade como regra na Administração Pública para que o agente público
preste contas e seja fiscalizado em suas ações.
Nesse sentido, o sigilo das
decisões ilegais de censura de Moraes protege o ministro de críticas, e não o
interesse público.
Além disso, a Constituição determina que crimes
sejam processados por meio de uma ação penal “pública”.
É pública porque a sociedade tem o direito de saber.
De conhecer.
De punir e se proteger de malfeitores.
Quem o sigilo quer proteger?
Quando um processo que
envolve bilhões em recursos públicos desviados, decisões de desembargadoresquestionáveis,
tentativas de fuga internacional e conexões com figuras poderosas é alçado ao
sigilo máximo dentro do STF, o cidadão tem o direito — não, o dever — de
desconfiar.
O que se quer esconder?
A democracia não morre quando um escândalo surge;
ela morre quando esse escândalo é abafado por quem deveria expô-lo,
fiscalizá-lo e puni-lo.
O Brasil merece respostas.
Não um cadeado.
https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/deltan-dallagnol/toffoli-joga-a-sujeira-do-master-debaixo-do-tapete/