Há uma indústria silenciosa na Ilha de Manihi. Ela funciona sem parar, dia e noite, mas não produz nenhum ruído. Seus operários passam longos anos pendurados em cordas no interior de uma lagoa intensamente azul e salgada e são vigiados de perto por feitores que ficam acima da superfície, mas não perdem nada porque aqui a transparência da água funciona como uma lente de aumento.
Frequentemente, para evitar que os silentes operários se asfixiem, mergulhadores submergem para desenredá-los das algas e livrá-los das cracas. Mas mesmo nessas ocasiões, eles não descansam: continuam, solertes, produzindo dez camadas diárias de nácar em torno de um corpo estranho, com toda a energia de suas células ocupadas em isolar e defender-se do intruso. E desse esforço vai nascer um dos mais raros e valiosos tesouros na natureza: a pérola negra.
O Atol de Manihi é apenas um dos 76 que compõem o arquipélago de Tuomatu, na Polinésia Francesa, no meio do Pacífico Sul, a milhares de quilômetros de distância de qualquer continente. Nem é dos maiores do grupo: tem trinta quilômetros de comprimento por seis de largura e uma estreita borda coralínea que forma uma espécie de anel ovalado no meio do mar.
Visto do interior de uma dos aviões que sobrevoam esses confins do planeta ele é, como os outros atóis, uma paisagem esplêndida e aparentemente desabitada, que sugere uma piscina turquesa sitiada pela imensidão azul marinha do oceano. Quando o avião se inclina para pousar na estreita pista riscada na porção de terra emersa, porém, veem-se algumas pequenas cabanas cravadas com pilotis no fundo da lagoa.
E custa a crer que esses precários barracos sejam, de fato, as sedes de uma indústria que gera milhões de dólares por ano em divisas. E que já se tornou a segunda fonte de renda da Polinésia Francesa, atrás apenas do turismo. Ainda mais porque quase não se vê movimento ao redor. Os míseros 700 habitantes do atol vivem, quase todos, num vilarejo entre coqueiros, ao lado do único e estreito canal que liga a lagoa ao mar.
A maioria deles depende exclusivamente da pesca. Alguns trabalham nos dois ou três conglomerados de fare – bangalôs ao estilo polinésio construído para os outros (e privilegiados) turistas que vêm até aqui. E só um punhado deles presta serviços ao milionário negócio que, sem alarido nem movimento, prospera na lagoa.
Os verdadeiros operários dessa indústria atendem pelo nome científico de Pinctada margaritifera, uma espécie diferente de ostra, também chamada de ostra-dos-lábios-negros, que existe em algumas partes do Mar Vermelho, certas áreas da Micronésia e em estreitas faixas da costa que vai do México ao Peru. Só as da Polinésia, porém, geram pérolas negras.
É um mistério porque isso acontece. Análises precisas da composição das águas dessa e de outras lagoas da região (além de Manihi, o fenômeno ocorre em outros atóis de Tuamotu e do vizinho arquipélago de Gambier) não levaram a nenhuma conclusão. A aplicação de sofisticados modelos matemáticos no estudo das células do tecido que produz o nácar também não revelou os segredos da estranha alquimia.
O que se sabe é que, de alguma forma, quando enxertadas por um corpo estranho, as ostras de Manihi costumam secretar a substância que dá a cor à pérola negra. Para aumentar a secreção de nácar das ostras, são importados esferas produzidas por moluscos do Rio Mississipi, nos Estados Unidos. Mas de cada cem ostras, só 35 geram pedras anacaradas.
E apenas três delas adquirem a cor, o brilho e o formato que as torna comercializáveis, por valores que vão de 50 a cinco mil dólares a unidade. “A gente espera três anos pelo trabalho da natureza e frequentemente se decepciona“, explica um funcionário de uma empresa francesa em Manihi cultivando pérolas e aproveitando o interminável tempo de maturação de suas ostras para receber pequenos grupos de visitantes e contar-lhes sobre o processo de produção. “E cada vez que encontramos uma pérola nos surpreendemos e comemoramos como se fosse um feito impossível.”
Para os polinésios, no entanto, o fenômeno nao tem segredos: as pérolas negras são apenas um presente que o deus Oro espalhou no mar para comemorar o dia em que desceu à Terra, deslizando por um arco-íris. As lendas polinésias são sempre assim, ingênuas e bonitas, mas a caça a esse cobiçado tesouro produziu efeitos devastadores nos últimos dois séculos. Persuadidos por pequenas recompensas, quando não por força bruta, os indefesos nativos de então passaram a vida buscando pérolas para os feitores europeus.
Exímios mergulhadores em apnéia, eles desciam até o fundo das lagoas e frequentemente se feriam na hora de apanhar as ostras. Corais pontiagudos, anêmonas urticantes ou tubarões famintos criaram uma triste legião de mutilados na população local. Mas o pior de tudo era a taravana, a terrível demência dos mergulhadores, uma anomalia na oxigenação do cérebro resultante das variações de compressão provocadas por várias dezenas de mergulhos diários.
Os tempos da caça predatória às pérolas negras já vão longe, mas desde então, como que em protesto contra os agressores, a fartura de pérolas acabou. Atualmente calcula-se que é de uma em dez mil a chance de se encontrar uma ostra envolvendo uma pérola natural. Ninguém mais mergulha atrás de uma possibilidade tão remota. Por isso, nas águas de Manihi, não há mais histórias de tragédia humana. Apenas silenciosos trabalhadores produzindo raros e incomparáveis tesouros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário