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◘ O BREVE ROMANCE COM UM "PUMA GTS".

 

Por quase 20 anos, entre as décadas de 1970 e 1990, os brasileiros foram proibidos de importar automóveis (antes disso, a pesada carga tributária já desencorajava fortemente as importações). Se, por um lado, essa restrição causou uma enorme defasagem tecnológica na indústria automobilística brasileira em relação ao que era produzido na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos, por outro, favoreceu o crescimento de um segmento muito específico do setor nascido nos anos 1950: o dos carros esportivos “fora-de-série”. 

Construídos por pequenos fabricantes nacionais geralmente em um “blend” de plástico reforçado e fibra de vidro, sobre a minimalista porém robusta mecânica Volkswagen air cooled, os esportivos brasileiros fizeram muito sucesso no país – e até no exterior.
 
De “esportivo”, a maioria dos exemplares desta safra possuía apenas o design, uma vez que o motorzinho boxer Volkswagen de quatro cilindros e 1.600 centímetros cúbicos arrefecido a ar, que equipava muitos dos modelos, não permitia grandes performances. Mas que eram bonitos, ah, isso eram. 

Das pranchetas de brilhantes estilistas brasileiros como Anísio Campos, Toni Bianco (italiano de nascimento) ou Rino Malzoni brotaram pequenas joias como o GT Malzoni, o Bianco S, o Farus, o MP Lafer – uma réplica muito bem feita do MG inglês, curiosamente com motor atrás, onde o original carregava a bagagem -, o Miura, o Lorena, o Adamo, o Ventura e tantos outros. Mas nenhum desses fora-de-série teve carreira tão longa e bem sucedida como o Puma VW, lançado em 1968 sob o nome de GT 1500.
 
O pequenino esportivo de dois lugares com mecânica Volkswagen e design nitidamente inspirado em clássicos europeus como o Alfa Romeo Spider e o Lamborghini Miura teve muitas versões – inclusive a GTB, com motor Chevrolet de seis cilindros. 

Desenvolvido por Malzoni e Campos, vendeu milhares de unidades no Brasil, foi exportado para mais de 50 países, entre eles os Estados Unidos e a Alemanha, e chegou a ser fabricado sob licença no Canadá e na África do Sul. 

Por cerca de 20 anos, o carrinho com o emblema do mais famoso felino das Américas foi o sonho possível para os brasileiros com algum poder aquisitivo que admiravam as máquinas esportivas italianas, alemãs ou japonesas.
 
O carro fez tanto sucesso que levou uma das maiores montadoras instaladas no país, a Volkswagen, a lançar, em 1972, um esportivo de dois lugares (com carroceria de aço) para quebrar a hegemonia do Puma neste concorrido nicho: o SP2, equipado com motor de 1.700 cc (que teve um precursor de vida curta, o SP1, com 1.600 cc, conhecido pela alcunha nada lisonjeira de “Sem Potência 1”). Dizem que a decisão da VW teria sido uma resposta ao governo militar brasileiro da época, por ter “obrigado” a empresa alemã a fornecer motores para o Puma – que também utilizava o chassi do Karmann Ghia encurtado em 250 mm. 

O belíssimo SP2 não conseguiu, no entanto, derrotar o Puma no seu mercado e saiu de linha em 1975, após vender apenas 10.122 mil unidades. Equipado com dois carburadores, motor “mexido”, e com pouco mais de 600 quilos de peso, o Puma sempre foi bem mais “nervoso” do que o SP2.
 
Por um certo período de minha vida circulei em um Puma GTS 1973 branco com a capota arriada. 

O carrinho era bonito e divertido, mas tinha seus inconvenientes: quando chovia, a charmosa capotinha de lona era menos eficiente do que um guarda-chuvas chinês de camelô. Além disso, o meu Puma tinha problemas elétricos insolúveis e tornava-se perigosamente instável acima dos 80 km/h. 

Vindo de uma outra época, quando nossas ruas ainda não estavam atravancadas por gigantescos SUVs, o pequeno felino parecia ainda mais baixo no trânsito selvagem de hoje. 

Quando eu parava em um um sinal, sentia os ameaçadores para-choques dos caminhonetões roçarem minhas orelhas.

Fotografia: Isadora Guarnier

Mesmo assim, gostei muito do Puma – meu rival nos anos 1970, quando tive um VW SP2. Ainda hoje é um belo carro esporte de linhas atemporais. O principal legado de uma era romântica da indústria automobilística brasileira. Mas nosso “relacionamento” foi breve. Acredito que o momento exato para tomar a decisão de me desfazer do meu Puma aconteceu quando eu, com 1.82 metros de altura e quase 100 quilos, tentava desajeitadamente embarcar nele com a capota fechada. Um senhorinha de uns oitenta anos que passava pela calçada me observou por algum tempo e soltou o comentário supersincero de que nunca me esqueci:
– Moço, o senhor não é meio grande para andar num carrinho tão pequeno?
Ela tinha toda razão. O Puma não era para mim.


Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.

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