sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
PESSOAL, LEIAM AQUI AQUELA HISTÓRIA DO RESTAURANTE
FREQUENTADO POR LULA E DO LEWANDOWSKI.
O RESTAURANTE DE ONDE SAIU CELSO DANIEL ANTES DE MORRER FOI O BABY BEEF.
A república de São Bernardo
O prefeito Luiz Marinho, o ministro
Ricardo Lewandowski, o empresário Laerte Demarchi e o ex-presidente Lula fazem
parte do mesmo círculo de amigos – e voltaram a ser muito próximos
ALBERTO BOMBIG E VINÍCIUS GORCZESKI
PESSOAL, LEIAM AQUI AQUELA HISTÓRIA DO RESTAURANTE
FREQUENTADO POR LULA E DO LEWANDOWSKI.
O RESTAURANTE DE ONDE SAIU CELSO DANIEL ANTES DE MORRER FOI O BABY BEEF.
A república de São Bernardo
O prefeito Luiz Marinho, o ministro
Ricardo Lewandowski, o empresário Laerte Demarchi e o ex-presidente Lula fazem
parte do mesmo círculo de amigos – e voltaram a ser muito próximos
ALBERTO BOMBIG E VINÍCIUS GORCZESKI
Em janeiro do ano passado, o município de São Bernardo do Campo,
na região metropolitana de São Paulo, ganhou um morador ilustre: o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele ocupa a cobertura de um edifício
residencial na Avenida Prestes Maia, no bairro Santa Teresinha, próximo ao
centro da cidade em que se projetou, nos anos 1980, como líder do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC. De lá para cá, a visibilidade do município – e sua
prosperidade – só tem crescido. É de São Bernardo o prefeito Luiz Marinho, escolhido
por Lula para ser o articulador político de seu grupo dentro do PT. No dia 5
deste mês, Marinho recebeu a visita de Dilma Rousseff na inauguração de uma
unidade de saúde – ele foi o único prefeito petista candidato à reeleição que
teve a oportunidade de posar para uma foto com a presidente. Marinho é amigo do
ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que nasceu no Rio de
Janeiro e foi criado em São Bernardo. Lewandowski foi o revisor do processo do
mensalão e participa do julgamento que mobilizará o país a partir do dia 2 de
agosto. Os três – Marinho, Lewandowski e o próprio Lula – são frequentadores do
restaurante São Judas Tadeu e amigos do dono, Laerte Demarchi, um
são-bernardense da gema. Laerte se orgulha de ter assistido, no estabelecimento
famoso pelo frango com polenta, ao nascimento do partido político que há dez
anos governa o Brasil.
Marinho, Lewandowski, Demarchi e Lula pertencem a um mesmo
círculo de amigos – e o relacionamento dos quatro vem se estreitando nos
últimos tempos. O prefeito Marinho é um homem afeito a celebrações públicas.
Nos últimos dois anos, organizou três homenagens a Lewandowski, cuja família
fez história em São Bernardo. Lewandowski esteve presente a todas. A mais
recente foi no dia 28 de março, na Faculdade de Direito de São Bernardo,
controlada pelo município. Lewandowski, com Marinho a seu lado, deu uma aula
magna a um auditório lotado e foi saudado como o mais ilustre ex-aluno e
ex-professor da faculdade. Um mês antes, Marinho inaugurara uma escola de
educação infantil com o nome da mãe do ministro, Karolina Zofia Lewandowska,
morta em 2010. Em 2011, Marinho já homenageara Lewandowski por ele ter sido o
primeiro presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural
(Compahc) do município.
Lewandowski ingressou na vida pública pelas mãos dos Demarchis.
Quando Walter Demarchi, irmão de Laerte, era vice-prefeito de São Bernardo,
entre 1983 e 1988, ele convidou o então advogado a ocupar a Secretaria de
Assuntos Jurídicos. O então prefeito, Aron Galante, mal conhecia Lewandowski.
Ele recorda: "Foi a família Demarchi que indicou o secretário jurídico.
Disseram: 'Nós temos o Lewandowski'. Eu respondi: 'Traz ele aqui'. Nem o
conhecia direito".
As famílias Lewandowski, de origem suíça, e Demarchi, sobrenome
italiano, se conheceram em São Bernardo no final do século passado e se
estabeleceram no mesmo pedaço de terra que hoje abriga o bairro Demarchi. Os
Lewandowskis tinham um sítio onde fica hoje o condomínio de alto padrão Swiss
Park, ao lado do restaurante e onde os Lewandowskis mantêm uma casa. A família
Demarchi se orgulha de ter sugerido o nome de Lewandowski quando surgiu uma
vaga no Supremo. "O único favor que pedimos ao Lula, que foi meu irmão
Laerte quem pediu, foi para que ele colocasse o Ricardo como ministro, porque
não sei que ministro ia se aposentar (era Carlos
Velloso). O Lula falou: 'Tudo bem'", afirmou
Walter Demarchi a ÉPOCA. E Lewandowski se tornou ministro em 2006.
Quis o destino que ele fosse o revisor do processo do mensalão, o maior escândalo político do governo Lula. ÉPOCA passou quase um mês visitando a cidade e conversando com interlocutores do presidente, do prefeito e de seus amigos. Todos reverberam a "preocupação do Lula e do Marinho com o uso político" do julgamento – e relatam a pressão, de forma direta ou indireta, sobre Lewandowski. Laerte Demarchi diz que a família do ministro anda preocupada com a pressão sobre "Ricardo". Ele relatou uma conversa que teve com Anita Lewandowski no dia 30 de junho, quatro dias depois de o ministro ter apresentado seu voto revisor do mensalão após uma reprimenda pública do presidente do Supremo,
Carlos Ayres Brito. Anita desabafou: "Vocês viram o que estão fazendo com
o Ricardo?".
Laerte respondeu: "Mas não é isso o que ele queria, ser
ministro do Supremo? Agora, aguenta. Por que ele está preocupado? Se não tem
nada (para
condenar os réus), então não tem nada. Não vai
ter problema". A conversa foi relatada por Laerte a ÉPOCA numa mesa do
restaurante. Ele torce pela absolvição do ex-deputado José Dirceu, um dos réus
no processo: "Podem falar o que quiserem, mas eu realmente acredito nesse
homem". Sobre o julgamento, Walter Demarchi afirmou: "Lewandowski não
passará um réu no moedor de carne sem ter certeza de sua culpa". ÉPOCA
perguntou aos irmãos Laerte e Walter se haviam conversado com o amigo
Lewandowski sobre o assunto. Os dois disseram que não. Apesar de as famílias se
frequentarem e os Lula da Silva também serem próximos de Lewandowski e de sua
irmã. Lula e Laerte Demarchi também passaram juntos parte das férias de julho
numa chácara.
Prosperidade
O município de São Bernardo, que ostenta em sua bandeira a
figura de um bandeirante e de um indígena, vive um bom momento não apenas pelo
protagonismo de seus filhos e moradores ilustres na vida pública brasileira. Há
também prosperidade na área das verbas públicas. No primeiro semestre deste
ano, São Bernardo ganhou R$ 79,3 milhões em transferências da União, R$ 20
milhões a mais que Guarulhos, cidade também administrada pelo PT, porém com
quase 500 mil habitantes a mais que o município comandado por Marinho.
Lewandowski não passará um réu no moedor
sem ter certeza de sua culpa "
WALTER
DEMARCHI
Além de dinheiro, Marinho tem poder. Ele foi encarregado por
Lula de cuidar das costuras políticas com os diretórios do PT e aliados. Foi
ele quem ajudou a convencer Lula a posar para a já famosa foto ao lado do
deputado federal Paulo Maluf em São Paulo. Marinho também negociou a
aproximação do PT com Gilberto Kassab (PSD), seu parceiro em São Bernardo.
Segundo um dirigente do PSD ouvido por ÉPOCA, Marinho "aproximou"
Kassab a Lewandowski no momento em que o STF analisava o pedido do partido de
Kassab para ter direito ao tempo gratuito de TV nas eleições neste ano – a
causa foi vitoriosa. Transformar Marinho num líder nacional do PT é hoje uma
obsessão de Lula. Foi ele quem pediu a Dilma que ela participasse da
inauguração de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no dia 5 deste mês. O
evento conferiu o prestígio que faltava a Marinho, hoje identificado dentro do
partido como "o homem que conversa com o Lula". À medida que ele,
ex-sindicalista como Lula, se fortalece como administrador e articulador, o
ex-presidente ganha um ator fiel a seu projeto de não perder o controle do PT
para o grupo rival – aquele que começa a se formar em torno de Dilma e tem como
estrelas os ministros mais próximos da presidente, como Gleisi Hoffmann (Casa
Civil) e Aloizio Mercadante (Educação). Marinho também é uma opção de Lula para
a disputa do governo de São Paulo em 2014.
A aliança entre Lula e Marinho causa desconforto em petistas paulistanos, que não aceitam a intromissão de Marinho no comando da candidatura de Fernando Haddad a prefeito de São Paulo. Segundo eles, Lula quer impor um líder assim como impôs Haddad candidato. A confiança de Marinho na própria reeleição é tamanha, e seus projetos tão mais amplos, que ele diz: "Abro mão da presença dele, Lula (na minha campanha), para que ele possa ir a Santo André, Mauá e São Paulo". Se o projeto de Lula e Marinho der certo – e se o voto de Lewandowski acompanhar os vaticínios dos irmãos Demarchi –, a vitória poderá ser creditada à "República de São Bernardo".
Em janeiro do ano passado, o município de São Bernardo do Campo,
na região metropolitana de São Paulo, ganhou um morador ilustre: o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele ocupa a cobertura de um edifício
residencial na Avenida Prestes Maia, no bairro Santa Teresinha, próximo ao
centro da cidade em que se projetou, nos anos 1980, como líder do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC. De lá para cá, a visibilidade do município – e sua
prosperidade – só tem crescido. É de São Bernardo o prefeito Luiz Marinho, escolhido
por Lula para ser o articulador político de seu grupo dentro do PT. No dia 5
deste mês, Marinho recebeu a visita de Dilma Rousseff na inauguração de uma
unidade de saúde – ele foi o único prefeito petista candidato à reeleição que
teve a oportunidade de posar para uma foto com a presidente. Marinho é amigo do
ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que nasceu no Rio de
Janeiro e foi criado em São Bernardo. Lewandowski foi o revisor do processo do
mensalão e participa do julgamento que mobilizará o país a partir do dia 2 de
agosto. Os três – Marinho, Lewandowski e o próprio Lula – são frequentadores do
restaurante São Judas Tadeu e amigos do dono, Laerte Demarchi, um
são-bernardense da gema. Laerte se orgulha de ter assistido, no estabelecimento
famoso pelo frango com polenta, ao nascimento do partido político que há dez
anos governa o Brasil.
Marinho, Lewandowski, Demarchi e Lula pertencem a um mesmo
círculo de amigos – e o relacionamento dos quatro vem se estreitando nos
últimos tempos. O prefeito Marinho é um homem afeito a celebrações públicas.
Nos últimos dois anos, organizou três homenagens a Lewandowski, cuja família
fez história em São Bernardo. Lewandowski esteve presente a todas. A mais
recente foi no dia 28 de março, na Faculdade de Direito de São Bernardo,
controlada pelo município. Lewandowski, com Marinho a seu lado, deu uma aula
magna a um auditório lotado e foi saudado como o mais ilustre ex-aluno e
ex-professor da faculdade. Um mês antes, Marinho inaugurara uma escola de
educação infantil com o nome da mãe do ministro, Karolina Zofia Lewandowska,
morta em 2010. Em 2011, Marinho já homenageara Lewandowski por ele ter sido o
primeiro presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural
(Compahc) do município.
Lewandowski ingressou na vida pública pelas mãos dos Demarchis.
Quando Walter Demarchi, irmão de Laerte, era vice-prefeito de São Bernardo,
entre 1983 e 1988, ele convidou o então advogado a ocupar a Secretaria de
Assuntos Jurídicos. O então prefeito, Aron Galante, mal conhecia Lewandowski.
Ele recorda: "Foi a família Demarchi que indicou o secretário jurídico.
Disseram: 'Nós temos o Lewandowski'. Eu respondi: 'Traz ele aqui'. Nem o
conhecia direito".
As famílias Lewandowski, de origem suíça, e Demarchi, sobrenome
italiano, se conheceram em São Bernardo no final do século passado e se
estabeleceram no mesmo pedaço de terra que hoje abriga o bairro Demarchi. Os
Lewandowskis tinham um sítio onde fica hoje o condomínio de alto padrão Swiss
Park, ao lado do restaurante e onde os Lewandowskis mantêm uma casa. A família
Demarchi se orgulha de ter sugerido o nome de Lewandowski quando surgiu uma
vaga no Supremo. "O único favor que pedimos ao Lula, que foi meu irmão
Laerte quem pediu, foi para que ele colocasse o Ricardo como ministro, porque
não sei que ministro ia se aposentar (era Carlos
Velloso). O Lula falou: 'Tudo bem'", afirmou
Walter Demarchi a ÉPOCA. E Lewandowski se tornou ministro em 2006.
Quis o destino que ele fosse o revisor do processo do mensalão, o maior escândalo político do governo Lula. ÉPOCA passou quase um mês visitando a cidade e conversando com interlocutores do presidente, do prefeito e de seus amigos. Todos reverberam a "preocupação do Lula e do Marinho com o uso político" do julgamento – e relatam a pressão, de forma direta ou indireta, sobre Lewandowski. Laerte Demarchi diz que a família do ministro anda preocupada com a pressão sobre "Ricardo". Ele relatou uma conversa que teve com Anita Lewandowski no dia 30 de junho, quatro dias depois de o ministro ter apresentado seu voto revisor do mensalão após uma reprimenda pública do presidente do Supremo,
Carlos Ayres Brito. Anita desabafou: "Vocês viram o que estão fazendo com
o Ricardo?".
Laerte respondeu: "Mas não é isso o que ele queria, ser
ministro do Supremo? Agora, aguenta. Por que ele está preocupado? Se não tem
nada (para
condenar os réus), então não tem nada. Não vai
ter problema". A conversa foi relatada por Laerte a ÉPOCA numa mesa do
restaurante. Ele torce pela absolvição do ex-deputado José Dirceu, um dos réus
no processo: "Podem falar o que quiserem, mas eu realmente acredito nesse
homem". Sobre o julgamento, Walter Demarchi afirmou: "Lewandowski não
passará um réu no moedor de carne sem ter certeza de sua culpa". ÉPOCA
perguntou aos irmãos Laerte e Walter se haviam conversado com o amigo
Lewandowski sobre o assunto. Os dois disseram que não. Apesar de as famílias se
frequentarem e os Lula da Silva também serem próximos de Lewandowski e de sua
irmã. Lula e Laerte Demarchi também passaram juntos parte das férias de julho
numa chácara.
Prosperidade
O município de São Bernardo, que ostenta em sua bandeira a
figura de um bandeirante e de um indígena, vive um bom momento não apenas pelo
protagonismo de seus filhos e moradores ilustres na vida pública brasileira. Há
também prosperidade na área das verbas públicas. No primeiro semestre deste
ano, São Bernardo ganhou R$ 79,3 milhões em transferências da União, R$ 20
milhões a mais que Guarulhos, cidade também administrada pelo PT, porém com
quase 500 mil habitantes a mais que o município comandado por Marinho.
Lewandowski não passará um réu no moedor
sem ter certeza de sua culpa "
WALTER
DEMARCHI
Além de dinheiro, Marinho tem poder. Ele foi encarregado por
Lula de cuidar das costuras políticas com os diretórios do PT e aliados. Foi
ele quem ajudou a convencer Lula a posar para a já famosa foto ao lado do
deputado federal Paulo Maluf em São Paulo. Marinho também negociou a
aproximação do PT com Gilberto Kassab (PSD), seu parceiro em São Bernardo.
Segundo um dirigente do PSD ouvido por ÉPOCA, Marinho "aproximou"
Kassab a Lewandowski no momento em que o STF analisava o pedido do partido de
Kassab para ter direito ao tempo gratuito de TV nas eleições neste ano – a
causa foi vitoriosa. Transformar Marinho num líder nacional do PT é hoje uma
obsessão de Lula. Foi ele quem pediu a Dilma que ela participasse da
inauguração de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no dia 5 deste mês. O
evento conferiu o prestígio que faltava a Marinho, hoje identificado dentro do
partido como "o homem que conversa com o Lula". À medida que ele,
ex-sindicalista como Lula, se fortalece como administrador e articulador, o
ex-presidente ganha um ator fiel a seu projeto de não perder o controle do PT
para o grupo rival – aquele que começa a se formar em torno de Dilma e tem como
estrelas os ministros mais próximos da presidente, como Gleisi Hoffmann (Casa
Civil) e Aloizio Mercadante (Educação). Marinho também é uma opção de Lula para
a disputa do governo de São Paulo em 2014.
A aliança entre Lula e Marinho causa desconforto em petistas paulistanos, que não aceitam a intromissão de Marinho no comando da candidatura de Fernando Haddad a prefeito de São Paulo. Segundo eles, Lula quer impor um líder assim como impôs Haddad candidato. A confiança de Marinho na própria reeleição é tamanha, e seus projetos tão mais amplos, que ele diz: "Abro mão da presença dele, Lula (na minha campanha), para que ele possa ir a Santo André, Mauá e São Paulo". Se o projeto de Lula e Marinho der certo – e se o voto de Lewandowski acompanhar os vaticínios dos irmãos Demarchi –, a vitória poderá ser creditada à "República de São Bernardo".
Capítulo 8
O assassinato do prefeito Celso Daniel,
coordenador da eleição de Lula em 2002
Em março de 2003, logo após assumir a Presidência da
República, Lula recebeu em sua casa, em São Bernardo do Campo (SP), Mara
Gabrilli. Durante 20 minutos, o presidente ouviu um relato que misturava
chantagem e extorsão contra os donos da empresa de ônibus Expresso Guarará,
pertencente à família de Mara Gabrilli. Para prestar serviços em Santo André
(SP), cidade vizinha de São Bernardo do Campo, os proprietários da Expresso
Guarará eram obrigados a pagar propina à Prefeitura do PT. Palavras de Mara
Gabrilli:
.
- Contei como era o esquema, quem cobrava a propina,
e como a Prefeitura tirou a licença para a empresa da minha família operar
algumas linhas, em represália ao fato de meu pai não ter dado propina a partir
de certo momento.
.
Mara Gabrilli não deixou dúvidas. Indicou para Lula
os responsáveis pelo esquema de corrupção: o secretário de Serviços Municipais,
Klinger Luiz de Oliveira (PT), o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-segurança
do prefeito Celso Daniel (PT), Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra".
.
- Eu falei ao presidente sobre o pagamento da
caixinha que meu pai era obrigado a fazer a cada dia 30. E falei da retaliação
imposta à empresa desde que eu e minha irmã, Rosângela, denunciamos o fato ao
Ministério Público.
.
Ao denunciar a corrupção em Santo André à CPI dos
Bingos, em 2005, Rosângela Gabrilli afirmou que os donos de empresas de ônibus
na cidade eram pressionados a contribuir para o caixa 2 do PT desde 1997,
durante a segunda gestão do prefeito Celso Daniel. Cabia ao Expresso Guarará o
repasse de R$ 40 mil mensais, em dinheiro vivo. Do depoimento de Rosângela:
.
- Os achaques eram feitos com intimidação e ameaça.
Diziam que o Klinger tinha sempre um revólver preso na canela. Isso constrangia
muito. E ele lembrava a cada momento: "Com o poder não se brinca, o poder
tudo pode".
.
Antes de sair do apartamento de Lula, Mara Gabrilli
ouviu o presidente dizer que tomaria providências e lhe daria uma resposta. Não
foi o que aconteceu:
- Ocorreu justamente o contrário. Klinger soube,
reclamou, e dias depois uma comissão de sindicância da Prefeitura se instalou
na nossa empresa.
.
Celso Daniel foi sequestrado em 18 de janeiro de
2002, no início do ano que terminaria com a eleição do presidente da República.
Celso Daniel era coordenador de campanha de Lula. O corpo do então prefeito foi
achado dois dias depois. Os assassinos o torturaram antes de matá-lo,
provavelmente para obter os números das senhas das contas secretas em paraísos
fiscais no exterior onde, possivelmente, ele guardava dinheiro para a campanha
do PT.
.
O médico João Francisco Daniel, irmão do prefeito
morto, contou sobre a conversa que teve com Gilberto Carvalho (PT-SP),
secretário de Governo de Celso Daniel, após a missa de sétimo dia, em 26 de
janeiro de 2002. Importante ressaltar que, um ano depois, ao assumir o cargo de
mais alto mandatário da nação, Lula nomeou Carvalho para o posto estratégico de
chefe de gabinete do presidente. Lula levou-o de Santo André para Brasília.
.
Depois da missa de sétimo dia, Gilberto Carvalho
esteve na casa de João Francisco Daniel e, emocionado, fez uma confissão que
pediu para ser mantida em sigilo. Admitiu que, durante a administração Celso
Daniel, entregou dinheiro repassado por empresas que mantinham contratos com a
Prefeitura, diretamente para o presidente nacional do PT, deputado José Dirceu
(SP). Declaração do médico João Francisco Daniel:
.
- Achei estranho Carvalho me contar isso, mas ele
contou. Contou três vezes. Falou que, com muito medo, pegava seu Corsa preto e
ia até São Paulo entregar o dinheiro para o então deputado José Dirceu.
.
Cerca de dez dias depois, Gilberto Carvalho voltou ao
assunto com João Francisco Daniel, quando se queixou de Sérgio Gomes da Silva,
o "Sombra", o ex-segurança de Celso Daniel acusado de ser o mandante
da morte:
.
- O Gilberto disse que o Sérgio era muito violento,
que constrangia os empresários colocando revólver na mesa quando ia conversar
com eles.
.
Na terceira conversa, Gilberto Carvalho admitiu ter
levado, de uma só vez, R$ 1,2 milhão a José Dirceu. Para João Francisco Daniel,
Celso Daniel autorizara o esquema de corrupção, mas com a finalidade de dar
dinheiro ao PT. E resolvera rompê-lo ao descobrir que parte substancial da
propina acabava nas mãos de Sombra, Klinger Luiz de Oliveira e Ronan Maria
Pinto.
.
- Quando ele ficou sabendo que esse grupo estava
enriquecendo de maneira estratosférica, ele realmente tentou brecar aquele tipo
de coisa.
.
Uma das funções de Celso Daniel, como coordenador da
campanha de Lula, era arrecadar fundos para as despesas com a eleição. O
"grupo" de Santo André, porém, teria decidido pôr as mãos no
dinheiro. Por isso o prefeito teria sido torturado. Queriam informações sobre o
paradeiro do caixa 2. Em seguida o eliminaram. João Francisco Daniel expôs o
irmão ao Ministério Público:
.
- Não tive saída. Infelizmente, ele montou um caixa 2
em Santo André, para as campanhas do PT.
.
De fato, duas testemunhas revelaram ao Ministério
Público as evidências de que Celso Daniel participava do esquema. Uma empregada
doméstica que trabalhou para o então prefeito viu, oito meses antes do
assassinato, três sacolas plásticas de supermercado, num canto da lavanderia do
apartamento. As sacolas estavam abarrotadas de maços de dinheiro, preso por
elásticos, em notas de R$ 10, R$ 50 e R$ 100, tudo sob um lençol branco.
.
O outro depoimento é de um garçom do restaurante Baby
Beef, de Santo André, frequentado por Celso Daniel, Sombra, Klinger Luiz de
Oliveira e Ronan Maria Pinto. Os quatro tinham o costume de sentar em volta da
mesma mesa. O garçom viu Ronan, empresário do setor de transportes e de coleta
de lixo, tirar da bolsa um maço de dinheiro e entregá-lo a Klinger. Vereador e
secretário de Celso Daniel, Klinger Luiz de Oliveira tratou de esconder a soma
sob o guardanapo, para que ninguém visse o que era. Em outra ocasião, o mesmo
garçom reparou uma mulher chegar ao restaurante para entregar uma sacola cheia
de dinheiro a Ronan Maria Pinto.
.
Declaração do promotor Roberto Wider Filho:
.
- Esses depoimentos mostram que Celso Daniel tinha
envolvimento com o esquema de corrupção. A presença de notas de R$ 10 é um
indicativo de que os recursos podem ter origem no esquema de caixinha de
ônibus.
.
Para o Ministério Público, o esquema começou a
implodir quando Celso Daniel descobriu que a propina não vinha irrigando os
cofres do PT, como o prefeito desejava, mas morria nas mãos de Sombra, Klinger
e Ronan.
.
Do promotor Roberto Wider Filho:
.
- Ele foi eliminado porque se opôs ao esquema ao
verificar que o dinheiro estava sendo direcionado para os integrantes da
quadrilha, e não mais para as campanhas eleitorais de seu partido.
.
Outro irmão do prefeito morto, Bruno Daniel, depôs à
CPI dos Bingos:
.
- Há evidências de que existia na Prefeitura de Santo
André um esquema de arrecadação para o PT. Suponho que Celso enveredou naquilo
como um mal necessário para viabilizar as atividades do partido, e
lamentavelmente deu no que deu. O que possivelmente aconteceu é que parcelas
desses recursos começaram a ser destinadas para outras finalidades, razão pela
qual Celso resolveu alterar a situação e esta pode ter sido a motivação do
crime.
.
Bruno Daniel criticou o ex-deputado Luiz Eduardo
Greenhalgh (PT-SP), designado pelo PT, com aval de Lula, para acompanhar o
caso. Luiz Eduardo Greenhalgh defendia a tese de que o assassinato havia sido
crime comum, sem vinculação com a política. O irmão Bruno Daniel não
concordava:
.
- O povo de nossa cidade não aceita as explicações
dadas até o momento, porque são superficiais e contraditórias para um crime que
desde o início se revelou complexo. Falamos com outros membros do PT esperando
trazer elementos para elucidar o caso. E o que posso afirmar é que poucas
pessoas dentro do partido contribuíram para isso.
.
Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, ocupou papel central
no caso Celso Daniel. Era pessoa de inteira confiança do prefeito. Exerceu a
função de motorista e segurança particular de Celso Daniel. Ocupou cargo em
comissão no gabinete do prefeito. Quando Celso Daniel foi deputado, nomeou
Sombra como seu assessor parlamentar. Sombra era muito próximo.
.
O ex-motorista enriqueceu. Na noite do sequestro,
Celso Daniel jantara com Sombra no sofisticado restaurante Rubayat, na zona sul
de São Paulo. Os dois foram para lá no luxuoso automóvel Pajero de propriedade
de Sombra. O carro foi abordado de forma suspeita na volta a Santo André, tarde
da noite.
.
Apesar da experiência como segurança particular e de
estar no comando de um veículo blindado, Sombra alegou problemas mecânicos que
o levaram a diminuir a velocidade e a parar. Não ficou claro tampouco por que a
trava da porta ao lado de Celso Daniel abriu, expondo o prefeito aos
criminosos.
.
Os promotores suspeitam de que Sombra conhecia um dos
acusados de atacar o prefeito. Falou-se até de um suposto pagamento de US$ 40
mil. Teria sido feito ali mesmo, na cena do crime, aos homens supostamente
contratados para fazer o sequestro.
.
Um morador testemunha da ação dos criminosos, que
agiram na região dos "três tombos", na zona sul de São Paulo, relatou
que arrancaram Celso Daniel "como um animal" da Pajero. Enquanto
isso, Sombra teria mantido atitude passiva e demonstrado "aparente
cumplicidade".
.
Uma mulher passava pelo local na hora do sequestro.
Celso Daniel ainda estava dentro do veículo, com a cabeça encostada no vidro.
Ela viu Sombra fora da Pajero, com ar de tranquilidade, falando ao telefone.
.
Se já não houvesse a intenção de matar o prefeito, é
possível que Celso Daniel tenha percebido, durante a ação dos criminosos, o
envolvimento do "amigo" com os sequestradores. A solução seria
eliminá-lo.
.
Antes de ser morto o prefeito foi barbaramente
torturado. Num crime comum de sequestro, a vítima geralmente é poupada. A sua
boa integridade física é condição para o pagamento do resgate. Celso Daniel foi
torturado para que fornecesse informações aos criminosos. Declaração do perito
criminal Carlos Delmonte Printes, que examinou o corpo de Celso Daniel:
.
- É absolutamente excepcional a ocorrência de morte
em casos de sequestro-relâmpago. Com relação ao sequestro convencional, nunca
examinei um caso em que houvesse ritual de tortura, crueldade e
desproporcionalidade que verifiquei no exame do corpo do prefeito.
.
Como evidências da tortura, o perito criminal apontou
a expressão de terror na face, queimaduras nas costas e lesões no corpo,
provocadas por estilhaços de balas disparadas perto da vítima, com a finalidade
de amedrontá-la. Para matá-lo, alvejaram-no oito vezes, diretamente no rosto,
tórax, pernas e mãos.
.
O médico legista Paulo Vasques também viu o corpo de
Celso Daniel. Confirmou a prática de tortura antes do assassinato. Referiu-se a
marcas de coronhadas na cabeça e à rigidez muscular decorrente da tensão
nervosa. Informou que o prefeito vestia outra calça quando o corpo foi
encontrado, pois o traje não apresentava as marcas de tiro existentes no corpo
dele.
.
Sérgio Sombra chegou a ficar oito meses na prisão,
acusado de ser o mandante do crime. O STF (Supremo Tribunal Federal), por
decisão do ministro Nelson Jobim, determinou a sua libertação. O mesmo Nelson
Jobim impediu investigações sobre o envolvimento de José Dirceu com a corrupção
em Santo André. Em seu segundo mandato como presidente da República, Lula
nomeou Nelson Jobim (PMDB-RS) ministro da Defesa.
.
Na hora de dar explicações à CPI dos Bingos, Sérgio
Sombra irritou os senadores. Insistia não saber por que a porta do carro
blindado se abriu:
.
- A porta abriu de repente, do lado do Celso, não sei
como.
.
Ao ser questionado sobre quatro depósitos bancários
descobertos em sua conta, num total de R$ 40 mil, todos feitos por Luiz Alberto
Gabrilli, proprietário da Expresso Guarará, Sombra saiu-se assim:
.
- Acho que ele se enganou, pode ter feito pagamento
cruzado, por engano.
.
De acordo com o Ministério Público, empresários que
mantinham contratos com a administração de Santo André eram forçados a entregar
dinheiro vivo ao esquema, todos os meses. Durante uma época, por algum
desarranjo na organização criminosa, a propina foi depositada diretamente na
conta bancária de Sérgio Sombra. Ficou o rastro. Ainda na CPI, Sombra tentou
explicar uma transferência bancária de Luiz Alberto Gabrilli, feita em 1997:
.
- Tinha vários depósitos para receber por serviços de
segurança que prestei. Esse dinheiro, só fiquei sabendo agora que havia sido
depositado por ele na minha conta. Não sei como foi parar na minha conta.
.
A Polícia Civil de São Paulo não responsabilizou
nenhum dos atores políticos suspeitos de envolvimento no assassinato de Celso
Daniel. O caso intrigou também pelas mortes violentas de seis pessoas que
testemunharam ou estiveram, por algum momento, nas cenas do crime.
.
Entre os mortos, o garçom Antonio Palácio de
Oliveira, que serviu Celso Daniel e Sérgio Sombra no restaurante Rubayat, pouco
antes do sequestro. Ele chegou a receber um depósito bancário misterioso, no
valor de R$ 60 mil, antes de morrer. Mas dois homens o perseguiram em sua
motocicleta. Durante a fuga perdeu o controle, bateu num poste e perdeu a vida.
.
O homem que presenciou a morte do garçom e contou à
polícia o que viu, também foi morto. Paulo Henrique Brito levou um tiro nas
costas.
.
Investigações chegaram a apontar ligações de amizade
entre Sombra e Dionísio de Aquino Severo, que teria namorado a ex-mulher de
Sombra. Dionísio Severo, acusado de envolvimento no sequestro, foi resgatado de
helicóptero de um presídio, de forma espetacular, dois dias antes do sequestro.
Depois do crime, recapturado, o mataram numa cadeia em Guarulhos (SP).
.
Intrigante também a morte do investigador de polícia
Otávio Mercier, que conversou com Dionísio Severo um dia antes da fuga do
presídio. Foi alvejado por homens que tentavam entrar em sua casa.
.
Manoel Sérgio Estevam, o "Sérgio Orelha",
abrigou Dionísio Severo em seu apartamento, logo após a morte do prefeito. Foi
assassinado com vários tiros.
Por fim, morreu o homem que chamou a polícia ao achar
o corpo de Celso Daniel, jogado em uma estrada de terra em Juquitiba (SP).
Assassinaram Iran Moraes Redua com dois tiros.
.
Quatro anos depois da morte de Celso Daniel, a
família do economista Bruno Daniel, irmão do prefeito assassinado, foi obrigada
a deixar o País. Partiu às escondidas para Paris, onde o governo da França a
recebeu como perseguida política no Brasil. Bruno Daniel, a mulher e os três
filhos do casal, moradores de Santo André, não suportaram as ameaças de morte
que se seguiram ao depoimento de Bruno, no qual ele acusou José Dirceu e
Gilberto Carvalho de envolvimento no esquema montado por Celso Daniel.
.
Em abril de 2006, o Ministério Público abriu
inquérito para investigar o ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, acusado de
se beneficiar do dinheiro desviado em Santo André. Gilberto Carvalho também foi
objeto de investigação. Apesar disso, Lula o manteve na posição estratégica de
chefe de gabinete do presidente da República.
.
José Dirceu e Gilberto Carvalho foram citados por
crimes de formação de quadrilha, receptação e lavagem de dinheiro. O Ministério
Público também anunciou investigação sobre a origem de R$ 500 mil supostamente
repassados pelo PT ao advogado Aristides Junqueira, que foi contratado para
defender o PT no caso Celso Daniel.
.
O Ministério Público acabou denunciando Sérgio Gomes
da Silva, o Sombra, Klinger Luiz de Oliveira, Ronan Maria Pinto e Maurício
Mindrisz, que ocupou o cargo de superintendente da Semasa (Serviço Municipal de
Saneamento Ambiental) em Santo André. Todos foram acusados por crimes de
formação de quadrilha, fraude e dispensa ilegal de licitação.
.
Conforme a denúncia, os quatro, em parceria, atuavam
com o prefeito Celso Daniel para desviar recursos públicos. Formavam
"quadrilha organizada estável", com o objetivo de "cumprir como
meta estabelecida um mega-esquema de corrupção".
.
Para os promotores, Sombra, mesmo sem ocupar cargo na
Prefeitura, exercia grande influência na administração municipal. O esquema
favorecia Ronan Maria Pinto, dono de empresas de transporte e de coleta de
lixo, que mantinham contratos com o governo municipal.
.
Uma dessas empresas, a Rotedali, foi contratada 12
vezes para executar serviços de limpeza, varrição e manutenção de aterro
sanitário, em transações que envolveram cerca de R$ 50 milhões. Parte do
dinheiro teria alimentado o caixa 2 do PT. Dos 12 contratos, dez foram
celebrados sem licitação. A Justiça e o Tribunal de Contas do Estado
contestaram cinco deles. Sombra foi sócio de Ronan em negócios com empresas de
ônibus em Fortaleza e Cuiabá.
.
Trecho da denúncia dos promotores Roberto Wider
Filho, Amaro José Thomé Filho e Adriana Ribeiro Soares de Morais:
.
"Sérgio, aproveitando-se de seu prestígio junto
à administração, idealizou com Daniel a formação da sociedade delinquente e era
um dos destinatários dos recursos ilícitos. Foi tesoureiro da campanha
eleitoral de 1996. Arrecadou diretamente parte do dinheiro, que foi depositado
na sua conta corrente."
.
No início do segundo mandato de Lula, em 2007, o
Ministério Público pediu o bloqueio de bens do PT e de Gilberto Carvalho, no
montante de R$ 5,3 milhões. O valor correspondia à estimativa de dinheiro
desviado pelo esquema de corrupção na área de transporte público em Santo
André. A ação civil pública também denunciou Sérgio Gomes da Silva, Klinger
Luiz de Oliveira, Ronan Maria Pinto e vários empresários. Da denúncia:
.
"Formaram uma quadrilha determinada a arrecadar
recursos através de achaques a empresários, bem como através de desvio de
dinheiro dos cofres públicos municipais, conforme outras denúncias já
ajuizadas, relativas a contratos de obras públicas e de coleta e destinação
final de lixo, ambas recebidas judicialmente". Outro trecho da denúncia:
..
"Todos os recursos auferidos pela quadrilha, na
concepção do finado prefeito Celso Daniel, deveriam financiar campanhas
eleitorais do PT, tanto em âmbito municipal e regional quanto em âmbito
nacional. O dinheiro amealhado era, em parte, separado e entregue a Gilberto
Carvalho, que o transportava, em seu veículo particular, ao escritório de José
Dirceu, que recebia os recursos ilícitos em espécie, na qualidade de presidente
do PT, para o financiamento de campanhas do interesse daquela agremiação."
.
Em 9 de fevereiro de 2006, prestou depoimento ao
Ministério Público o ex-secretário de Habitação de Mauá (SP), Altivo Ovando
Júnior. Mauá, na Grande São Paulo, é vizinha de Santo André. A cidade foi
governada pelo prefeito Oswaldo Dias (PT) de 1997 a 2000, período em que Altivo
Ovando Júnior exerceu o cargo de secretário. Ele narrou fatos ocorridos durante
a campanha de Lula a presidente da República, em 1998. Do depoimento:
.
"O declarante se recorda de que, no pleito de
1998, Lula compareceu no gabinete do prefeito de Mauá, oportunidade em que,
utilizando termos chulos, cobrou de Oswaldo Dias maior arrecadação de propina
em favor do PT."
.
A frase de Altino Ovando Júnior sobre o pedido de
Lula:
.
"Ele dizia: 'Pô, Oswaldão, tem que arrecadar
mais. Faz que nem o Celso Daniel em Santo André. Você quer que a gente ganhe a
eleição como?"
Em março de 2003, logo após assumir a Presidência da
República, Lula recebeu em sua casa, em São Bernardo do Campo (SP), Mara
Gabrilli. Durante 20 minutos, o presidente ouviu um relato que misturava
chantagem e extorsão contra os donos da empresa de ônibus Expresso Guarará,
pertencente à família de Mara Gabrilli. Para prestar serviços em Santo André
(SP), cidade vizinha de São Bernardo do Campo, os proprietários da Expresso
Guarará eram obrigados a pagar propina à Prefeitura do PT. Palavras de Mara
Gabrilli:
.
- Contei como era o esquema, quem cobrava a propina,
e como a Prefeitura tirou a licença para a empresa da minha família operar
algumas linhas, em represália ao fato de meu pai não ter dado propina a partir
de certo momento.
.
Mara Gabrilli não deixou dúvidas. Indicou para Lula
os responsáveis pelo esquema de corrupção: o secretário de Serviços Municipais,
Klinger Luiz de Oliveira (PT), o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-segurança
do prefeito Celso Daniel (PT), Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra".
.
- Eu falei ao presidente sobre o pagamento da
caixinha que meu pai era obrigado a fazer a cada dia 30. E falei da retaliação
imposta à empresa desde que eu e minha irmã, Rosângela, denunciamos o fato ao
Ministério Público.
.
Ao denunciar a corrupção em Santo André à CPI dos
Bingos, em 2005, Rosângela Gabrilli afirmou que os donos de empresas de ônibus
na cidade eram pressionados a contribuir para o caixa 2 do PT desde 1997,
durante a segunda gestão do prefeito Celso Daniel. Cabia ao Expresso Guarará o
repasse de R$ 40 mil mensais, em dinheiro vivo. Do depoimento de Rosângela:
.
- Os achaques eram feitos com intimidação e ameaça.
Diziam que o Klinger tinha sempre um revólver preso na canela. Isso constrangia
muito. E ele lembrava a cada momento: "Com o poder não se brinca, o poder
tudo pode".
.
Antes de sair do apartamento de Lula, Mara Gabrilli
ouviu o presidente dizer que tomaria providências e lhe daria uma resposta. Não
foi o que aconteceu:
- Ocorreu justamente o contrário. Klinger soube,
reclamou, e dias depois uma comissão de sindicância da Prefeitura se instalou
na nossa empresa.
.
Celso Daniel foi sequestrado em 18 de janeiro de
2002, no início do ano que terminaria com a eleição do presidente da República.
Celso Daniel era coordenador de campanha de Lula. O corpo do então prefeito foi
achado dois dias depois. Os assassinos o torturaram antes de matá-lo,
provavelmente para obter os números das senhas das contas secretas em paraísos
fiscais no exterior onde, possivelmente, ele guardava dinheiro para a campanha
do PT.
.
O médico João Francisco Daniel, irmão do prefeito
morto, contou sobre a conversa que teve com Gilberto Carvalho (PT-SP),
secretário de Governo de Celso Daniel, após a missa de sétimo dia, em 26 de
janeiro de 2002. Importante ressaltar que, um ano depois, ao assumir o cargo de
mais alto mandatário da nação, Lula nomeou Carvalho para o posto estratégico de
chefe de gabinete do presidente. Lula levou-o de Santo André para Brasília.
.
Depois da missa de sétimo dia, Gilberto Carvalho
esteve na casa de João Francisco Daniel e, emocionado, fez uma confissão que
pediu para ser mantida em sigilo. Admitiu que, durante a administração Celso
Daniel, entregou dinheiro repassado por empresas que mantinham contratos com a
Prefeitura, diretamente para o presidente nacional do PT, deputado José Dirceu
(SP). Declaração do médico João Francisco Daniel:
.
- Achei estranho Carvalho me contar isso, mas ele
contou. Contou três vezes. Falou que, com muito medo, pegava seu Corsa preto e
ia até São Paulo entregar o dinheiro para o então deputado José Dirceu.
.
Cerca de dez dias depois, Gilberto Carvalho voltou ao
assunto com João Francisco Daniel, quando se queixou de Sérgio Gomes da Silva,
o "Sombra", o ex-segurança de Celso Daniel acusado de ser o mandante
da morte:
.
- O Gilberto disse que o Sérgio era muito violento,
que constrangia os empresários colocando revólver na mesa quando ia conversar
com eles.
.
Na terceira conversa, Gilberto Carvalho admitiu ter
levado, de uma só vez, R$ 1,2 milhão a José Dirceu. Para João Francisco Daniel,
Celso Daniel autorizara o esquema de corrupção, mas com a finalidade de dar
dinheiro ao PT. E resolvera rompê-lo ao descobrir que parte substancial da
propina acabava nas mãos de Sombra, Klinger Luiz de Oliveira e Ronan Maria
Pinto.
.
- Quando ele ficou sabendo que esse grupo estava
enriquecendo de maneira estratosférica, ele realmente tentou brecar aquele tipo
de coisa.
.
Uma das funções de Celso Daniel, como coordenador da
campanha de Lula, era arrecadar fundos para as despesas com a eleição. O
"grupo" de Santo André, porém, teria decidido pôr as mãos no
dinheiro. Por isso o prefeito teria sido torturado. Queriam informações sobre o
paradeiro do caixa 2. Em seguida o eliminaram. João Francisco Daniel expôs o
irmão ao Ministério Público:
.
- Não tive saída. Infelizmente, ele montou um caixa 2
em Santo André, para as campanhas do PT.
.
De fato, duas testemunhas revelaram ao Ministério
Público as evidências de que Celso Daniel participava do esquema. Uma empregada
doméstica que trabalhou para o então prefeito viu, oito meses antes do
assassinato, três sacolas plásticas de supermercado, num canto da lavanderia do
apartamento. As sacolas estavam abarrotadas de maços de dinheiro, preso por
elásticos, em notas de R$ 10, R$ 50 e R$ 100, tudo sob um lençol branco.
.
O outro depoimento é de um garçom do restaurante Baby
Beef, de Santo André, frequentado por Celso Daniel, Sombra, Klinger Luiz de
Oliveira e Ronan Maria Pinto. Os quatro tinham o costume de sentar em volta da
mesma mesa. O garçom viu Ronan, empresário do setor de transportes e de coleta
de lixo, tirar da bolsa um maço de dinheiro e entregá-lo a Klinger. Vereador e
secretário de Celso Daniel, Klinger Luiz de Oliveira tratou de esconder a soma
sob o guardanapo, para que ninguém visse o que era. Em outra ocasião, o mesmo
garçom reparou uma mulher chegar ao restaurante para entregar uma sacola cheia
de dinheiro a Ronan Maria Pinto.
.
Declaração do promotor Roberto Wider Filho:
.
- Esses depoimentos mostram que Celso Daniel tinha
envolvimento com o esquema de corrupção. A presença de notas de R$ 10 é um
indicativo de que os recursos podem ter origem no esquema de caixinha de
ônibus.
.
Para o Ministério Público, o esquema começou a
implodir quando Celso Daniel descobriu que a propina não vinha irrigando os
cofres do PT, como o prefeito desejava, mas morria nas mãos de Sombra, Klinger
e Ronan.
.
Do promotor Roberto Wider Filho:
.
- Ele foi eliminado porque se opôs ao esquema ao
verificar que o dinheiro estava sendo direcionado para os integrantes da
quadrilha, e não mais para as campanhas eleitorais de seu partido.
.
Outro irmão do prefeito morto, Bruno Daniel, depôs à
CPI dos Bingos:
.
- Há evidências de que existia na Prefeitura de Santo
André um esquema de arrecadação para o PT. Suponho que Celso enveredou naquilo
como um mal necessário para viabilizar as atividades do partido, e
lamentavelmente deu no que deu. O que possivelmente aconteceu é que parcelas
desses recursos começaram a ser destinadas para outras finalidades, razão pela
qual Celso resolveu alterar a situação e esta pode ter sido a motivação do
crime.
.
Bruno Daniel criticou o ex-deputado Luiz Eduardo
Greenhalgh (PT-SP), designado pelo PT, com aval de Lula, para acompanhar o
caso. Luiz Eduardo Greenhalgh defendia a tese de que o assassinato havia sido
crime comum, sem vinculação com a política. O irmão Bruno Daniel não
concordava:
.
- O povo de nossa cidade não aceita as explicações
dadas até o momento, porque são superficiais e contraditórias para um crime que
desde o início se revelou complexo. Falamos com outros membros do PT esperando
trazer elementos para elucidar o caso. E o que posso afirmar é que poucas
pessoas dentro do partido contribuíram para isso.
.
Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, ocupou papel central
no caso Celso Daniel. Era pessoa de inteira confiança do prefeito. Exerceu a
função de motorista e segurança particular de Celso Daniel. Ocupou cargo em
comissão no gabinete do prefeito. Quando Celso Daniel foi deputado, nomeou
Sombra como seu assessor parlamentar. Sombra era muito próximo.
.
O ex-motorista enriqueceu. Na noite do sequestro,
Celso Daniel jantara com Sombra no sofisticado restaurante Rubayat, na zona sul
de São Paulo. Os dois foram para lá no luxuoso automóvel Pajero de propriedade
de Sombra. O carro foi abordado de forma suspeita na volta a Santo André, tarde
da noite.
.
Apesar da experiência como segurança particular e de
estar no comando de um veículo blindado, Sombra alegou problemas mecânicos que
o levaram a diminuir a velocidade e a parar. Não ficou claro tampouco por que a
trava da porta ao lado de Celso Daniel abriu, expondo o prefeito aos
criminosos.
.
Os promotores suspeitam de que Sombra conhecia um dos
acusados de atacar o prefeito. Falou-se até de um suposto pagamento de US$ 40
mil. Teria sido feito ali mesmo, na cena do crime, aos homens supostamente
contratados para fazer o sequestro.
.
Um morador testemunha da ação dos criminosos, que
agiram na região dos "três tombos", na zona sul de São Paulo, relatou
que arrancaram Celso Daniel "como um animal" da Pajero. Enquanto
isso, Sombra teria mantido atitude passiva e demonstrado "aparente
cumplicidade".
.
Uma mulher passava pelo local na hora do sequestro.
Celso Daniel ainda estava dentro do veículo, com a cabeça encostada no vidro.
Ela viu Sombra fora da Pajero, com ar de tranquilidade, falando ao telefone.
.
Se já não houvesse a intenção de matar o prefeito, é
possível que Celso Daniel tenha percebido, durante a ação dos criminosos, o
envolvimento do "amigo" com os sequestradores. A solução seria
eliminá-lo.
.
Antes de ser morto o prefeito foi barbaramente
torturado. Num crime comum de sequestro, a vítima geralmente é poupada. A sua
boa integridade física é condição para o pagamento do resgate. Celso Daniel foi
torturado para que fornecesse informações aos criminosos. Declaração do perito
criminal Carlos Delmonte Printes, que examinou o corpo de Celso Daniel:
.
- É absolutamente excepcional a ocorrência de morte
em casos de sequestro-relâmpago. Com relação ao sequestro convencional, nunca
examinei um caso em que houvesse ritual de tortura, crueldade e
desproporcionalidade que verifiquei no exame do corpo do prefeito.
.
Como evidências da tortura, o perito criminal apontou
a expressão de terror na face, queimaduras nas costas e lesões no corpo,
provocadas por estilhaços de balas disparadas perto da vítima, com a finalidade
de amedrontá-la. Para matá-lo, alvejaram-no oito vezes, diretamente no rosto,
tórax, pernas e mãos.
.
O médico legista Paulo Vasques também viu o corpo de
Celso Daniel. Confirmou a prática de tortura antes do assassinato. Referiu-se a
marcas de coronhadas na cabeça e à rigidez muscular decorrente da tensão
nervosa. Informou que o prefeito vestia outra calça quando o corpo foi
encontrado, pois o traje não apresentava as marcas de tiro existentes no corpo
dele.
.
Sérgio Sombra chegou a ficar oito meses na prisão,
acusado de ser o mandante do crime. O STF (Supremo Tribunal Federal), por
decisão do ministro Nelson Jobim, determinou a sua libertação. O mesmo Nelson
Jobim impediu investigações sobre o envolvimento de José Dirceu com a corrupção
em Santo André. Em seu segundo mandato como presidente da República, Lula
nomeou Nelson Jobim (PMDB-RS) ministro da Defesa.
.
Na hora de dar explicações à CPI dos Bingos, Sérgio
Sombra irritou os senadores. Insistia não saber por que a porta do carro
blindado se abriu:
.
- A porta abriu de repente, do lado do Celso, não sei
como.
.
Ao ser questionado sobre quatro depósitos bancários
descobertos em sua conta, num total de R$ 40 mil, todos feitos por Luiz Alberto
Gabrilli, proprietário da Expresso Guarará, Sombra saiu-se assim:
.
- Acho que ele se enganou, pode ter feito pagamento
cruzado, por engano.
.
De acordo com o Ministério Público, empresários que
mantinham contratos com a administração de Santo André eram forçados a entregar
dinheiro vivo ao esquema, todos os meses. Durante uma época, por algum
desarranjo na organização criminosa, a propina foi depositada diretamente na
conta bancária de Sérgio Sombra. Ficou o rastro. Ainda na CPI, Sombra tentou
explicar uma transferência bancária de Luiz Alberto Gabrilli, feita em 1997:
.
- Tinha vários depósitos para receber por serviços de
segurança que prestei. Esse dinheiro, só fiquei sabendo agora que havia sido
depositado por ele na minha conta. Não sei como foi parar na minha conta.
.
A Polícia Civil de São Paulo não responsabilizou
nenhum dos atores políticos suspeitos de envolvimento no assassinato de Celso
Daniel. O caso intrigou também pelas mortes violentas de seis pessoas que
testemunharam ou estiveram, por algum momento, nas cenas do crime.
.
Entre os mortos, o garçom Antonio Palácio de
Oliveira, que serviu Celso Daniel e Sérgio Sombra no restaurante Rubayat, pouco
antes do sequestro. Ele chegou a receber um depósito bancário misterioso, no
valor de R$ 60 mil, antes de morrer. Mas dois homens o perseguiram em sua
motocicleta. Durante a fuga perdeu o controle, bateu num poste e perdeu a vida.
.
O homem que presenciou a morte do garçom e contou à
polícia o que viu, também foi morto. Paulo Henrique Brito levou um tiro nas
costas.
.
Investigações chegaram a apontar ligações de amizade
entre Sombra e Dionísio de Aquino Severo, que teria namorado a ex-mulher de
Sombra. Dionísio Severo, acusado de envolvimento no sequestro, foi resgatado de
helicóptero de um presídio, de forma espetacular, dois dias antes do sequestro.
Depois do crime, recapturado, o mataram numa cadeia em Guarulhos (SP).
.
Intrigante também a morte do investigador de polícia
Otávio Mercier, que conversou com Dionísio Severo um dia antes da fuga do
presídio. Foi alvejado por homens que tentavam entrar em sua casa.
.
Manoel Sérgio Estevam, o "Sérgio Orelha",
abrigou Dionísio Severo em seu apartamento, logo após a morte do prefeito. Foi
assassinado com vários tiros.
Por fim, morreu o homem que chamou a polícia ao achar
o corpo de Celso Daniel, jogado em uma estrada de terra em Juquitiba (SP).
Assassinaram Iran Moraes Redua com dois tiros.
.
Quatro anos depois da morte de Celso Daniel, a
família do economista Bruno Daniel, irmão do prefeito assassinado, foi obrigada
a deixar o País. Partiu às escondidas para Paris, onde o governo da França a
recebeu como perseguida política no Brasil. Bruno Daniel, a mulher e os três
filhos do casal, moradores de Santo André, não suportaram as ameaças de morte
que se seguiram ao depoimento de Bruno, no qual ele acusou José Dirceu e
Gilberto Carvalho de envolvimento no esquema montado por Celso Daniel.
.
Em abril de 2006, o Ministério Público abriu
inquérito para investigar o ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, acusado de
se beneficiar do dinheiro desviado em Santo André. Gilberto Carvalho também foi
objeto de investigação. Apesar disso, Lula o manteve na posição estratégica de
chefe de gabinete do presidente da República.
.
José Dirceu e Gilberto Carvalho foram citados por
crimes de formação de quadrilha, receptação e lavagem de dinheiro. O Ministério
Público também anunciou investigação sobre a origem de R$ 500 mil supostamente
repassados pelo PT ao advogado Aristides Junqueira, que foi contratado para
defender o PT no caso Celso Daniel.
.
O Ministério Público acabou denunciando Sérgio Gomes
da Silva, o Sombra, Klinger Luiz de Oliveira, Ronan Maria Pinto e Maurício
Mindrisz, que ocupou o cargo de superintendente da Semasa (Serviço Municipal de
Saneamento Ambiental) em Santo André. Todos foram acusados por crimes de
formação de quadrilha, fraude e dispensa ilegal de licitação.
.
Conforme a denúncia, os quatro, em parceria, atuavam
com o prefeito Celso Daniel para desviar recursos públicos. Formavam
"quadrilha organizada estável", com o objetivo de "cumprir como
meta estabelecida um mega-esquema de corrupção".
.
Para os promotores, Sombra, mesmo sem ocupar cargo na
Prefeitura, exercia grande influência na administração municipal. O esquema
favorecia Ronan Maria Pinto, dono de empresas de transporte e de coleta de
lixo, que mantinham contratos com o governo municipal.
.
Uma dessas empresas, a Rotedali, foi contratada 12
vezes para executar serviços de limpeza, varrição e manutenção de aterro
sanitário, em transações que envolveram cerca de R$ 50 milhões. Parte do
dinheiro teria alimentado o caixa 2 do PT. Dos 12 contratos, dez foram
celebrados sem licitação. A Justiça e o Tribunal de Contas do Estado
contestaram cinco deles. Sombra foi sócio de Ronan em negócios com empresas de
ônibus em Fortaleza e Cuiabá.
.
Trecho da denúncia dos promotores Roberto Wider
Filho, Amaro José Thomé Filho e Adriana Ribeiro Soares de Morais:
.
"Sérgio, aproveitando-se de seu prestígio junto
à administração, idealizou com Daniel a formação da sociedade delinquente e era
um dos destinatários dos recursos ilícitos. Foi tesoureiro da campanha
eleitoral de 1996. Arrecadou diretamente parte do dinheiro, que foi depositado
na sua conta corrente."
.
No início do segundo mandato de Lula, em 2007, o
Ministério Público pediu o bloqueio de bens do PT e de Gilberto Carvalho, no
montante de R$ 5,3 milhões. O valor correspondia à estimativa de dinheiro
desviado pelo esquema de corrupção na área de transporte público em Santo
André. A ação civil pública também denunciou Sérgio Gomes da Silva, Klinger
Luiz de Oliveira, Ronan Maria Pinto e vários empresários. Da denúncia:
.
"Formaram uma quadrilha determinada a arrecadar
recursos através de achaques a empresários, bem como através de desvio de
dinheiro dos cofres públicos municipais, conforme outras denúncias já
ajuizadas, relativas a contratos de obras públicas e de coleta e destinação
final de lixo, ambas recebidas judicialmente". Outro trecho da denúncia:
..
"Todos os recursos auferidos pela quadrilha, na
concepção do finado prefeito Celso Daniel, deveriam financiar campanhas
eleitorais do PT, tanto em âmbito municipal e regional quanto em âmbito
nacional. O dinheiro amealhado era, em parte, separado e entregue a Gilberto
Carvalho, que o transportava, em seu veículo particular, ao escritório de José
Dirceu, que recebia os recursos ilícitos em espécie, na qualidade de presidente
do PT, para o financiamento de campanhas do interesse daquela agremiação."
.
Em 9 de fevereiro de 2006, prestou depoimento ao
Ministério Público o ex-secretário de Habitação de Mauá (SP), Altivo Ovando
Júnior. Mauá, na Grande São Paulo, é vizinha de Santo André. A cidade foi
governada pelo prefeito Oswaldo Dias (PT) de 1997 a 2000, período em que Altivo
Ovando Júnior exerceu o cargo de secretário. Ele narrou fatos ocorridos durante
a campanha de Lula a presidente da República, em 1998. Do depoimento:
.
"O declarante se recorda de que, no pleito de
1998, Lula compareceu no gabinete do prefeito de Mauá, oportunidade em que,
utilizando termos chulos, cobrou de Oswaldo Dias maior arrecadação de propina
em favor do PT."
.
A frase de Altino Ovando Júnior sobre o pedido de
Lula:
.
"Ele dizia: 'Pô, Oswaldão, tem que arrecadar
mais. Faz que nem o Celso Daniel em Santo André. Você quer que a gente ganhe a
eleição como?"
Nenhum comentário:
Postar um comentário