Ficam para memória futura muitas das conversas
que tive com António Augusto Martins Pereira, criador do automóvel português,
Alba.
As Fábricas Metalúrgicas Alba surgem em Albergaria-a-Velha, em 1921, com o nome e Fundição Lisbonense pela mão do Comendador Augusto Martins Pereira. Na sua juventude, António Augusto Martins Pereira, neto do fundador, em conjunto com o seu amigo Francisco Côrte-Real Pereira, idealizaram e conceberam um automóvel inteiramente fabricado em Portugal com a particularidade de o motor de alumínio de quatro cilindros ter sido feito em molde de areia na fundição de Albergaria. Motor esse que, com duas árvores de cames à cabeça, duas velas por cilindro e dois carburadores Solex, dava ao Alba a potência que se pretendia.
Pela ligação do meu avô materno à família
Martins Pereira e à fábrica Alba, de que era representante em Lisboa, tive
desde miúdo ligação uma forte ligação à fábrica, ao Alba e à família Martins
Pereira. Tenho frescas as memórias das tardes passadas na fábrica dentro do
Alba, enquanto o meu avô tratava dos assuntos de trabalho. António Augusto
Lemos Martins Pereira, amigo pessoal do meu avô Francisco, desde cedo se sentiu
atraído pelas corridas de automóveis.
Após várias visitas a salões internacionais e
observando o que os chamados “construtores de garagem” iam fazendo, idealizou e
construiu o Alba. Um modelo pensado para competição, com evoluído motor de
1500cc. De salientar que existiram cinco Alba e até agora falámos do primeiro a
ser construído, o OT-10-54, o único que correu com o motor Alba e que
actualmente se encontra à guarda do Museu do Caramulo.
Este Alba, “Albinha” era como lhe chamavam em
casa, começou a ser construído em 1951 para António Augusto ter um carro ao seu
estilo, que lhe permitisse participar em provas.A estreia do Alba em competição
acontece em 1952 no 3º Circuito de Vila do Conde, para espanto geral. O desenho
era ao estilo da barchetta Gordini e montava jantes raiadas Borrani,
provenientes de um Simca, em contraste com as jantes de aço dos concorrentes da
época. Nas muitas tardes que passámos juntos após o meu regresso a Albergaria,
fui recolhendo em vídeo muitos relatos para memória futura.
Esta primeira conversa aconteceu no início do
Verão de 2008, numa tarde em Albergaria. Por força da idade, demos um passeio
até à farmácia e, sempre em amena cavaqueira fomos regressando ao passado. Foi
para mim um prazer e uma honra o facto de Martins Pereira me ter concedido testemunhos
para memória futura, ele que nos deixou em Janeiro de 2013.
primeira questão é quantos Alba foram
produzidos? Cinco.
Quantos tinham motor Alba? Um. O OT que está no Caramulo
é meu, mas já não tem esse motor. Tem motor Fiat ou Simca já não sei (ED:
trata-se efectivamente de um motor Simca de 1098cc).
Como surgiu o projecto do Alba? Estava farto de
ver os Porsche passar por mim. Com este motor já me batia taco a taco com eles.
Comprei um Fiat 1100, levei-o para a fábrica e desmontei-o todo. Encurtei a
distância entre eixos de 2420 mm para 2200 mm, reforcei o chassis e baixei o centro
de gravidade. Fiquei com um carro ao meu gosto para fazer rampas e circuitos,
com um arranque que deixava os Porsche para trás. Os primeiros cem metros eram
sempre meus.
É verdade que o habitáculo foi cortado por causa
do tamanho do Côrte-Real? Não, o carro foi construído assim. Ele e o Ângelo
eram excelentes mecânicos. O do TN foi feito à medida do Francisco Corte Real
Pereira.
Porquê a cessação da construção dos veículos? E
porque não foram comercializados a particulares?
Isto, antes de mais, era uma diversão e distracção
para mim e não tinha a ideia de criar uma fábrica de automóveis.
O Alba que correu em Vila Real tinha um motor
1500? Este motor era um Alfa Romeo 1750 de um 6C com a cilindrada reduzida para
1500? Não. O do Côrte-Real Pereira era de um Peugeot 203 e andava menos que os
outros. O motor não tinha a estaleca dos Fiat e muito menos do Alba. O motor
Alba gastava pouco – talvez 7,5 litros – e atingia 185 km/h e embalado talvez
200 km/h. Com 70 cv.
Este automóvel fez a sua última prova em Vila
Real? Acho que sim.
Quem foi o seu último proprietário? Não me lembro.
Há um Alba vermelho? Há, de um ex-oficial do
exército. Está em Almada ou no Seixal. Aqui há tempos deu uma entrevista na
televisão e aparecia a andar no carro. O Alba vermelho TN-10-82 é o que tem o
tal corte feito pelo Côrte-Real Pereira.
O motor Alba ainda existe? Existe. Está na minha
garagem (risos), mas roubaram- -me os carburadores e os distribuidores Bosch.
Vieram cá os engenheiros da Bosch de propósito.
Que carburadores tinha o motor Alba? Solex 36.
O único que é todo Alba é o OT? É. Dos outros
quatro, dois tinham chassis Alba e dois chassis Fiat adaptados, porque a
distância entre eixos era menor. O meu tinha chassis Alba mais largo, para as
rodas de raios. Tinha outra estabilidade e andava mais. Era o carro de fábrica
(risos). Com ele, com o motor Alba, corri os dois Ralis de Guimarães em 1955 e
na Régua fui vencedor absoluto. Com o motor feito lá em cima (na fábrica) já
não tinha grande medo dos Porsche. Lembro-me de passar tardes sentado no OT na
garagem da fábrica. Bons tempos, Francisco! A seguir fomos até a garagem onde
está o motor Alba, ficamos a contemplá-lo e a reviver emoções. Era sua intenção
dar-lhe vida novamente. Demos um abraço e ficou combinado um almoço em Agosto,
na Costa Nova.
Como tinha ficado combinado, voltámos a
encontrar-nos na Costa Nova do Prado, num fim de tarde do início do mês de
Setembro de 2008. Voltámos à conversa sobre o Albinha, o verdadeiro Alba,
OT-10-54. Como já falámos na edição anterior, foi o único que correu com o
motor Alba de quatro cilindros, 1500cc, duas árvores de cames à cabeça, duas
velas por cilindro, distribuidores movidos directamente pelas árvores de cames
e bloco e cabeça em alumínio, com caixa de quatro velocidades.
Ainda relativamente ao motor como lhe surgiu a
ideia? Eu, o Chico e o Ângelo estudámos várias hipóteses dentro dos 1500cc (de
acordo com as novas exigências do ACP, que vieram alterar completamente as
corridas), pensámos modificar um motor Alfa Romeo que o Côrte-Real Pereira
tinha (do 6C com 1750cc e que veio a utilizar no 3º Alba o LA-11-18 que
abordaremos mais à frente), um motor Volvo (Bloco do PV444), fizemos uma
consulta de mercado, mas sempre tive preferência pelos motores italianos que
tinham mais potência e falei com a Maserati, que me pediu oitenta contos por um
motor. Eu respondi: “Por esse preço ou mais barato faço eu aqui um na
fábrica!”, e fizemos!
Neste momento, António Augusto abre a carteira e
tira, cuidadosamente, três fotos já devoradas pelo tempo, do magnífico motor
Alba em cima da estrutura original que ainda estava na garagem da sua casa e a
foto do grupo que construiu o motor.
Da esquerda para a direita, Arlindo, o “Espanhol”,
que era o encarregado dos fornos, António Augusto Lemos Martins Pereira, Carlos
Miranda o electricista, que chegou a pilotar um Alba mas despistou-se e ficou
por aí, Moura que foi quem desenhou o motor, Arnaldino, encarregado geral da
fundição, Decort Coutinho o torneiro, Alberto Barreiro o serralheiro; Francisco
Corte Real Pereira, mecânico e piloto e Ernesto Tavares da Silva “Pisco”.
Faltam aqui o José Marques o designer da carroçaria e Ângelo de Oliveira e
Costa, o mecânico do Porto, responsável pela afinação do motor Alba nas provas.
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