Volvidos 40 anos sobre o seu desaparecimento, torna-se oportuno evocar a figura de um grande desportista, que conheceu horas de glória ao volante de carros importantes, nomeadamente algumas Ferrari.
Fernando Penalva Mascarenhas nasceu em 18 de Outubro de 1910. Filho de José Mascarenhas (Condes da Torre), herdou os títulos de Marquês de Fronteira e Alorna e Conde da Torre.
Era um grande lavrador alentejano, proprietário da rica Herdade da Torre das Vargens, em Ponte de Sor, e residia em Lisboa no Palácio Fronteira, em São Domingos de Benfica.
Habituado a correr riscos e sempre a desprezar o perigo, o Marquês da Fronteira acabaria por tornar-se o arrojado chefe do Grupo de Forcados Amadores de Santarém, no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial.
Estes Grupos constituíam-se , tendo em vista o auxílio aos pobres, através de Corridas de beneficência, realizadas a favor de instituições como as Misericórdias, seguindo uma tradição, que desta forma, dava corpo ao antigo Espírito de Cavalaria.
É possível que a “afición” por enfrentar os touros na Festa Brava, tenha dado lugar a uma invulgar paixão pelos automóveis e pela velocidade.
Fosse como fosse, Mascarenhas pertencia a uma pequena elite, que as corridas de
automóveis utilizava veículos que não estavam ao alcance da maioria dos
automobilistas desportivos.
O primeiro carro que teve, que verdadeiramente andar depressa, foi sem dúvida o
SS Jaguar 100 de 3 litros e meio comprado em segunda mão.
Vendeu-o a Ernesto Martorell, e em Agosto de 1950,
adquiriu a Gregório Lourenço, um Edfor.
Este carro, que tinha pertencido durante a Guerra,
a Amadeu Seabra, estava ainda danificado pelo acidente ocorrido em 1947, logo
no início do Primeiro Rali Internacional de Lisboa, quando Gregório Lourenço e
o seu navegador Augusto Madureira, o chefe dos Bombeiros Voluntários de Algés,
se envolveram por distracção à saída de Cacilhas, num grave acidente com um
veículo pesado.
O Allard J2 ex-Mascarenhas, quando em 1954 pertencia a Joaquim Rios de
Oliveira.
Mascarenhas pretendia alegadamente aproveitar-lhe o motor, mas acabaria por
cedê-lo em 1951 a Harry Rugeroni, o veterano automobilista que era proprietário
do Hotel Aviz.
Em Outubro de 1950, adquire um Allard J2 que utiliza daí em diante nos circuitos nacionais.
Acompanhado por Manuel Palma, Mascarenhas parte
em 27 de Maio de 1952 para Monte Carlo, onde vai participar com o Allard no
Grande Prémio de Mónaco.
O motor do carro acaba de ser melhorado através da aplicação da conversão Ardun
para válvulas à cabeça, trabalho que foi efectuado nas oficinas de Palma,
Morgado & Ca. Lda., de que Manuel Palma é coproprietário.
Seguirão depois
para Itália, a fim de irem buscar a Ferrari de 2,7 litros que Mascarenhas havia
encomendado.
Depois de Manuel Palma estagiar durante 8 dias na fábrica Ferrari, voltarão ao
Mónaco, onde deixarão o Allard e a Ferrari.
Deslocam-se de avião em direcção a Paris, para assistirem em 14 e 15 de Junho às 24 Horas de Le Mans, só depois regressando a Portugal com os automóveis.
Entretanto, duas outras Ferrari idênticas, para Casimiro de Oliveira e Vasco Sameiro, chegam ao Entreposto da Alfândega de Lisboa juntamente com outra de 2 litros de um entusiasta do Porto, que havia ido a Modena para uma revisão.
Aquelas duas novas Ferrari, vão constituir com a ajuda do Conde da Covilhã, uma equipa, e existe um acordo no sentido de ambas utilizarem exclusivamente pneus Mabor.
Este acordo, é uma das
condições da ajuda de Júlio Anahory do Quental Calheiros, àqueles pilotos do
Norte.
Mascarenhas, que não precisa da ajuda de ninguém para poder ter os carros que
quiser, não esconde a sua falta de confiança na qualidade da borracha nacional
e explica sem qualquer complexo:
“Utilizarei exclusivamente pneus Pirelli, mesmo tendo ainda por cima de os pagar. A minha segurança e a minha vida valem seguramente bastante mais que a diferença de preço”…
Mascarenhas utilizará este
carro na temporada de 1952 e depois cedê-lo-à a Joaquim Filipe Nogueira.
Monsanto 1953 – Tanto a Ferrari de 3l como o muro da Escola serão
reconstruídos…
Em finais de Maio de 1953, Manuel Palma desloca-se a Itália para realizar mais um estágio na Ferrari, e no regresso a Portugal aproveita para trazer o novo carro de 3 litros encomendado por Mascarenhas.
Na estreia desta Ferrari, o Marquês de Fronteira vai obter um excelente 4º lugar no Terceiro Grande Prémio de Portugal, levado a cabo no Circuito da Boavista.
Num gesto que reflecte bem a sua nobreza de carácter, prescinde de receber o prémio de alinhar, como forma de ajudar o ACP a diminuir o elevado prejuízo que teve na organização desta prova, e manda entregar o prémio obtido na classificação geral, ao Governo Civil do Porto, com destino a auxiliar os pobres da cidade.
Algumas semanas depois, em Monsanto, alcança na corrida da Taça Cidade de
Lisboa, o primeiro triunfo em circuitos da sua carreira, ao volante de um
Porsche 356 1500 Cabriolet, o mesmo carro com que no ano anterior tinha
participado sem sucesso no Segundo Tour de France acompanhado de Manuel Palma.
Todavia, não foi feliz no dia seguinte, na corrida do Grande Prémio do Jubileu
do ACP.
Atrasado no início por um ligeiro despiste, foi recuperando volta a volta e
estava a realizar uma prova cheia de brio e de condução.
À 41º volta entra
demasiado por fora na curva do Caramão da Ajuda, bate no lancil do passeio,
pulveriza alguns fardos de palha e apercebendo-se em fracções de segundo da
multidão próxima, segura o volante com mão firme, enrola para a direita
entrando pela Rua dos Marcos e continuando fora da pista acaba por imobilizar a
Ferrari encarnada e preta, colidindo de frente com o muro da Escola, onde abriu
um buraco de seis metros quadrados.
Instantes antes da colisão já se tinha atirado para fora do automóvel
lesionando na manobra o maxilar inferior. Satisfeito por ter evitado uma
catástrofe exclama “Estou perfeitamente bem. Isto não é nada !” e só depois da
insistência de Augusto Martins acede a deixar-se acompanhar ao Hospital.
Monsanto 1954 – Com o Jaguar XK 120, segunda vitória consecutiva na Taça Cidade de Lisboa.
Alguma ironia popular, sempre maliciosa, não deixa é claro de manifestar-se,
resumindo o incidente com o comentário de: “Entradas à Fangio, saídas à
Mascarenhas !…”
Para a época de 1954, ele conserva a Ferrari de 3 litros e ganha novamente a Taça Cidade de Lisboa com um Jaguar XK 120 Drop Head, que havia entretanto adquirido.
Mal a firma C. Santos, Lda., faz saber que está preparada para receber encomendas para o novo Mercedes Benz 300 SL, não hesita e junta-se ao círculo restrito dos entusiastas desejosos de deitarem a mão a um.
Escolhe o carro em cinzento metálico e especifica a opção de rodas Rudge com aperto central.
O sexto que chega a Portugal é-lhe entregue em finais de Junho de 1955.
Tem portanto tempo para lhe fazer a rodagem antes de se inscrever para as corridas de Monsanto, onde vence pela terceira vez consecutiva a corrida para carros de Turismo e Grande Turismo, superando com talento e sem qualquer cerimónia, a oposição dotada de carros idênticos.
Neste fim-de-semana, participa mesmo em todas as outras provas e chega em 3º na Taça Governador Civil de Lisboa com um novo Porsche Spyder e em sexto no Segundo Grande Prémio de Lisboa com uma nova Ferrari de três litros, quatro cilindros, ambos estreados um mês antes no Circuito da Boavista.
Para a temporada de 1956,
toma a decisão de adquirir duas Maserati : uma de 1.500cc e outra de três
litros.
Estes carros são trazidos de Itália em atrelados com ajuda de Fernando
Ferreira, motorista profissional e funcionário de uma companhia internacional,
que nas férias costumava prestar ao Marquês este tipo de serviços.
Nas corridas da Boavista obtém o quinto lugar na prova de 1.500cc, mas no Segundo Grande Prémio do Porto é obrigado a retirar-se perto do final, numa corrida marcada pelo inesquecível duelo travado entre Joaquim Filipe Nogueira e o Marquês espanhol Alfonso de Portago.
Nos últimos dias de Julho, parte de avião para
Itália. Tinha encomendado há algum tempo à Ferrari, um exemplar de um dos mais
potentes e luxuosos modelos que a fábrica havia lançado : Coupé.
Monsanto 1955 – Terceira vitória consecutiva na Taça Cidade de Lisboa.
Pininfarina sobre chassis longo, motor V12 “Lampredi” de 4.9 litros alimentado
por três carburadores Weber de duplo corpo. Potência anunciada: 340 hp às 6.000
rpm.
Consoante a relação de transmissão aplicada no eixo traseiro, este modelo poderia, segundo os dados da fábrica, atingir entre 220 e 260 km/h àquele regime. Mascarenhas estava encantado.
Levantou o carro e tratou de se encarregar imediatamente de lhe fazer a rodagem, regressando pela estrada.
Já estava em Madrid há alguns dias, quando finalmente, na noite de Sábado Quatro de Agosto, encontrou o seu amigo Leopoldo Villaamil.
O espanhol utilizava normalmente os Pegaso, tanto em corridas como nas estradas, e trazia na altura uma Berlinetta Touring Z102B verde, construída em 1953, e dotada com um dos motores V8 habituais
Combinaram então uma prova de força, ou seja, uma corrida privada utilizando a
via rápida até ao Aeroporto de Barajas que, às primeiras horas daquela
madrugada de Verão, estava praticamente sem qualquer movimento.
Até Barajas
tudo decorreu normalmente, embora por certo, a velocidades elevadíssimas.
Sobre o que aconteceu no regresso ao centro de Madrid, apenas sabemos o que
conta “Polo” Villaamil : “Seriam cerca de quatro horas da madrugada.
Eu seguia no Pegaso, 400 metros à frente. Fui surpreendido ao chegar a uma rotunda, pela falta súbita da iluminação artificial.
Travei a fundo e no último instante soltei os travões para que o carro pudesse saltar o lancil de pedra da praceta.
Não me apercebi do que aconteceu ao Marquês de Fronteira.
Suponho que se
enganou e não seguiu o mesmo caminho que eu, ou não conseguiu rectificar a
trajectória.”
O que é certo é que a Ferrari chocou também violentamente com o lancil, que
teria uns 50 cm de altura, e deu uma tremenda cambalhota matando Mascarenhas instantâneamente.
A ferrari com quem se matou sobreviveu e foi reparada.
https://www.jornaldosclassicos.com/1996/05/10/d-fernando-mascarenhas-um-fidalgo-nos-circuitos/
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