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10/09/2025 às 09:38
· Atualizado em 10/09/2025 às 11:50
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal
(STF), votou para anular a ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) e outros sete réus sobre a suposta tentativa de golpe de Estado após as
eleições de 2022. Segundo Fux, o STF não tem competência para julgar o caso, já
que nenhum dos réus tem foro privilegiado. O ministro alegou ainda que a
Primeira Turma não tem competência para julgar um ex-presidente e que houve
cerceamento de defesa pela grande quantidade de provas produzidas pela Polícia
Federal com pouco tempo para análise pelos advogados.
Fux está lendo seu voto
nesta quarta (10), na sexta sessão do julgamento do chamado “núcleo 1” ou
“crucial”. A análise da ação penal começou na terça (9) com os votos
de condenação pelo relator, Alexandre de Moraes, e por Flávio Dino.
Fux já havia sinalizado, na
véspera, que iria
divergir de Moraes em alguns pontos das chamadas
“preliminares”, que são questionamentos feitos pelas defesas dos réus, entre
elas a competência do STF em julgar Bolsonaro. O mesmo questionamento foi feito
durante o recebimento da denúncia em março, em que foi
o único voto vencido entre os cinco integrantes da Primeira
Turma.
"Com
as vênias de suas excelências e o dedicado relator, meu voto é no sentido de
reafirmar a jurisprudência desta Corte, concluo assim pela incompetência
absoluta para julgamento deste processo, na medida que os denunciados já haviam
perdido seus cargos. [...] Impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos
decisórios praticados", disse Fux nesta quarta (10).
Fux citou que, o início das
investigações em 2021, a jurisprudência do STF sobre a competência em julgar
casos “era pacífica”, em que “uma vez cessado o cargo, antes do termino da
instrução, a prerrogativa de foro deixaria de existir”. No entanto, ele citou
que a mudança do entendimento, em março
deste ano, afetou todo o andamento desta ação penal.
“O
STF mudou a competência depois da data dos crimes aqui muito bem apontados pela
PGR”, disse se dirigindo ao procurador Paulo Gonet, que participa do
julgamento.
Além
de Bolsonaro, são julgados o tenente-coronel Mauro Cid, que delatou o suposto
plano de golpe; o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da
Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança
do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e Walter
Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice de Bolsonaro nas
eleições de 2022.
Julgamento no Plenário
Fux
ainda criticou a competência da Primeira Turma em julgar um processo referente
a um ex-presidente, afirmando que "ao rebaixar a competência originária do
Plenário para uma das duas Turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros
que poderiam exteriorizar sua forma de pensar sobre os fatos a serem julgados
nesta ação penal".
"Os
réus não têm prerrogativa de foro, porque não exercem função prevista na
Constituição, se ainda estão sendo processados em cargos por prerrogativa, a
competência é do plenário do STF. Impõe-se o deslocamento do feito para o órgão
maior da Corte", pontuou.
Com
isso, além da competência do STF referente ao foro privilegiado, Fux acatou os
questionamentos das defesas e declarou a "nulidade de todos os atos
praticados por este Supremo".
Ainda
durante a justificativa do voto, Fux deu uma alfinetada em Moraes por, como
afirmaram as defesas dos réus, supostamente atuar como investigador da ação
penal.
"O juiz deve acompanhar a ação penal com
distanciamento, não apenas por não dispor de competência investigativa ou
acusatória, como também por seu necessário dever de imparcialidade",
completou.
"Tsunami
de dados"
Fux
também acolheu a preliminar da defesa sobre o que chamou de “tsunami de dados”,
referente ao questionamento por conta do curto tempo para analisar a grande
quantidade de dados das provas produzidas pela Polícia Federal. Foram mais de
70 terabytes de dados – “comparado a muitos milhões e bilhões de páginas”,
disse –, que ele disse ter tido acesso inclusive aos depoimentos, além de
arquivos inseridos após a aceitação da ação penal.
“Em
razão da disponibilização tardia de um tsunami de dados, sem identificação com
antecedência dos dados, acolho a preliminar de violação à garantia
constitucional do contraditório e da ampla defesa e reconheço a ocorrência de
cerceamento. E, por consequência, declaro a nulidade do processo desde o
recebimento da denúncia”, frisou.
Ele
ainda citou que, na Justiça Federal, já ocorreu uma absolvição sumária em 2021
por cerceamento de defesa por desconhecimento de todas as provas – naquele caso
de 4 terabytes – que depois foi reconhecido pela Segunda Instância e pelo
Ministério Público.
Colaboração de Cid
Outro
questionamento das defesas dos réus foi a validade da delação premiada de Mauro
Cid que, alegam, teria sido alvo de pressão e coação. Para Fux, “idas e vindas”
dos depoimentos poderiam indicar uma “retaliação” ou “criatividade de
autoproteção”.
No
entanto, ao analisar o que foi levantado, decidiu negar as alegações dos
advogados dos réus e manteve a validade da delação, deixando para a fase da
dosimetria apontar quais benefícios podem ser mantidos e penas eventualmente
aplicadas.
"O
réu colaborou com as delações sempre acompanhado de advogado e as advertências
pontuais feitas pelo relator ao colaborador. Isso faz parte do rol de perguntas
que se pode fazer ao colaborador. E, na verdade, esse colaborador ele acabou se
autoincriminando, porque ele confessa", afirmou o ministro.
Crimes imputados pela PGR
Ainda
durante a fundamentação do voto, Fux contestou alguns dos crimes imputados pela
PGR aos réus. No total, o procurador Paulo Gonet tipificou as ações em:
tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de
golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado
por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Entre
os crimes analisados, Fux contestou a tipificação de formação de organização
criminosa, alegando que não estão presentes os requisitos exigidos pelo Código
Penal.
“A
denúncia não narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos
reiterados de modo estável e permanente como exige o tipo da organização
criminosa, sem um horizonte espaço-temporal definido”, completou.
Fux
também deu um parecer sobre a alegação do uso de arma de fogo pela organização
criminosa. Para o magistrado, a Constituição é clara de que os envolvidos só
poderiam ser criminalizados com essa tipificação se estivessem armados no
cometimento do suposto crime.
“É preciso que a denúncia narre e comprove o efetivo
emprego da arma de fogo por algum membro do grupo durante as atividades da
organização criminosa. Utilize a arma de fogo”, pontuou citando que a
jurisprudência já afasta o aumento de penas por este agravante.
Para
ele, não é porque alguns dos envolvidos tenham o direito de porte de arma que
devem ter essa agravante na pena.
Fux
também pontuou que a alegação da denúncia da PGR de que os CACs (caçadores,
atiradores e colecionadores de armas) participaram dos acampamentos montados em
frente a quartéis do Exército não tem "qualquer comprovação nos autos, sem
indicação de que tenha sido apreendida alguma arma de fogo nesses assentamentos
e sem qualquer vinculação com algum dos réus". Ele concluiu pedindo a
suspensão das ações relativas a essa tipificação.
E,
na tipificação para o deputado Alexandre Ramagem, Fux acolheu apenas parte dos
crimes por conta da resolução da Câmara dos Deputados que não permite a
atribuição de fatos ocorridos após a diplomação, em dezembro de 2022. Com isso,
na visão de Fux, ele deixa de responder por dano e deterioração do patrimônio e
formação de organização criminosa.
O voto de Fux deve ser dado até o fim da manhã após
apresentar seus questionamentos e, se optar pela condenação dos envolvidos,
fará a Primeira Turma formar maioria pela decisão -- três dos cinco
magistrados. Além dele, ainda faltam votar os ministros Cármen Lúcia e
Cristiano Zanin, que preside o colegiado, possivelmente nas sessões marcadas
para quinta (11). Já a de sexta (12) se espera ser utilizada para estabelecer a
dosimetria das penas.
Nos votos já dados na terça
(9), Moraes
decidiu pela condenação de Bolsonaro e os demais réus, classificando
o ex-presidente como líder de uma “organização criminosa”. Dino
o acompanhou no entendimento, mas defendeu penas mais severas tanto
para o ex-presidente quanto para o ex-ministro Walter Braga Netto. Durante a
sessão, Dino rechaçou pressões externas.
“Argumentos
pessoais, agressões, coações, ameaças de governos estrangeiros não são assuntos
que constituem matéria decisória. Quem veste essa capa [toga] tem proteção
psicológica suficiente para se manter distante disso”, afirmou.

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