Diante da crise de liquidez do Banco
Master, Banco Central decretou liquidação extrajudicial que irá afetar Fundo
Garantidor de Crédito (Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)
Crise do Master vai “comer” um terço de fundo destinado a proteger
clientes do sistema financeiro
Por Roberta Ribeiro
Diante de crise de liquidez do
Banco Master, Banco Central decretou liquidação extrajudicial que irá afetar
Fundo Garantidor de Crédito (Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)
O Banco Central decretou nesta terça-feira (18) a liquidação do Banco
Master após identificar indícios de emissão fraudulenta de títulos — operação
que deve custar até R$ 50 bilhões ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC), cerca
de um terço de todo o fundo que protege depositantes e investidores do sistema
financeiro.
É o maior resgate da história do FGC e fragiliza a proteção para
eventuais crises futuras.
Embora especialistas avaliem como baixo o risco de crise sistêmica que
atinja todo o mercado financeiro, a liquidação enfraquece a confiança em bancos
de médio porte e levanta dúvidas sobre a capacidade do FGC de absorver impactos
futuros de magnitude similar.
O conglomerado Master detém 0,57% do ativo total e 0,55% das captações
totais do Sistema Financeiro Nacional (SFN), segundo o Banco Central — porte
que, embora limitado, não elimina riscos de contágio para bancos médios.
O Fundo Garantidor de Créditos (FGC) assegura a restituição de até R$
250 mil por CPF, por instituição, aos clientes que têm depósitos e
investimentos no Master.
Estão cobertos CDBs (Certificados de Depósito
Bancário), LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), LCAs (Letras de Crédito do
Agronegócio), poupança, Letras de Câmbio e depósitos à vista e contas-salário.
Cálculos preliminares de analistas do mercado financeiro indicam que a
captação total do FGC é de cerca de R$ 120 bilhões, enquanto os custos com a
liquidação do Master podem variar de R$ 40 a R$ 50 bilhões — cerca de um terço
de todo o fundo.
Ainda não há dados oficiais sobre esses valores, que
possivelmente só serão finalizados após a liquidação total do conglomerado.
O Banco Central (BC) anunciou nesta terça-feira (18) a liquidação
extrajudicial — processo que encerra administrativamente as atividades da
instituição — de quatro empresas do conglomerado Master: Banco Master S/A,
Banco Master de Investimento S/A, Banco Letsbank S/A e Master S/A Corretora de
Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários.
Uma quinta empresa, o Banco Master Múltiplo S/A, entrou em Regime
Especial de Administração Temporária (RAET).
O regime diferenciado visa
preservar o funcionamento de sua controlada, a Will Financeira, diante do
interesse de compradores no Will Bank.
O BC designou a EFB Regimes Especiais de Empresas como liquidante.
Com a
liquidação, o BC determinou a indisponibilidade dos bens de duas empresas, três
controladores e oito ex-administradores.
A crise do Master escalou ao longo dos últimos meses:
- Março: BRB anuncia compra de parte dos ativos
- Maio: Master recorre a R$ 4 bi do FGC
- Segunda-feira (17): Fictor anuncia compra
- Terça-feira (18): BC decreta liquidação; Fictor cancela
- negócio
A liquidação extrajudicial é decretada pelo Banco Central quando as
instituições apresentam dificuldades irreconciliáveis para honrar seus
compromissos ou quando violam gravemente as normas.
No caso do Master, o BC
identificou indícios de emissão fraudulenta de títulos.
Após a decisão do BC, o Grupo Fictor cancelou a compra do
Master, que havia sido anunciada na segunda-feira (17), em parceria com um
fundo dos Emirados Árabes Unidos.
Especialistas veem risco sistêmico limitado
Cristina Helena Pinto de Mello, professora de Economia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP), afirma que é baixo o risco de crise
sistêmica atrelada à liquidação do Master.
"Me parece que não há uma
ligação que possa passar para frente, que possa alastrar, como ocorreu, por
exemplo, no caso dos Estados Unidos, com a falência do banco Lehman Brothers em
2008", disse.
A quebra do banco americano gerou um efeito cascata em todo
o sistema e teve reflexos no mundo inteiro com a maior crise global em 80 anos.
Da mesma forma, Jorge Ferreira dos Santos, professor de Administração na
ESPM, afirma que o porte limitado do Master no Sistema Financeiro Nacional
reduz o risco de uma crise sistêmica.
No entanto, o docente alerta para o risco de haver uma corrida aos
bancos médios, como o Master.
Santos chama atenção para um possível efeito
contágio para as demais instituições financeiras de médio porte.
Nesse caso,
por conta da liquidação do Master, a confiança dos clientes nessas instituições
cairia e eles passariam a buscar os grandes bancos.
"Isso pode provocar uma corrida aos bancos de médio porte e trazer
um agravamento da situação, porque o efeito contágio costuma afetar bastante o
ecossistema em que a instituição financeira está inserida", comentou.
Interconexão do sistema pode gerar efeito contágio
Apesar da baixa possibilidade de que a crise se alastre de forma
generalizada, Marília Milani, head de
contencioso do CBA Advogados, avalia que o risco sempre existe, devido à
interconexão do sistema financeiro.
"As operações no sistema financeiro são interligadas, e operações
financeiras geralmente são realizadas com base na confiança.
Porém, dentro do
Sistema Financeiro Nacional existem estruturas e ferramentas para minimizar
eventuais impactos quando é decretada uma intervenção pelo Banco Central, como
ocorreu com o Master", disse.
Já o especialista em direito empresarial Henrique Arake entende que a
liquidação extrajudicial de qualquer instituição financeira, mesmo de porte
menor, como o Master, não pode ser tratada como evento totalmente isolado
dentro da teia complexa do Sistema Financeiro Nacional.
"A interconexão é uma realidade estrutural: é improvável que outras
instituições e fundos de investimento não possuam títulos de dívida, como
Certificados de Depósito Bancário (CDBs), de emissão do Banco Master, ou que
tenham exposição a outras operações vinculadas ao Master", afirma.
Fundos de previdência estaduais devem ser afetados
Na mesma linha, Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, comenta que há uma exposição relevante de
fundos de previdência a títulos emitidos pelo Banco Master, o que amplia o
impacto da liquidação e evidencia o papel do efeito multiplicador na economia.
Ele explica que diversos fundos de previdência de servidores estaduais e
municipais investiram volumosamente em letras financeiras emitidas pelo Master,
sem cobertura do FGC.
"Juntos, esses fundos aplicaram aproximadamente R$
1,7 bilhão nesses títulos.
Em alguns casos, essas aplicações representam fatias
expressivas do patrimônio das entidades", disse.
Segundo o professor, o fundo dos servidores do Rio de Janeiro, por
exemplo, alocou quase R$ 1 bilhão.
Municípios como Cajamar, São Roque,
Aparecida de Goiânia, Araras e Santo Antônio de Posse também destinaram
parcelas significativas de suas carteiras a papéis do conglomerado.
Garbe afirma que a previdência pública envolve um elo direto com as
finanças dos municípios e dos estados.
"Caso os fundos precisem
provisionar perdas expressivas, há possibilidade de redução na capacidade de
pagamento de aposentadorias, desequilíbrios atuariais e pressão adicional sobre
os orçamentos públicos.
É nesse ponto que o efeito multiplicador se manifesta
de forma clara", afirma.
BC atuou rapidamente para conter impactos
Diante dos possíveis agravamentos da crise, a avaliação do mercado é de
que o Banco Central agiu rapidamente para conter a situação e manter a
confiança no Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Rafael Junior Soares, professor da PUCPR, comenta que, diante dos
indícios de emissão fraudulenta de títulos por parte do Master, o Banco Central
foi diligente e atuou rapidamente, a fim de estancar a situação antes que ela
se alastrasse e pudesse causar danos maiores ao sistema.
Segundo ele, a garantia do FGC, cuja conta é suficiente para ressarcir
todos os investidores lesados pela liquidação do Master, também é fundamental
para manter a confiança no sistema.
"Aqueles que ultrapassarem o teto de
R$ 250 mil entram numa fila, porque tudo aquilo que for liquidado do Banco
Master ficará depositado e, eventualmente, será destinado à devolução de
valores para esses investidores", disse.
Investidores terão que esperar até reaver recursos
Ainda com essas garantias, o investidor não será ressarcido
imediatamente.
Jorge Santos, da ESPM, afirma que o FGC é muito usado para
"propagandear" a venda de produtos de investimento, mas o resgate não
é automático e precisa cumprir toda uma burocracia.
"Há um processo regulatório e um processo auditado, inclusive, no
qual o FGC vai efetuar pagamentos de acordo com o cumprimento de alguns ritos
burocráticos.
Ou seja, o investidor que perdeu uma quantidade de dinheiro ou
que tinha até R$ 250 mil não chega no dia seguinte e saca o dinheiro no
FGC", explicou.
De acordo com o professor, após a liquidação — no caso do Master e de
outras empresas do conglomerado, que ocorrerá daqui a 120 dias —, o FGC faz uma
comunicação na qual, normalmente, figura a lista dos investidores afetados.
Após a divulgação dessa lista, o prazo para resgate é de aproximadamente 20 a
60 dias úteis.
https://www.gazetadopovo.com.br/economia/liquidacao-banco-master-fgc-riscos/