Conforme vimos em nosso artigo: “Pavlov, Memristores e máquinas que aprendem” os
memristores estão sendo aplicados na pesquisa de possíveis arquiteturas para
dispositivos neuromórficos, o que vale dizer que estão sendo avaliados como
peças fundamentais na construção de máquinas capazes de aprender.
Como prometi na ocasião, abordaríamos
este tema com um pouco mais de profundidade, o que corresponde sempre a um
desafio, principalmente quando tentamos explicar com didatismo os meandros do
funcionamento de nossa sofisticada tecnologia, sem usar da ferramenta mais
poderosa – a matemática.
Por isso eu peço tolerância ao público técnico e
paciência ao público leigo (sem descartar toda e qualquer ajuda que você
querido leitor queira me dar nessa delicada tarefa de tornar inteligível o
comportamento de um memristor).
Conceitos bases
Um memristor (do inglês “memory
resistor”) é um resistor com memória, ou seja, um componente eletrônico passivo
de dois terminais que mantém uma função não-linear entre corrente e tensão. O
que isso quer dizer?
Vamos começar nossa explicação a
partir da construção de uma lanterna usando uma lâmpada incandescente comum de
6 V, algumas pilhas de 1,5 V, fios condutores e um multímetro (um instrumento
utilizado para “medir” grandezas da eletricidade).
Primeiro vamos analisar os dois polos
de uma de nossas pilhas. Dessas pilhas alcalinas AA que compramos em qualquer
supermercado.
Temos um polo carregado negativamente
o que vale dizer que ele apresenta muito mais elétrons que prótons. E temos o
outro polo carregado positivamente, em outras palavras, tem menos elétrons que
prótons.
Podemos dizer que entre os dois polos
“existe” uma diferença de potencial elétrico. Um polo com “excesso” de elétrons
e outro com “falta” de elétrons. Esta diferença de potencial elétrico (também
denominada tensão elétrica) é medida em volts (V) o que aproximadamente
equivale ao valor escrito no rótulo 1,5 V. Podemos usar o multímetro para
conferir a medida e afirmar que a voltagem da pilha é de 1,5 volts.
Se colocarmos uma pilha no circuito
de nossa lanterna e dermos um jeito da lâmpada acender, vamos observar que a
lâmpada acende com uma luminosidade bem pequena, mas o suficiente para dizermos
que a coisa funciona. E por que funciona?
Quando interligarmos a pilha à
lâmpada usando fios condutores se processará por esses fios um fluxo de
elétrons indo do polo negativo até o polo positivo da pilha de tal forma que os
elétrons ao passarem pelo filamento de tungstênio da lâmpada encontrarão certa
“resistência” à sua passagem transformando uma parte de sua energia em calor
suficiente para fazê-lo brilhar (a lâmpada acende).
Se medirmos a intensidade desse fluxo
de elétrons que circula pelo circuito durante cada segundo teremos a medida da
intensidade da corrente elétrica que é expressa em “ampères” (A) daí muitos
técnicos denominá-la simplesmente “amperagem”. Vamos imaginar que nossa medida
da amperagem deu um valor próximo a 0,75 A.
Repetimos nossa experiência, com
duas, três e quatro pilhas, obtendo os seguintes valores de tensão e corrente
elétrica:
1 pilha: 1,5 V – 0,75 A
2 pilhas 3,0 V – 1,50 A
3 pilhas 4,5 V – 2,25 A
4 pilhas 6,0 V – 3,00 A
2 pilhas 3,0 V – 1,50 A
3 pilhas 4,5 V – 2,25 A
4 pilhas 6,0 V – 3,00 A
(Lembre-se que o limite construtivo
de nossa lâmpada é de 6 volts – acima desse valor a lâmpada simplesmente
queimaria)
É fácil intuir que à medida que
aumentamos a voltagem do nosso circuito a corrente aumenta proporcionalmente e
sempre com a mesma taxa. Para cada aumento de 1,5 V na tensão (voltagem) temos
um aumento de 0,75 A na corrente (amperagem).
Ora, se dividirmos a voltagem pela
amperagem teremos sempre o mesmo valor 2 (lemos 2 ohms), que nesse caso
corresponde ao valor numérico da resistência elétrica oferecida pela nossa
lâmpada.
A resistência que a lâmpada oferece à
passagem dos elétrons pelo seu filamento de tungstênio é sempre a mesma
independentemente do valor da voltagem e da amperagem.
Dizemos, portanto, que nossa lâmpada
é um resistor linear ou ôhmico – sua resistência elétrica é uma função linear
da tensão com a corrente elétrica e, portanto, é constante na mesma
temperatura.
Criando um Memristor
Agora vamos imaginar que alteramos a
composição dos materiais que constituem nossa lâmpada e a transformamos em um
memristor cujo valor limite de tensão continua sendo o mesmo, ou seja, de 6 V.
Qual seria o seu comportamento de
agora em diante?
Para nosso desapontamento até a
tensão de 6 V seu comportamento seria exatamente o mesmo. Teria na temperatura
de trabalho a resistência constante e igual a 2 ohms.
Porém, se elevarmos a tensão a ser
aplicada acima do valor limite de 6 V seu efeito memória entraria em ação. Sua
resistência iria variar quando variarmos a tensão. E o mais importante: A forma
como ocorreria essa variação poderia ser determinada por condições externas.
Por exemplo, pela repetição de um padrão de tensão.
Vamos imaginar que se repetirmos em
diversas ocasiões uma aplicação de tensão de exatos 9,0 V e a nossa lâmpada
(agora um memristor) acendesse quase nada, emulando um comportamento resistivo
elevado. Por outro lado se repetirmos a aplicação de exatos 7,50 V ela
acendesse totalmente emulando um sistema com resistência “normal”.
Ora, com esse comportamento
poderíamos “gravar” no nosso memristor um bit de memória, assumindo o valor 1
para a lâmpada totalmente acesa e 0 para a lâmpada quase apagada ( conforme
nossa metáfora utilizada no artigo “Spins, Abajures e 1001 noites”).
Pronto, aí teríamos um ótimo sistema
para “guardar” informações com a vantagem de que mesmo não aplicando tensão a
informação não se perderia.
Outra vantagem: nosso memristor
poderia ser construído para “aprender” com eventos externos, por meio da
repetições de padrões – exatamente como acontece com o condicionamento de
animais, visto por Pavlov em nosso artigo anterior.
Depois que nosso memristor “aprender”
que 9,0 V é para apagar e 7,25 V é para acender ele não mais se esqueceria
disso. A não ser que em sua construção fosse prevista a possibilidade de que
outros memristores o avisasse de que, por exemplo, seria interessante inverter
esse comportamento – mas, aí já é assunto para outro artigo.
Dá para imaginar como é construído um
memristor e o que a combinação de vários memristores poderia gerar? Não? Então
não perca os próximos artigos!
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