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Carga tributária excessiva, falta de competitividade, margem de lucro maior do que no exterior e consumidores dispostos a pagar mais são alguns dos fatores que elevam os preços no país
Os brasileiros gastam pelo menos o dobro que os americanos na compra de um Toyota Corolla ou de um Hyundai ix35. Ou 94% a mais na aquisição de um Audi A3
Quando o Honda City foi lançado
no Brasil, em 2009, anúncios na TV e na mídia impressa afirmavam que o carro
seria perfeito para transitar em grandes metrópoles. O sucesso veio rápido. Ele
se tornou o líder dos sedãs compactos em menos de três meses. De lá para cá, se
consolidou entre os primeiros de sua categoria e chegou a países como México e
Argentina.
O City que é comercializado lá
fora, no entanto, tem uma diferença fundamental para o que é vendido aqui: o
preço. Quem vive em São Paulo tem de desembolsar 59.000 reais para colocar a
versão LX 1.5 manual na garagem.
O mesmo modelo, fabricado no
interior do estado e exportado, custa o equivalente a 33.300 reais no México.
Ou seja: os brasileiros pagam
77% a mais. Os argentinos, além de gastar menos, ainda têm uma outra vantagem.
Recebem um veículo mais equipado (confira no quadro abaixo).
O City montado em Campana, na Província de Buenos Aires, vem de série com
filtro UV no para-brisa, pneus mais largos – o que aumenta a estabilidade e
diminui o espaço de frenagem – e com o “Modo Eco”, um dispositivo que permite
economizar combustível. Bom seria se o caso do City fosse exceção.
Mas a disparidade de preços é
comum em todo o mercado automotivo brasileiro - que, a partir desta
quarta-feira, mostra suas
novidades a uma multidão de consumidores no Salão de São Paulo (na galeria de fotos acima, os
novos modelos). Quais as razões disso? Por que os carros custam tão
caro no país?
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Os preços exorbitantes são
decorrência de um conjunto de fatores: carga tributária excessiva, gastos
elevados com matéria-prima, mão de obra e logística, falta de competitividade,
margem de lucro maior do que no exterior, demanda crescente e consumidores dispostos
a pagar mais. Tudo isso faz com que os brasileiros gastem pelo menos o dobro
que os americanos na compra de um Toyota Corolla ou de um Hyundai ix35.
Ou 94%
a mais na aquisição de um Audi A3. Exemplos não faltam. Enquanto nos Estados
Unidos a carga tributária que incide sobre um veículo médio é de apenas 5,7%,
no Brasil chega a 30,4%. Quase um terço do valor que o carro é vendido numa
concessionária. Isso porque neste cálculo só estão embutidos os impostos
diretos (IPI, ICMS e PIS/Cofins).
Se
somados também os indiretos, a mordida esbarra em 40%. No Japão e na Alemanha,
países considerados referência no setor automotivo, a carga tributária é de
9,1% e de 16%, respectivamente.
A
redução do IPI, adotada no final de maio com o objetivo de estimular o mercado
de veículos e evitar demissões, foi uma medida paliativa. Ao baixar a alíquota
do imposto em até sete pontos percentuais, o governo federal criou um benefício
transitório e não resolveu o problema da carga tributária pesadíssima que
emperra a indústria nacional.
Com esse incentivo, montadoras
e concessionárias trabalharam como nunca. O mercado de automóveis e comerciais
leves novos, que havia registrado retração de 4,37% nos cinco primeiros meses
deste ano, cresceu 36,3% entre junho e agosto. Em 31 de outubro, quando a
renúncia fiscal terminar, a União terá deixado de arrecadar cerca de 2 bilhões
de reais de IPI.
“Nenhuma
montadora está com o pires na mão. Apesar disso, elas pressionam e o governo
cede. A redução do IPI é um incentivo artificial, e todo incentivo artificial
quebra a harmonia da lei de mercado”, afirma Luiz Carlos Mello, diretor do
Centro de Estudos Automotivos (CEA) e ex-presidente da Ford Brasil.
“A
indústria automotiva ganha no curto prazo porque antecipa as vendas, mas perde
no longo prazo porque não vai buscar os remédios necessários para aumentar sua
eficiência”. Cledorvino Belini, presidente da Fiat do Brasil e da Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), discorda. “As
montadoras certamente sobreviveriam sem a redução do IPI.
Mas e
as 200.000 empresas que fazem parte da cadeia automotiva e representam um
milhão e meio de empregos?”, diz. “O governo tem de ficar atento a isso para
evitar uma quebradeira geral. O efeito dominó seria terrível”.
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A indústria automotiva é uma das mais poderosas e influentes do país. Responde por 21% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial e 5% do PIB total. De acordo com a Anfavea, entre 2002 e 2011, o setor cresceu 145%. Apenas no ano passado, faturou US$ 121,3 bilhões e gerou 31,4 bilhões de dólares em tributos. “A briga política é forte”, afirma o consultor automotivo André Belchior Torres. “O governo não faz o que bem entende porque existem consequências”. Fiat, Volkswagen, GM e Ford concentravam 98% do mercado brasileiro há três décadas. Atualmente dominam 70%. Apesar do recuo na participação relativa, as quatro não encolheram porque a produção nacional aumentou quase três vezes e meia nos últimos 30 anos. “No mercado mundial, as maiores montadoras têm em média 30% de market share”, diz Paulo Cardamone, diretor da consultoria IHS Global Insight. “A competitividade no Brasil precisa ser estimulada. Os carros produzidos na Europa, no Japão, na Coréia do Sul e nos Estados Unidos são melhores que os nossos não porque a indústria é boazinha. São porque nesses lugares a legislação é mais forte”. Cardamone lembra que no exterior não se vende mais automóvel sem direção hidráulica. Freios ABS e air bag, importantes itens de segurança, só serão obrigatórios em 100% dos carros produzidos no Brasil em 2014.
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“Nossa indústria está tecnologicamente defasada”, afirma Mauro Zilbovicius, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). “As montadoras não têm trazido para cá o que há de melhor em suas matrizes, preferem explorar plantas de veículos mais antigos porque o investimento feito já foi todo amortizado. Tudo o que vem agora é lucro. A Volkswagen, por exemplo, não está tão em linha com o que é produzido na Alemanha. O velho Fiat Uno Mille continua sendo fabricado no país”. Há 974 modelos e versões de carros nacionais e mais de 500 importados à venda em território nacional. Com uma modificaçãozinha aqui, outra acolá, muitos são ofertados como novidade. “As empresas não fizeram grandes investimentos em parte porque o Brasil nunca ofereceu segurança suficiente de que o desenvolvimento industrial no país fosse sustentável”, diz Stephan Keese, sócio-diretor da Roland Berger Strategy Consultants. Esse descompasso tecnológico, aliado ao câmbio e ao elevado custo de produção, diminui drasticamente as chances das montadoras brasileiras competirem no mercado global. O Brasil exportou 578.700 veículos no ano passado – 35,4% menos que em 2005, quando o real era mais fraco. De cada 100 carros exportados em 2010, 87 tiveram como destino Argentina, África do Sul e México.
“O fato de o Brasil ser um país emergente, e em consequência disso mais arriscado para os investidores, também se reflete nos preços”, afirma Paulo Petroni, sócio-diretor da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC). Produzir aqui é 30% mais caro do que no México e cerca de 60% mais oneroso do que na China e na Índia, conforme análise da PwC feita a pedido da Anfavea. O preço do aço no Brasil, segundo esse levantamento, é 35% superior à média mundial e o da energia elétrica em torno de 60% maior do que na Europa. O peso da folha salarial também é maior. “Isso não significa que os funcionários ganhem mais”, pondera Belini, presidente da Anfavea e da Fiat. “Os encargos sociais é que são maiores do que em outros países”. Enquanto na Alemanha um funcionário custa para empresa 60% mais do que ele recebe no holerite, a despesa extra-salário no Brasil ultrapassa 100%. Outro fator que onera a indústria e, obviamente, tem impacto no bolso consumidor é a falta de infra-estrutura. “Não temos ferrovias. Temos de colocar dez carros numa cegonha que vai cheia para lugares como Belém do Pará e volta vazia”, diz Belini. “Precisaríamos ter, pelo menos, um sistema de cabotagem”. Transportar um automóvel de São Paulo a Salvador custa três vezes e meia o que se paga de Xangai a Pequim, na China.
Se o Brasil não reúne as condições necessárias para competir no exterior, internamente vem se fechando cada vez mais para os estrangeiros. No ano passado, quando montadoras chinesas começaram a ganhar espaço, o governo federal aumentou o IPI dos importados em 30 pontos percentuais com a justificativa de fortalecer a indústria nacional e preservar empregos no país(no quadro acima). “Mataram a concorrência no ninho. Tínhamos cerca de 5% do mercado, hoje temos 3%”, afirma Marcel Visconde, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva). “Empresas de nicho, como Porsche, Ferrari e Lamborghini, que produzem numa única planta para o mundo, não viriam para o Brasil. Mas o caminho natural de outras montadoras é se colocar no mercado e só depois investir numa fábrica no local. Medidas como essa prejudicam esse processo”. Embora as marcas associadas à Abeiva tenham importado 27,5% menos entre janeiro e agosto deste ano na comparação com o mesmo período de 2011, as importações de empresas ligadas à Anfavea, exatamente as que têm fábrica no Brasil, cresceram 12%. Os veículos vieram principalmente da Argentina e do México, países com os quais o Brasil tem acordos que dispensam o imposto de importação. A política nacional pode não ter contribuído para criar empregos na China, mas garantiu em outros lugares.
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O novo regime automotivo, que entrará em vigor a partir de 2013, protegerá ainda mais a indústria nacional – principalmente as maiores montadoras. Ele estabelece um aumento de 30 pontos percentuais no IPI de todos os veículos vendidos no país, fabricados aqui ou no exterior. Mas as montadoras que comprovarem empregar uma parcela de seu faturamento em inovação, engenharia e tecnologia industrial básica, inscreverem seus carros no programa de etiquetagem do Inmetro (que compara o consumo de combustível e dá notas de desempenho) e priorizarem a compra de peças, material produtivo e ferramental no Brasil poderão anular a sobretaxa. Quem bater a meta de investimentos – que vai de 0,65% em 2013 a 1,5% em 2017 – conseguirá, inclusive, deduzir dois pontos percentuais extras do IPI. Ninguém garante, no entanto, que esse desconto será repassado ao consumidor. Analistas afirmam que a Anfavea é uma entusiasta da nova política porque boa parte das fábricas instaladas no Brasil já estaria enquadrada nessa cota de investimentos. Poderão reduzir custos sem nenhum esforço. Quando o projeto foi anunciado, Belini, presidente da entidade, o classificou como “brilhante”. A questão é que essas medidas não atacam os problemas estruturais que emperram o setor no país.
O Brasil é o sétimo do mundo em produção e o quarto maior mercado em consumo de automóveis. Está atrás da China, dos Estados Unidos e do Japão. Apesar disso, segundo Cardamone, da consultoria IHS Global Insight, é o único país entre os grandes fabricantes que ainda não tem uma lei de eficiência energética. Embora o governo federal estimule a adesão ao programa de etiquetagem do Inmetro, ele não será obrigatório para as montadoras que cumprirem os outros requisitos do novo regime automotivo. “A média de emissão de CO2 na Europa é de 130 gramas por quilômetro rodado. No Brasil é de 170”, diz Cardamone. “Além dos carros daqui poluírem mais, os brasileiros gastam 15% mais combustível. Quando olhamos o Citroën C3 brasileiro, é igual ao que se vende na Europa. Mas como a tecnologia é completamente diferente, lá ele faz 14 quilômetros por litro de gasolina. No Brasil faz a metade”. Pedro Kutney, editor do portal Automotive Business, dá outro exemplo: “O motor Sigma 1.6 com bloco e cabeçote de alumínio produzido pela Ford em Taubaté (SP), que equipa o New Fiesta, emite 168 gramas de CO2 por quilômetro rodado quando abastecido com gasolina”. Na Inglaterra, afirma Kutney, o mesmo carro emite 133 gramas por quilômetro porque o motor tem injeção direta de combustível e comando de válvulas de admissão variável.
A tendência é que diferenças desse tipo, no final das contas, se convertam em ganhos maiores para as montadoras. “Adaptações são realizadas para atender a demandas específicas dos diferentes mercados, perfis de uso e consumidores”, alegou a Honda, citada no início desta reportagem. Sobre o lucro, assim como outras montadoras, ela não se manifestou. Esse tema é evitado por uma simples razão: a margem de lucro no Brasil é bem maior do que no exterior. Segundo um estudo do banco de investimentos Morgan Stanley, é o triplo do que se vê nos Estados Unidos. “O resultado global de algumas montadoras de origem européia e asiática foi de 7% a 8% no ano passado”, afirma Paulo Petroni, da PwC. A participação do Brasil nesses balanços é importantíssima porque puxa os números para cima. “As filiais brasileiras são as que dão os melhores resultados. Boa parte da recuperação da Fiat mundial aconteceu por causa disso”, diz Mauro Zilbovicius, da USP. “As montadoras não podem se recusar a ganhar dinheiro”, afirma Luiz Carlos Mello, do CEA. “Elas não vão reduzir os preços porque estão preocupadas com a fome no mundo. Só o mercado é capaz de baixá-los”.
O preço de um bem tão caro quanto um carro não está relacionado necessariamente ao seu custo de produção. “Há uma variável importante que é o comportamento do consumidor”, diz o consultor André Belchior Torres, autor do livro Vendendo Sonhos – Manual de Formação do Vendedor de Automóveis. “Como carro no Brasil é um símbolo de status, as pessoas não estão tão preocupadas com o preço final. Querem mesmo é saber se as prestações cabem no bolso”. A expansão do crédito e o crescimento da renda foram dois fatores que ajudaram a melhorar o desempenho das montadoras nos últimos anos. Em 2005, eram necessários 79 salários mínimos para comprar um automóvel 1.0 no Brasil. No ano passado, 47 eram suficientes. “Quarenta e dois por cento da frota nacional é composta por carros populares”, afirma Flávio Meneghetti, presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). “Como o poder aquisitivo no país não é alto, as montadoras e concessionárias mantêm valores mais baixos para os carros básicos, de entrada, e vão oferecendo opcionais”. Nos modelos mais baratos, a inclusão de opcionais pode aumentar o preço em até 20%. É por essas e outras razões que o Brasil mantém a fama de vender os piores carros mais caros do mundo.
A falsa ameaça chinesa
A invasão de marcas chinesas, tão temida pelas montadoras brasileiras, não chegou a se concretizar. Pelo contrário. Estava bem longe disso quando, em setembro de 2011, o governo federal anunciou a elevação do IPI dos importados. Logo depois, para atrapalhar ainda mais os negócios dos asiáticos, veio a alta do dólar. O impacto foi forte. As vendas da Chery, uma das mais prejudicadas, recuaram 52% em um ano. As da JAC caíram 40%. “Vendemos atualmente 1.800 carros por mês, antes eram 3 mil. Tínhamos apenas 1% do mercado”, afirma Sergio Habib, dono da JAC Motors Brasil. “Foi um golpe inesperado. É muito complicado quando as regras são alteradas no meio do jogo”. Apesar do prejuízo, as duas empresas mantiveram a construção de fábricas no país. “Embora o custo Brasil seja alto, vale a pena investir em produção local”, diz Habib. A unidade da JAC, no Pólo Industrial de Camaçari, na Bahia, deve ser inaugurada no final de 2014. A da Chery, na cidade paulista de Jacareí, está prevista para o ano que vem.
“O país deve se tornar o terceiro maior mercado de automóveis nos próximos 5 anos”, afirma Marcel Visconde, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva). “Não faz sentido as marcas com alto volume de produção ficarem fora daqui”. Se os planos da JAC vingarem, a planta de Camaçari terá capacidade para 100.000 veículos por ano. Três modelos devem ser fabricados lá. Bom para o consumidor, que só tem a ganhar com o aumento da concorrência. Quando o J3, o modelo mais vendido pela JAC, entrou no mercado brasileiro, as montadoras locais foram obrigadas a baixar os preços de carros da mesma categoria para não perder espaço. Isso aconteceu no ano passado e coincidiu com a ampliação da participação chinesa nas importações. Os automóveis e comerciais leves provenientes da China representavam 2,2% do total das importações em 2010. Em 2011, essa proporção cresceu três vezes e meia. Saltou para 7,65% ou, em números absolutos, 65.344 unidades. Uma quantia que pode ser considerada irrisória num mercado de 3,4 milhões de veículos como é o brasileiro.
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