Ao desenvolver um anticorpo fluorescente que se ligava às estruturas g-quadruplex, os cientistas perceberam que ela estava presente em inúmeras células humanas (Jean-Paul Rodriguez e Giulia Biffi)
Mesmo sem entender o porquê de a hélice quádrupla aparecer, os cientistas preveem que ela pode ser um importante alvo para o desenvolvimento de novos tratamentos contra o câncer
Em 1953, os biólogos James Watson e Francis Crick publicaram na revista Nature uma pesquisa que alteraria para sempre o modo como a humanidade enxergava seu próprio corpo. Nela, os pesquisadores explicavam como se estruturava o DNA, a molécula que guarda a fórmula química responsável por cada detalhe dos seres humanos e de todos os outros seres vivos. Segundo os cientistas, ele seria formado por duas longas cadeias moleculares, grudadas uma a outra e enroladas em volta do próprio eixo – no que ficou conhecido como estrutura de dupla hélice.
Sessenta anos depois, um estudo conduzido por pesquisadores da mesma Universidade de Cambridge e publicado na revista Nature Chemistry, mostra que o DNA humano também pode se organizar em outro formato: uma hélice quádrupla.
Conheça a pesquisa
Onde foi divulgada: revista Nature Chemistry
Quem fez: Giulia Biffi, David Tannahill, John McCafferty e Shankar Balasubramanian
Instituição: Universidade de Cambridge, na Inglaterra
Dados de amostragem: Células humanas, atingidas com um anticorpo fluorescente que preparado para se ligar às estruturas g-quadruplex
Resultado: Os pesquisadores viram que a estrutura podia estar presente em várias partes do genoma humano, e durante várias etapas de seu ciclo de vida. No entanto, ela estava ainda mais presente perto da divisão celular, no momento em que o DNA estava se replicando.
A pesquisa mostrou que o DNA podia adquirir a nova configuração – chamada de G-quadruplex – em regiões com grandes quantidades de guanina, um dos quatro nucleotídeos que formam o genoma humano. Antes de ser encontrado em células humanas, o G-quadruplex havia aparecido nas teorias e nos tubos de ensaio dos cientistas. Estudos anteriores haviam conseguido montar esse tipo de estrutura em laboratório, a partir das peças que formam o DNA.
Além da hélice quádrupla, cientistas também haviam conseguido encontrar hélices triplas em algumas espécies de moscas. Mesmo assim, nenhuma dessas estruturas havia sido encontrada em seres humanos, e até duvidava-se de sua existência. Para a maioria dos pesquisadores, a dupla hélice parecia estar destinada a ser o único arranjo capaz de guardar as informações genéticas do Homo sapiens. Mas eles estavam enganados. "A pesquisa mostrou que o DNA não é uma estrutura estática: ele é dinâmico. É incrível que ele possa mudar de forma, até mesmo de número de hélices", diz Mayana Zatz, geneticista do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo.
Divisão celular – Para encontrar a estrutura nas células humanas, a equipe de pesquisadores criou um anticorpo fluorescente capaz de se ligar às estruturas G-quadruplex. Ao se juntar ao DNA, o marcador emitia um brilho de dentro da célula, permitindo aos pesquisadores verem o local exato onde a hélice quádrupla se encontrava. Os geneticistas descobriram a estrutura em diversas partes do genoma, e em diferentes fases de seu ciclo de divisão.
No entanto, as células brilhavam mais intensamente durante o período em que o DNA estava se replicando, momentos antes da divisão celular. Os pesquisadores não sabem exatamente por que a estrutura aparece mais durante esse período, nem se ela tem alguma função específica ou é um acidente que acontece durante o ciclo de vida de uma célula.
Mesmo sem entender o porquê de a hélice quádrupla aparecer, os cientistas preveem que ela pode ser um importante alvo para o desenvolvimento de novos tratamentos contra o câncer. Em um tumor, as células perdem o controle sobre seu próprio ritmo de divisão e começam a se multiplicar exponencialmente. Como as G-quadruplex estão mais presentes nesse exato momento de replicação, uma molécula sintética capaz de controlar seu surgimento poderia ter importante valor terapêutico. "Ainda não se sabe o quão comum as estruturas são nas células cancerosas. Se estiverem presentes em vários tipos de câncer, podem ser um importante alvo para a medicina", afirma Mayana.
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