►COMO VIVEM OS IRMÃOS DE LULA

A História de seis brasileiros que sofrem com o 

ônibus lotado, o desemprego e a violência, como a

 maioria da população, embora sejam da família 

do presidente da república

Alan Rodrigues e Frederic Jean (fotos)
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OS SILVA Pela primeira vez, Jaime (no alto), Marinete, Vavá, Maria, Frei Chico e Tiana revelam o que mudou em suas vidas com a chegada do irmão à Presidência da República
Uma parte do teto da sala da casa do marceneiro aposentado Jaime Inácio da Silva, 72 anos, está sem pintura. Morador da periferia de São Bernardo do Campo, ele vive com a família em um imóvel de dois quartos. Como a reforma já dura anos, foi surpreendido pelo desemprego da filha, Regina, antes de completar o acabamento. "A tinta acabou e não deu para comprar mais", desculpa-se ao visitante. Ele sabe de cabeça o preço de um saco de cimento, um metro cúbico de areia ou uma caixa de ladrilho hidráulico.
No Brasil, quatro em cada dez aposentados brasileiros não conseguem viver com o benefício que recebem do Estado. Jaime é um deles. Há 14 anos, ele complementa sua renda fazendo bicos. Até dezembro, saltava da cama às cinco da matina, sacolejava por uma hora e meia no ônibus lotado até chegar à capital paulista, onde trabalhava em uma empresa metalúrgica. Com a crise financeira, a firma diminuiu o ritmo da produção de peças e Jaime foi colocado em férias remuneradas. "A barra tá difícil", diz. Nos últimos dias, ele trocou a metalurgia pela máquina de costura e passou a ajudar Regina, costureira acidental.
Há pouco mais de seis meses, Jaime chegava do trabalho e foi rendido no portão por quatro assaltantes. Os homens o fizeram entrar e saíram de lá com a televisão - um dos poucos bens de valor da família, ao lado da máquina de costura. Com sacrifício, conseguiu comprar outro aparelho. Afinal de contas, trata-se de sua única diversão. E ele precisa, pois a distração é parte do tratamento de um câncer na garganta que o fez passar por 40 sessões de radioterapia. Jaime viveu seu drama sem jamais pedir nada ao homem mais poderoso do País - por acaso, seu irmão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por um simples motivo: aos olhos de muitas pessoas, a história de Jaime é um drama.
Mas a família de Lula aprendeu a conviver com as adversidades e a enfrentá-las. E elas, hoje, são muitas. "Lula foi eleito para resolver os problemas do Brasil e não da família Silva", resigna-se Jaime, sem citar que as duas coisas se confundem. Desde a ascensão de Lula ao poder, quase nada foi alterado no destino e na rotina dos seis irmãos do presidente. Na última semana, pela primeira vez, todos eles aceitaram receber em suas casas uma equipe de reportagem e ISTOÉ constatou que os outros filhos de dona Lindu e seu Aristides continuam a viver como brasileiros comuns. Da mesma forma que consideraram normal a morte, ainda na infância, de quatro irmãos e assistiram ao mais velho, Zé Cuia, sucumbir à doença de Chagas.
Anormal para eles é mesmo ser irmão de presidente. "É um inferno", diz José Ferreira de Melo, o Frei Chico. "Perdemos toda a nossa liberdade", reclama Genival Inácio da Silva, o Vavá, ex-metalúrgico e funcionário público aposentado da Prefeitura de São Bernardo. Todos têm orgulho da vitória de Lula, mas contam nos dedos os dias que faltam para chegar 2011 e têm horror de pensar em um terceiro mandato.
Ao contrário do que boa parte da população possa imaginar, ter um irmão no Palácio do Planalto, para eles, causa muito mais dissabor do que alegria. O melhor exemplo é o que aconteceu com Vavá. Em 2005, ele foi acusado pela Polícia Federal de montar um escritório de lobby para empresários atuarem em prefeituras petistas e na Esplanada dos Ministérios. Na época, a PF invadiu sua casa, juntou documentos e não encontrou nada que provasse a denúncia. "Até gostei, verificaram minha vida e viram que não tenho nada de sujeira", diz. "As pessoas não aceitam que os irmãos de Lula não tenham nada." Ele também sofre com problemas de saúde.
OS SILVA SE ORGULHAM DO PRESIDENTE, MAS RECLAMAM QUE PERDERAM A LIBERDADE
Nos últimos seis anos, passou por seis cirurgias - uma na coluna e cinco nas pernas para resolver problemas de circulação. Com dificuldades para caminhar, montou uma enfermaria na sala de casa. Vavá acredita que a saúde ele recupera logo, mas a liberdade só mesmo depois de o irmão deixar o poder. "Temos a vida vigiada, a gente vive grampeado", diz. O episódio da PF não trouxe só prejuízo a Vavá. Sua filha foi demitida do emprego porque o dono da firma em que ela trabalhava achou que a sobrinha do presidente dentro de sua empresa também poderia atrair a atenção de espiões. "Desde então, estou desempregada.
Estou ganhando a vida fazendo um trabalho para uma banda de música de forró. Mas sou especialista em tecnologia de informação", diz Andréa, que, como dois de seus primos e, diga-se de passagem, 9% da população brasileira, está procurando emprego.
Irmã mais velha do presidente, Marinete Leite Cerqueira, 70 anos, também atribui o desemprego da filha ao partido de Lula. "Esse menino do PT que assumiu a prefeitura (Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo) demitiu a minha filha. Agora ela está desempregada, tem 51 anos e precisa muito do emprego. Foi uma judiação", diz ela, enquanto pendura roupas no varal. Sua filha era comissionada e foi obrigada a ceder lugar a quem fez concurso. Além do desemprego da filha, Marinete está triste porque perdeu o marido recentemente.
Ele morreu de infarto dentro de casa. "Foi uma pena, estávamos acabando a reforma", conta ela, doméstica desde adolescente - trabalho que a deixou com problemas de coluna e a obriga a fazer RPG e sessões de acupuntura. Marinete está feliz, porém, com o filme Lula, o filho do Brasil. Apaixonada por televisão, sobretudo novelas, Marinete não se conteve quando ficou cara a cara com Glória Pires, que fará o papel de dona Lindu. "Eu não acredito que estou ao lado de você, Glória Pires! Não pode ser verdade", disse ela, como todo fã diante de um ídolo.
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"Lula não foi eleito para resolver os problemas da família Silva"
Jaime Inácio da Silva, 72 anos, marceneiro aposentado

Assim como Vavá, Frei Chico também clama por liberdade. "Tenho a sensação de viver pior que na época da ditadura. Você não pode sequer comprar um carro melhorzinho, reformar a casa ou viajar, que logo as pessoas vão falar: 'Tá vendo, ele é irmão do Lula'", diz ele, que nunca vestiu uma batina e assumiu como apelido o codinome dos tempos de militante comunista.
Revoltado, Frei Chico continua o discurso: "O problema que ninguém sabe é que, no meu caso, junto veio um carnê de 48 prestações de 800 pratas." O carro melhorzinho é um Honda Civic, câmbio automático, ano 2005. Ele é o único irmão motorizado. "Se a filha do Fernando Henrique Cardoso, que recebia salário de mais de R$ 7 mil do Senado sem aparecer no trabalho, fosse de nossa família, a desgraça estava feita", critica Frei Chico, metalúrgico aposentado e responsável pela entrada de Lula no sindicalismo.
Assim como Marinete, ele também sofre com dores na coluna e quinzenalmente pratica sessões de RPG. Todos os dias faz caminhada e uma parada obrigatória para tomar café e fumar um cigarro com motoristas de táxi no ponto da igreja matriz da cidade. Como um bom político, cumprimenta a todos com bom humor e brincadeiras. Tem um sonho para assim que o irmão deixar a Presidência: "Como comunista, quero ir a Cuba com minha família. Já até recebi convites, mas, se eu aceitar, no outro dia o mundo cai."

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"Esse menino do PT que assumiu a prefeitura demitiu a minha filha"
Marinete Leite Cerqueira, 70 anos, dona de casa

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"As pessoas não aceitam que os irmãos de Lula não tenham nada"
Genival Inácio da Silva, o Vavá, 69 anos, metalúrgico aposentado

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"Como comunista, quero ir a Cuba. Se aceitar um convite, o mundo cai"
José Ferreira de Melo, o Frei Chico, 67 anos, metalúrgico aposentado

Entre os Silva, a irmã Maria Ferreira Moreno, a "Maria Baixinha", é a que mais preocupa a todos, principalmente o presidente Lula. Como 70 milhões de brasileiros, Maria tem problemas com a obesidade e já chegou a pesar 80 quilos - perdeu 17. No começo do mandato do irmão, quando ela apostou com a apresentadora Ana Maria Braga que perderia 15 quilos em três meses, perdeu dois a mais e ganhou um automóvel Corsa como prêmio.
O carro foi dado de presente ao filho, que trabalha como caminhoneiro. Há cinco anos, Maria perdeu o marido e entrou em depressão profunda, voltou a engordar e chegou aos 94 quilos, mais que excessivos para quem mede apenas 1,38 m. "Comia uma torta doce de dois quilos na madrugada", revela. Além da obesidade, teve hipertensão e diabete. Há três anos, Maria resolveu fazer uma cirurgia de redução de estômago e perdeu 44 quilos.
Quando pensou que seus problemas de saúde estavam sob controle, há 11 meses, recebeu o diagnóstico de câncer de mama. O choque com o resultado voltou a balançá-la emocionalmente e, desde então, vive praticamente em reclusão. Tem evitado até a família. Perdeu mais dez quilos.
Com apenas um filho, Maria é quem mais conversa com o presidente. "Toda semana nos falamos e ele vem muito a minha casa", conta. Maria vive da aposentadoria do marido e mora numa edícula de um quarto nos fundos da casa do filho e da nora. Além da quimioterapia, ela terá que se submeter a uma cirurgia no ombro esquerdo nos próximos dias, por causa de uma queda em casa. "A prótese que eu tinha colocado por causa de uma bursite saiu do lugar", conta.
Aos 59 anos, a caçula dos Silva, Tiana, também teve uma das filhas demitida depois que o irmão chegou à Presidência. "Minha filha foi demitida do trabalho assim que o Lula ganhou a eleição. O chefe dela não quis ter a sobrinha do presidente dentro de sua empresa", lamenta. A moça é outra costureira na família Silva, pois ainda não conseguiu emprego.
SÓ UM IRMÃO DE LULA TEM CARRO, TODOS MORAM EM CASAS SIMPLES E TRÊS SOFREM COM DOENÇAS GRAVES
Bemhumorada, apesar de tudo, Tiana conta aos visitantes a maior curiosidade de sua biografia. Seu nome, na certidão, é Ruth. Quando foi registrada, o funcionário do cartório achou o nome Sebastiana, dado por dona Lindu, muito feio, e mudou sem falar nada a ninguém. A mãe, analfabeta, nem percebeu a troca.
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"Toda semana nos falamos e o Lula vem muito a minha casa"
Maria Ferreira Moreno, 66 anos, dona de casa

Apesar da boa conversa, Tiana detesta aparecer e odeia fotos. Natural para quem leva a sua vida de trabalhadora e, de jeito nenhum, gostaria de ser reconhecida na rua. Faz tudo pelo anonimato. Servente em uma escola do Estado, na periferia da capital, Tiana pega o ônibus às cinco da manhã todos os dias para, no fim do mês, como outras 18 mil agentes escolares, receber pouco mais de R$ 600.
Há pouco tempo, na agitação da cozinha da escola, Tiana escorregou na comida que os alunos deixaram cair no chão e caiu, quebrando o tornozelo. Só na última semana abandonou a bengala e começou a fazer fisioterapia. Assim como 90% das mulheres brasileiras, Tiana ainda dá duro com a dupla jornada de trabalho. Ela deixa o serviço e continua a rotina de dona de casa, principalmente cozinhando. Mas não reclama de nada. "Essa é a vida como ela é", diz. Pode ser. O certo é que é a vida dos Silva.
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"O chefe de minha filha não quis ter a sobrinha do presidente na empresa"
Tiana, 59 anos, merendeira

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