Notícia Absurda: Estudo Incrimina Carnitina da Carne Vermelha

Nem mesmo a mais prestigiosa revista médica do mundo, a Nature Medicine, está isenta de publicar ciência junk! É o caso do artigo publicado em 7 de abril de 2013 no periódico, “mostrando” que a carnitina da carne vermelha contribui para provocar doença cardiovascular através do metabolismo dessa carnitina pela nossa flora bacteriana para formar  uma substância nociva conhecida como TMAO (óxido de trimetilamina).
A mídia do mundo inteiro, inclusive o super renomado The New York Times, repercutiu imediatamente o artigo, acrescentando a mensagem de que a carne vermelha é um produto nocivo à saúde, a ser evitado a qualquer custo.
No entanto, os meus queridos leitores, sempre exigentes e altamente qualificados, merecem uma explicação sobre o que, exatamente, tal conclusão possui de absurdo e desconexo com a realidade. 
Vamos, primeiramente, entender o que mostram os autores do estudo:
1) Os autores mostram que a ingestão de um bife de carne vermelha aumenta os níveis sanguíneos e urinários de óxido de trimetilamina (TMAO), ao passo que o mesmo bife não produziu esse mesmo efeito quando ingerido por um voluntário vegano (veganos são vegetarianos que, além de não comer carne, excluem também de sua dieta ovos, peixes, leite e derivados como manteiga, iogurte e queijo, além de quaisquer produtos que, embora não sejam de origem animal, tenham sido processados através do uso de produtos de origem animal) que eles convenceram a participar do estudo e se voluntarizar a ingerir o bife.
2) Além disso, os autores mostram que suplementos de carnitina resultaram em aumento do TMAO em 5 indivíduos onívoros (onívoros somos o restante de nós, indivíduos que comem todos os nutrientes que a natureza oferece através da cadeia alimentar – a palavra vem do latim omnis = tudo e vorus = devorar), mas não em 5 vegetarianos e veganos.
3) Mostrou também que os níveis basais de TMAO encontravam-se mais elevados em 30 onívoros que em 23 vegetarianos e veganos, assim como a quantidade de certas cepas de bactérias intestinais.
4) Mostrou, além disso, que a administrção de antibióticos para esses oínvoros com a finalidade de eliminar essas cepas resultou na supressão dos níveis de TMAO, o que então demonstraria o papel da flora intestinal na geração da substância.
5) A concentração de TMAO e carnitina no plasma sanguíneo foi correlacionada com aterosclerose, e os autores demonstraram que a suplementação de carnitina provocou aterosclerose em certas ratas geneticamente selecionadas (por técnicas de engenharia genética) para serem extremamente predispostas a essa doença, mas não quando essas mesmas ratas foram mantidas sem flora intestinal às custas de antibióticos.
O estudo contém, também, uma série de elocubrações sobre metabolismo, porém tais elocubrações não possuem nítida relevância na saúde humana ou animal (ao menos naqueles animais que são produtos da natureza e não da engenharia genética).
Até aí, tudo bem.
Mas um dos maiores problemas do artigo e sua repercussão na imprensa são as conclusões sem pé nem cabeça, a partir dos achados acima, no sentido que a carne vermelha contribuiria para doenças do coração graças à geração do famigerado TMAO, e a inferência ainda mais bizarra de que nós deveríamos comer menos carne vermelha por esse motivo.
Primeiro, antes de mais nada e “de cara”, vamos informar algo útil para o entendimento da situação: acontece que não só a carne vermelha, mas um sem-número de alimentos (incluindo dezenas de verduras, legumes, castanhas etc – que não contêm carnitina), quando ingeridos, aumentam os nossos níveis de TMAO na mesma magnitude que a carne. E que a carne não se destaca, nem de longe, entre os alimentos até hoje estudados capazes de aumentar o TMAO!
Um estudo anterior, realizado em 6 voluntários e publicado no Food and Chemical Toxicology, volume 37, número 5, páginas 515-520, intitulado Dietary Precursors of Trimethylamine in Man: A Pilot Study, mediu a produção de trimetilamina e óxido de trimetilamina (o famigerado TMAO) após o consumo de nada mais, nada menos que 46 (quarenta e seis) alimentos (compare com o artigo da Nature Medicine, que registrou os dados de apenas um alimento, a carne vermelha, fornecido a dois voluntários para medir excreção urinária e seis para medir níveis plasmáticos de TMAO). 
O estudo publicado no Food and Chemical Toxicology é de alta relevância porque demonstrou que a ingestão de alimentos ricos em carnitina, como a carne vermelha, não gera quantidade maior de TMAO no organismo que qualquer fruta ou verdura das mais comuns, ingeridas na mesma quantidade. Já no tocante aos peixes e frutos do mar, o estudo revelou um aumento muito maior de TMAO (estatisticamente significativo) que as demais dezenas de alimentos de origem vegetal estudados, os quais – repito -, após ingeridos, não apresentaram diferença estatisticamente significante na quantidade de TMAO gerada no organismo. 
Aliás, se deixássemos por um momento de lado a significância estatística e olhássemos apenas para os números encontrados, veríamos que alimentos como cenoura, couve-flor, soja, ervilha e amendoim geraram mais TMAO no organismo que a carne vermelha! Pode-se concluir, portanto, que não existe qualquer evidência científica de que a carne vermelha produza mais (ou menos) TMAO que qualquer uma das dezenas de frutas e verduras que foram testadas, e que não contêm carnitina.
No entanto, o artigo da Nature Medicine não faz qualquer menção aos peixes e frutos do mar, e a grande mídia, quando fala no peixe nesse contexto, só o faz para apontar que “peixe tem menos carnitina que carne vermelha”, dando a entender que peixe, portanto, geraria menos TMAO, o que, como vimos, é uma total inverdade.
Mais ainda: se fosse o caso de “culpar” a carne vermelha como “fonte geradora de TMAO no organismo”, precisaríamos também indicar outros alimentos pelos quais pudéssemos substituir essa carne, e que gerassem quantidade menor de TMAO. No entanto, dos alimentos até hoje estudados, entre uma grande variedade de verduras, frutas e peixes, concluiu-se que simplesmente não existe nenhum capaz de gerar quantidade significativamente menor de TMAO no organismo, que a carne vermelha!
Então, por que será que implicaram só com a carne?
Pense.

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