Cerco aos hackers
A PF segue no encalço dos criminosos que violaram as conversas mantidas entre o ex-juiz Sergio Moro e integrantes da Lava Jato. Pistas estão sendo seguidas no Brasil e no exterior, e os policiais acreditam estarem próximos de alcançar os cabeças do grupo.
20/06/19 -
19h00
Desde que o site The Intercept Brasil revelou as
trocas de mensagens privadas entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e os
procuradores da Lava Jato em Curitiba, o Brasil acompanha apreensivo à
divulgação, em doses homeopáticas, do teor das interceptações – fruto da
violação de celulares de autoridades brasileiras. O constrangimento ao qual
foram expostos os integrantes da Lava Jato e o ex-juiz que se tornou símbolo do
combate à corrupção no País pode mudar de lado. A Polícia Federal planeja-se
para, nas próximas semanas, tentar emitir uma contundente resposta ao que
classifica de ação orquestrada perpetrada por criminosos de alto calibre. Sob a
coordenação do diretor-geral Maurício Valeixo, a PF acredita ter se aproximado
dos hackers que invadiram a privacidade dos procuradores e expuseram as
vísceras da Lava Jato. Em investigações preliminares, os agentes da Polícia
Federal já identificaram conexões no Brasil, em especial em Santa Catarina, e
no exterior, com o suposto envolvimento de agentes na Rússia e até em Dubai,
nos Emirados Árabes. Segundo agentes ouvidos por ISTOÉ, a PF pode estar perto
de alcançar os responsáveis pelo hackeamento ilegal, o que, se confirmado,
constituiria uma bomba capaz de provocar uma reviravolta no caso.
NA
NUVEM O ministro Sergio Moro saiu-se
bem na sabatina do Senado na quarta-feira 19. Deltan Dallagnol (ao lado)
comemorou (Crédito:Divulgação)
“Há um movimento claro para anular
condenações e impedir investigações”
“Um grupo organizado se valeu de métodos
criminais para a quebra do sigilo de autoridades” Sergio
Moro, ministro da Justiça
As pistas da principal linha de investigação levam
à Rússia. É onde reside o americano Edward Snowden, notório aliado do
jornalista Glenn Greenwald, dono do site The Intercept Brasil. Em 2013, Snowden
se aproximou dos irmãos bilionários Nikolai e Pavel Durov, que criaram o
Telegram, um sistema de comunicação por mensagens similar ao Whatsapp. A PF
suspeita que Snowden possa estar por trás do esquema de bisbilhotagem e
divulgação das mensagens de membros do Ministério Público Federal.
Recentemente, Snowden elogiou o Telegram por sua resiliência na Rússia, depois
que o governo proibiu o aplicativo e pressionou para que liberasse o acesso às
mensagens privadas dos usuários. Na PF, há quem acredite que o americano
refugiado na Rússia possa ter se valido de recentes contatos com os Durov para
ter acesso aos diálogos envolvendo as autoridades brasileiras.
Condinome: “lucky12345”
A partir da investigação sobre os passos de
Snowden, informantes do Brasil na Rússia puxaram um outro fio do novelo: o que
leva a Evgeniy Mikhailovich Bogachev, de 33 anos. Criador do vírus Cryptolocker
e do ardiloso código Zeus, ele é procurado pelo FBI americano por crimes
cibernéticos. Um rastreamento identificou que Slavic ou “lucky12345”, como é
conhecido, teria recebido US$ 308 mil em bitcoins (a moeda virtual). Resta
saber se o depósito foi realmente a contrapartida financeira por ele ter
participado do processo de quebra do sigilo telefônico dos procuradores. O
dinheiro teria circulado pelo Panamá antes de chegar a Anapa, na Rússia, onde
foi transformado em rublos. Na última semana, o nome do agente russo veio à
tona pela primeira vez através de um perfil anônimo no twitter. Embora
parecesse inverossímil num primeiro momento, por conter erros de grafia e
tradução, ISTOÉ confirmou que a PF segue sim o rastro da pista, considerada
importante pelos agentes hoje à frente do caso. Em especial, pelos indícios de
que Slavic, uma espécie de laranja no esquema, possa estar ligado a Snowden. Um
relatório de segurança da Ucrânia aponta que “lucky12345” atua sob a supervisão
de uma unidade da espionagem russa.
Mas por que os bilionários irmãos Nikolai e Pavel
Durov, do Telegram, se aliariam a Snowden e Slavic na tentativa de
desqualificar a principal operação de combate à corrupção da história recente
do Brasil? Agentes da PF colheram informações que os levam a crer que os Durov,
atualmente abrigados em Dubai, podem ter agido com motivações puramente
ideológicas. Adeptos do islã, eles teriam ficado enfurecidos com a proverbial
predileção do presidente Jair Bolsonaro por Israel em detrimento aos árabes. Em
abril, depois de recebido com honras pelo premiê Benjamin Netanyahu, o
presidente anunciou a criação de um escritório de negócios em Jerusalém “para a
promoção de comércio, investimentos e intercâmbio” bilaterais. Netanyahu saudou
a abertura de um gabinete brasileiro na cidade e pediu que aquele fosse o
primeiro passo para a abertura da embaixada brasileira em Jerusalém – o que
provocou a ira dos islâmicos e, consequentemente, dos Durov. Bolsonaro, ao alcançar
o poder, foi o principal beneficiário da Lava Jato, conduzida por Moro.
Desmoralizar o juiz e a Lava Jato significaria enfraquecer o bolsonarismo e
trazer a esquerda lulista de volta ao jogo. Confirmada a tese, Greenwald teria
sido a ponta final da operação comandada pelo trio Snowden, Slavic e Durov.
Não
custa lembrar que Greenwald e Snowden foram parceiros num trabalho desenvolvido
em 2013 e que expôs dados secretos da Agência de Segurança Nacional (NSA), do
governo dos EUA. O material interceptado por Snowden, também de forma ilegal,
foi divulgado por Greenwald no jornal inglês The Guardian e em outros jornais
pelo mundo afora, como O Globo, no Brasil. Graças aos documentos vazados, o
jornalista ganhou os prêmios Pulitzer e Esso. Pressionado a divulgar detalhes
de sua operação, Snowden acabou se asilando na Rússia, onde passou a ser
protegido pelo presidente Vladimir Putin. Enquanto que Greenwald se refugiou no
Brasil, casando-se com o brasileiro David Miranda, atual deputado federal pelo
PSOL e acabou fixando residência no Rio de Janeiro, de onde opera o The
Intercept Brasil. Atualmente, Snowden é presidente da Freedom of the Press
Foundation. Um dos co-fundadores é Greenwald. Na última semana, a PF considerou
realizar uma operação de busca e apreensão dos computadores do dono do The
Intercept e conduzi-lo para prestar depoimento, mas fontes ligadas ao ministro
entenderam que esse fato poderia transformar o jornalista em mártir e o governo
ainda corria o risco de ser acusado de cercear a liberdade de imprensa.
Trabalho de profissional
Algo
é certo: a PF já sabe que o acesso ilegal ao aplicativo Telegram dos
procuradores não foi realizado por amadores. “Não foi uma ação de um
adolescente por trás de um computador. Tratou-se de um trabalho feito por uma
organização criminosa altamente especializada”, endossou Moro em depoimento que
prestou no Senado na quarta-feira 19. De fato, segundo fontes da PF, o trabalho
de hackers na quebra de sigilo de celulares e computadores foi coisa de
profissional. Além de envolver equipamentos caríssimos que alcançam a casa dos
milhões de dólares, fogem completamente do padrão de hackers de menor poder
destrutivo, conhecidos como “defacements”, que se notabilizaram por fazer as
chamadas “pichações políticas” em sites e organizar malfadados ataques a
transações bancárias. No dia 4, o suposto hacker tentou se passar pelo ministro
da Justiça enviando uma mensagem a um funcionário do gabinete de Moro, depois
de ativar uma conta no Telegram.
Sem descartar as pistas que surgem pelo caminho, na
última semana, a PF adicionou uma organização criminosa que operava em Santa
Catarina ao rol dos suspeitos. Na terça-feira 18, a PF desencadeou a operação
“Chabu” (vulgo “deu errado”) em Florianópolis, com o cumprimento de sete
mandados de prisão e 23 de busca e apreensão. O objetivo foi a desarticulação
de uma quadrilha que vinha quebrando sigilos de autoridades no estado para o
vazamento de operações policiais e ações de órgãos públicos. Para a PF, a
quadrilha pode estar envolvida na operação de hackeamento dos celulares dos
procuradores do Paraná.
Para a PF, Nikolai e Pavel Durov, do Telegram, teriam se aliado a Snowden, Slavic
e Greenwald por razões ideológicas
Entre
os presos, está o delegado da PF Fernando Amaro de Moraes Caieron e o policial
rodoviário federal Marcelo Roberto Paiva Winter, ambos especializados em crimes
cibernéticos e tráfico de drogas. Foram presos ainda o prefeito de
Florianópolis, Gean Loureiro (sem partido), e o ex-chefe da Casa Civil Luciano
Veloso Lima. Todos eles utilizavam a estrutura da empresa Nexxera, de
tecnologia, para cometer as ilegalidades. Segundo fontes ligadas ao
diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, a análise dos documentos apreendidos
será decisiva para apontar a existência do elo do grupo com os hackers da Lava
Jato. Assim como a conexão Brasil-Rússia-Dubai, o elucidamento do caso parece
estar próximo. Quem acompanha as investigações assegura: se os indícios
encontrados até agora se confirmarem, a PF estará bem perto mudar o rumo do
rumoroso episódio que monopolizou as atenções dos brasileiros nas últimas
semanas.
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