Eu não gosto muito
da frase “eu te disse”, mas em algumas ocasiões não há frase melhor para ser
utilizada.
Um dia depois da
edição da Deliberação 185 ser editada, já havia dito que o ato administrativo
era ilegal e não poderia gerar efeitos já que alterava prazos estabelecidos em
Lei, o que não pode ser feito por uma simples decisão do presidente do CONTRAN.
Pois bem.
A Justiça Federal,
julgando o Mandado de Segurança impetrado pela TRANSERP EMPRESA DE TRÂNSITO E
TRANSPORTE URBANO DE RIBEIRÃO PRETO S/A, concedeu liminar determinando que os
efeitos dos artigos 4º e 5º, inciso I, da Deliberação 185, além da Deliberação
186 em sua integralidade, fossem suspensos.
Mas quais serão os
efeitos práticos dessa decisão?
Primeiramente, vale
dizer que a decisão só produz efeitos para a cidade de Ribeirão Preto,
entretanto, diversos outros municípios devem seguir na mesma direção, já que
não querem amargar prejuízos maiores do que aqueles que já estão tendo com a
interrupção das notificações.
Permanecendo da
forma como está, tanto o administrado quanto administração sofrerão prejuízos,
entretanto, o administrado arcará com a maior parte, já que o ônus financeiro
recairá apenas contra ele.
APRESENTAÇÃO DE
CONDUTOR FORA DO PRAZO
O prazo de quinze
dias para identificação de condutor infrator ficou interrompido a partir do dia
19 de março de 2020. Isso quer dizer que todos os proprietários de veículo
automotor que poderiam apresentar condutor, mas que não enviaram o formulário
pelo correio, serão considerados como responsáveis pela infração cometida.
Entretanto, duas
medidas podem ser utilizadas para minimizar as consequências dessa situação:
1. Pedido de Revisão
do Ato Administrativo
Como a
circunstância que originou a falta de apresentação de condutor foi motivada por
falha administrativa do CONTRAN, que legislou sobre tema notadamente
incompetente, o administrado não pode e não deve sofrer as sanções derivadas
desse ato administrativo viciado, sendo justificável o pedido de apresentação
tardia do condutor infrator, proposto diretamente à autoridade de trânsito
responsável pela aplicação da penalidade.
Para tanto, o
pedido deve ser fundamentado no artigo 65, da Lei 9.784, que diz:
Art. 65. Os
processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a
qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou
circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção
aplicada.
Outrossim, a intenção
do CONTRAN, embora totalmente desprovida de legalidade, foi evitar aglomerações
nos órgãos administrativos de trânsito, devido à pandemia que se abateu sobre o
mundo por causa da COVID-19.
Assim, sendo um
motivo de força maior, é perfeitamente possível o pedido de apresentação de
condutor tardiamente, invocando a suspensão (e não interrupção) do prazo
administrativo com base no artigo 67, da mesma Lei:
Art. 67. Salvo
motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se
suspendem.
Logo, terminada a
quarentena e retornando à normalidade os atendimentos nos órgãos de trânsito, o
cálculo do término da apresentação de condutor deve levar em consideração:
1. A data de
Interrupção dos Atendimentos (IA), que por regra deve ser a mesma data da
Deliberação 185, qual seja dia 19 de março;
2. A data limite para
Apresentação de Condutor (AC).
Assim, o prazo
final menos o prazo de interrupção do atendimento será a data limite que o
proprietário do veículo terá para apresentar o condutor infrator, tão logo
sejam retomados os serviços de atendimento ao público.
Por exemplo:
A data limite para
apresentar condutor era 26 de março de 2020. Levando em consideração que o
atendimento nos órgãos públicos foi interrompido pelo CONTRAN em 19 de março,
restariam 8 (oito) dias para o proprietário apresentar o condutor, tão logo
retorne o atendimento no órgão autuante.
2. Pedido de
Apresentação Judicial de Condutor Infrator
Para quem já fez o
curso “Prática Forense no Direito de Trânsito”, da Academia do Direito de Trânsito,
essa ação judicial não é nenhum segredo, já que no curso é ensinada toda a
técnica de apresentação tardia do condutor infrator, tanto na esfera
administrativa quanto na judicial.
Para quem não fez,
basta saber que é perfeitamente possível impetrar ação de apresentação de
condutor infrator na esfera judicial, posto que o prazo oferecido pelo órgão de
trânsito é meramente administrativo, não havendo óbices para o reconhecimento
do real infrator, desde que preenchidos os requisitos legais.
Portanto, caberá
aos especialistas em Direito de Trânsito analisarem cada caso concreto para
decidir qual via poderá utilizar para evitar prejuízos aos proprietários de
veículos que foram autuados e notificados para apresentar condutor.
TRANSFERÊNCIA FORA
DO PRAZO DE 30 DIAS
A compra e venda de
veículo atrai duas regras de responsabilidades previstas nos artigos 123 e 134,
do Código de Trânsito Brasileiro, quais sejam as obrigações de transferir o
veículo dentro do prazo de 30 (trinta) dias e comunicar a venda do veículo no
mesmo prazo.
Entretanto, a
Deliberação 185 tratou de apenas uma obrigação, deixando indeterminando o prazo
para a transferência do veículo, mas se omitindo em relação à comunicação de
venda (art. 134).
Portanto, quem
vendeu e não comunicou a venda ao DETRAN dentro do prazo legal, será
responsabilizado pelas infrações cometidas após a venda, até o momento em que a
transferência do veículo for efetivada pelo comprador ou realizar a comunicação
da venda.
Para quem adquiriu
o veículo, voltam a valer as regras contidas no artigo 233, do Código de
Trânsito Brasileiro:
Art. 233. Deixar de
efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo
de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no art. 123:
Infração – grave;
Penalidade – multa;
Medida
administrativa – retenção do veículo para regularização.
Entretanto,
conveniente dizer que diferentemente da apresentação de condutor, as multas
geradas pela transferência fora do prazo não necessitarão de pedido de revisão
do ato administrativo, já que a penalidade só será imposta após a dupla
notificação obrigatória.
Logo, em qualquer
uma das fases de defesa prévia ou recurso à JARI, um pedido de cancelamento da
autuação com base no ERRO ADMINISTRATIVO promovido pelo CONTRAN será suficiente
para arquivar a penalidade, desonerando o proprietário da penalidade de multa.
Vale lembrar que,
para os infratores que não apresentarem defesa ou recurso, a penalidade será
aplicada e vinculada ao licenciamento do veículo, tornando-se obrigatória.
A EXPEDIÇÃO DA
NOTIFICAÇÃO FORA DO PRAZO DE 30 DIAS
De outro lado, a
administração pública também sofrerá as consequências dessa decisão da justiça.
Como desde o dia 19
de março os órgãos de trânsito não estão mais expedindo as notificações de cometimento
das infrações, todas as notificações encaminhadas fora do prazo de 30 (trinta)
dias deverão ser declaradas nulas, com base no artigo 281, do Código de
Trânsito Brasileiro:
Art. 281. A
autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e
dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e
aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O
auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I – se considerado
inconsistente ou irregular;
II – se, no prazo
máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
Ao contrário dos
proprietários de veículos, os órgãos de trânsito não poderão argumentar motivo
de força maior para a não expedição das notificações.
Isso porque, cabe à
administração pública encontrar formas de cumprir a Lei e não formas para
eximir-se do cumprimento da Lei.
Lembrando que um
dos princípios que regem a administração pública é justamente da legalidade,
insculpido na Constituição Federal em seu artigo 37:
Art. 37. A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
Logo, o prazo
contido no artigo 281 do CTB somente poderia ter sido interrompido para os
órgãos de trânsito componentes do Sistema Nacional de Trânsito por intermédio
de uma Medida Provisória, alterando o dispositivo legal.
Não há, ao meu ver,
portanto, qualquer possibilidade de serem considerados válidas as notificações
expedidas fora do prazo e fundamentadas na Deliberação 186, do CONTRAN.
CONCLUSÃO
Há muito tempo os
profissionais que atuam com o Direito de Trânsito têm suportado os atos
praticados pelo CONTRAN, alterando, criando ou interpretando dispositivos
legais sem que tenha competência para tanto.
É visível que, da
forma como foram editadas as Deliberações 185 e 186, os transtornos ocasionados
pela interrupção dos prazos e a confusão que se abateria sobre os órgãos de
trânsito seria inevitável.
A decisão da
Justiça Federal está corrigindo parte dessa confusão, mas a desordem está longe
de acabar, pelo contrário, está apenas começando.
Por isso,
necessário antever as consequências para poder preparar, da melhor forma
possível, as ações que serão adotadas por nós, profissionais que atuam
diretamente nessa área.
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