Vinícius, do Palmeiras, sai de campo desolado depois do empate com o Flamengo, que selou o rebaixamento da equipe paulista. O jovem jogador marcou o único gol palmeirense no jogo (Cesar Greco/Fotoarena)
A truculência das organizadas fez a equipe ficar acuada -
e mais sujeita a falhar
Na hora de tentar explicar o rebaixamento do Palmeiras, no domingo, os jogadores da equipe paulista falaram várias vezes em azar. Em várias partidas decisivas, lembraram eles, o time até ia bem, encarava o adversário de igual para igual e ficava próximo da vitória, mas acabava falhando em lances individuais, tanto na defesa como no ataque.
As deficiências técnicas do próprio time ajudam a explicar isso, evidentemente. Mas é certo também que boa parte do problema era a situação de extrema pressão a que os atletas foram submetidos, principalmente em função da truculência dos integrantes das torcidas organizadas do clube.
Não é exagero dizer que os vândalos que depredaram o clube, fizeram ameaças e passaram do limite em suas cobranças são, também, responsáveis pelo rebaixamento - até porque a perda de mandos de campo na reta final do campeonato, causada justamente por eles, foi um fator decisivo para a queda. Ao invés de jogar no Pacaembu, o time teve de rodar pelo interior de São Paulo, decidindo seu futuro longe de casa - e, portanto, ainda mais fragilizado e sem confiança.
A violência de parte da torcida sempre esteve entre as principais preocupações de jogadores, comissão técnica e dirigentes do clube. Nem mesmo a conquista da Copa do Brasil, em meados deste ano – o primeiro título relevante da equipe alviverde em mais de uma década –, aplacou as frustrações de muitos torcedores.
Diante do iminente rebaixamento para a série B do Campeonato Brasileiro, o clima de tensão no Parque Antártica se intensificou nas últimas semanas. Dos xingamentos, os torcedores passaram às ameaças - e, depois, às pichações e depredações.
Durante semanas a fio, os jogadores incumbidos de salvar o clube de uma situação delicadíssima viveram um drama. Eles não só precisavam render mais do que eram capazes - para se livrar, o Palmeiras precisaria de aproveitamento de pontos digno de equipe campeã - como também lidar com o clima insuportável criado pelas organizadas.
Acuados e temendo pelo pior, os jogadores tiveram uma postura elogiável: encararam a pressão e jogaram com muito empenho e raça, inclusive os muito jovens, que mal tinham estreado pela equipe principal.
Ainda assim, é inegável que, por culpa dos torcedores mais radicais, os atletas não tiveram a calma e a concentração necessárias para render o máximo em campo. Perder uma oportunidade clara de gol ou vacilar feio na zaga são coisas que acontecem com qualquer jogador - vide o pênalti bisonho cobrado por Neymar no último jogo da seleção brasileira. Quando o atleta teme até pela segurança de sua família, a probabilidade de isso ocorrer se multiplica.
Na opinião de Suzy Fleury, psicóloga especializada em trabalhar a parte emocional de jogadores, a hostilidade vinda das arquibancadas ultrapassou a barreira da pressão psicológica e avançou contra a integridade física dos atletas. "A violência dos torcedores extrapolou os limites legais e se tornou caso de polícia, coisa de bandidagem", afirma a especialista, que já trabalhou na seleção brasileira e no próprio Palmeiras.
Porta da loja do Palmeiras foi pichada após derrota em clássico. No mesmo jogo, torcedores arremessaram cadeiras no gramado do Pacaembu, fazendo com que o time perdesse a chance de jogar em casa
Enfrentamento - Para a psicóloga, o torcedor é tão fanático que não analisa as circunstâncias do jogo - só o resultado do placar interessa. Com isso, ele perde a noção dos limites de suas cobranças.
"O problema é que a frustração é do mesmo tamanho da expectativa, e a raiva acaba vindo junto", explica. A psicóloga afirma que o atleta de alto rendimento tem de fazer o máximo para não se submeter a fatores extracampo, como a pressão de torcedores ou questões familiares, por exemplo. "O lado profissional precisa falar mais alto, independentemente do que aconteça, a favor ou contra."
Ela reconhece, porém, que a missão era bem mais dura no caso dos atletas palmeirenses - e lembra que o ônus do rebaixamento não deve pesar apenas sobre os jogadores. Na opinião dela, os problemas de gestão do clube impactaram diretamente no desempenho da equipe. "Houve muitas contratações e dispensas. Vários atletas foram contratados a peso de ouro e não renderam o esperado", destaca.
De acordo com Suzy Fleury, o comportamento dos torcedores brasileiros mudou nas últimas décadas, muito em função do aumento da rivalidade entre adversários tradicionais como Palmeiras e Corinthians. "Hoje, muitos torcedores ficam mais felizes em ver o desastre do adversário do que a vitória do próprio time", diz a especialista, que estuda a violência dentro e fora do campo há cerca de dez anos.
Diante dessa situação, os clubes precisam investir ainda mais na preparação emocional de seus jogadores, principalmente diante de situações decisivas vividas nas etapas finais dos torneios que disputam.
"É preciso aumentar a capacidade de enfrentamento do problema. Ou seja, focar nas chances de sucesso e 'fechar' o grupo diante de um objetivo", indica ela. "Mesmo quando está pressionada, uma equipe precisa tentar resolver o problema de forma racional e ter uma atitude mental positiva." Mas quando batalhões de vândalos ameaçam usar a violência para caçar culpados por uma eventual derrota, tudo isso fica muito mais difícil.
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