27/06/2013
às 18:52 \ Política & CiaPROTESTOS: Representação distorcida dos Estados — problema que deforma e prejudica seriamente a democracia no país — ficará fora do plebiscito
Sempre bem informado, o jornalista Ilimar Franco, de O Globo, adiantou alguns pontos da reforma política que poderão constar da consulta popular proposta pela presidente Dilma e que estariam sendo costurados por líderes da base parlamentar do governo e da oposição.
Segundo Ilimar, seriam cinco os itens que seriam debatidos na TV e submetidos a voto — embora, como lembrou Ricardo Noblat em seuexcelente blog, uma reforma política para valer devesse incluir bem mais que uma dezena de mudanças importantes.
Esse esboço do que seria o conteúdo da consulta conteria, então, como itens:
1. O eleitorado deve votar num candidato (no sistema distrital ou proporcional) ou num partido (sendo a lista de candidatos de cada partido elaborada pelas próprias direções partidárias)?
2. O financiamento das campanhas deve ser exclusivamente público, exclusivamente privado ou misto?
3. Deve haver coincidência geral de mandatos (presidente, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores) ou não?
4. As coligações de partidos (para eleições ao Congresso) devem ou não ser proibidas?
5. Deve ou não haver cláusula de desempenho ou de barreira (ou seja, se o partido, somados os votos de todos os seus candidatos ao Legislativo, não atingir determinado percentual mínimo do total de votos, poderá ou não ter representantes no Congresso)?
Após o voto popular, caberia ao Congresso, por meio de reformas da Constituição, quando for o caso, ou de leis, transformar a vontade da sociedade em novas regras eleitorais.
Como se vê, a lista — ainda a ser confirmada — é muito pobre em relação ao que se possa pretender de uma reforma política.
Onde está, por exemplo, a crucial questão do voto obrigatório? Na esmagadora maioria das democracias, o voto é facultativo, é um direito — vota quem quer. O voto obrigatório tende a levar eleitores desinteressados a votar desinteressadamente — sem se preocupar, especialmente nas eleições para o Congresso, com o currículo, as ideias e as propostas dos candidatos à Câmara e ao Senado.
A enorme repulsa aos políticos que ora se verifica no país se deve, em grande parte — é minha opinião — ao fato de que muitos deles foram eleitos de qualquer jeito, sem que boa parte dos eleitores nem se lembra em quem votou.
Mas o grande tema ausente nessa consulta de cinco pontos, se assim for, como parece, é outro: a enorme distorção que existe na representação popular dos Estados na Câmara dos Deputados.
Muita gente pensa que esse monstrengo jurídico vem do Pacote de Abril, as medidas de força baixadas na marra pelo general-presidente Ernesto Geisel em abril de 1977.
Engano. Os Estados estão desigualmente representados na Câmara dos Deputados desde a primeira Constituição republicana, a de 1891. O que as demais fizeram, sobretudo a de 1988, foi piorar uma situação que já era ruim.
Explico, e não é difícil de entender.
O Brasil adotou, segundo a Constituição, o sistema de representação proporcional.
Isso leva a crer que cada Estado deve ter, na Câmara dos Deputados, percentual de representantes idêntico a seu percentual da população do país, certo?
Certo, mas errado: a Constituição criou um absurdo ao estabelecer um teto, um máximo de representantes por Estado, que é de 70 deputados. O lógico seria não haver teto algum, e que os 513 deputados fossem distribuídos pelos Estados segundo o percentual da população de cada um na população brasileira.
Assim, por exemplo, se o Estado XXX tem 8% da população brasileira, deveria ter 8% dos 513 deputados — ou seja, 41 deputados.
Se São Paulo, com 42 milhões de habitantes que representam 21,6% da população do país, deveria contar com 21,6% dos deputados, ou seja, arredondando, 111 deputados.
O teto absurdo mantém esse total em 70.
Em compensação, a Constituição subiu de 3 para 8 o número MÍNIMO de deputados por Estado.
Dessa forma, criou-se, além da distorção para cima, com os Estados populosos, uma distorção para baixo.
Diferentemente do que muita gente imagina, não é o Nordeste o grande beneficiário dessa esperteza constitucional, embora, sim, haja na região Estados com representação maior do que deveria, como Sergipe e Alagoas.
O problema real, contudo, está em pequenos Estados do Norte e do Centro-Oeste.
Roraima, por exemplo, com apenas 470 mil habitantes, ou 0,2% da população do país, deveria contar com a representação mínima possível — 1 deputado. Mas sua bancada é de 8 deputados. O mesmo se dá com o Acre (0,4% da população), o Amapá (0,4% da população), Tocantins (0,7% da população) e Rondônia (0,8% da população).
Estão sobre-representados também Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal.
Em países mais sérios do que o Brasil, isso seria uma questão gravíssima, o ovo da serpente — o germe de conflitos graves, quem sabe até de uma guerra civil.
Aqui, porém, não acontece nada.
O fantástico é que quase ninguém toca no assunto, nem sequer os representantes do Estado atualmente mais prejudicado, São Paulo.
Não pensem, porém, vocês, amigos do blog, que se trata de um “problema paulista”. É um problema brasileiro que, no momento, atinge sobretudo o Sudeste-Sul que, com 60% da população, têm, em números redondos, 40% da representação na Câmara. No futuro, Estados como a Bahia e Pernambuco serão também prejudicados.
Estudo completo e interessantíssimo do cientista político Jairo Nicolau, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em sistemas eleitorais, mostrou que, ainda em 1994 — há quase vinte anos, portanto –, a proporcionalidade fajuta existente na representação dos Estados já prejudicava outros Estados populosos como Minas Gerais (53 deputados, deveria contar com 54), a Bahia (39, quando deveria ter 42), Rio Grande do Sul (31, e deveria possuir um a mais) e até o Pará, normal e erroneamente citado como Estado beneficiado (17 deputados, quando deveria ter 18).
Em países como os Estados Unidos, o número total de deputados é sempre fixo: 435. O número das bancadas estaduais varia conforme cada censo realizado a cada 10 anos: os Estados que aumentaram de população vêem aumentada sua representação, e vice-versa.
A demografia americana, com as populações mais velhas fugindo dos Estados de clima frio em busca de Estados do Oeste e do Sul, vêm modificando a geografia eleitoral. Estados como Illinois, Ohio, Michigan e mesmo Nova York têm perdido eleitores para o Texas (principalmente), a Califórnia, Arizona ou Geórgia.
Aqui no Brasil, o máximo de 70 deputados por Estado, e a não fixação de um total máximo para os integrantes da Câmara, leva a um absurdo lógico: se um dia o país chegar a uma população como a da Índia ou da China, é possível que um Estado com 250 milhões de habitantes tenha o mesmo número de deputados que outro com 40 milhões.
Isso dá uma dimensão da monumental bobagem consagrada na Constituição.
O único político de peso fora do Sul-Sudeste que já clamou contra esse estado de coisas foi o atual senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que apontou o absurdo e o perigo da distorção na representação popular em uma histórica e corajosa entrevista às “Páginas Amarelas” de VEJA quando era governador de Pernambuco.
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