A cada dia que passa, chego à conclusão de que os problemas do Brasil são encarados como uma caspa: basta passar um creme, um remédio qualquer, e tudo voltará às mil maravilhas.
A verdade é que se o mundo fosse uma sala de aula, nosso povo sentaria no fundão, alvo de desdém por parte dos professores e dos colegas e até mesmo dos valentões repetentes. Isto acabou despertando um sentimento de prepotência que independe da classe econômica e social do indivíduo ou da própria comunidade. A farra está institucionalizada. Daí para a barbárie é um passo.
Veja por exemplo o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Os morros cariocas continuam um verdadeiro inferno incontrolável de violência, banditismo e ausência de qualquer coisa semelhante ao que chamamos de “ordem”. Não adianta governador e prefeito aparecerem na TV dizendo quer tudo está pacificado. Mentira. O Rio hoje é uma terra de ninguém, como uma cidade do velho Oeste apavorada com a guerra entre os bandos dos irmãos Dalton e os irmãos Malloney. E assim estão também as capitais do Brasil.
Agora voltam a surgir “justiceiros” fazendo o trabalho da polícia, o que é um absurdo total. O pior é que este tipo de atuação é aplaudida por grande parte da sociedade, já que a Polícia, aos olhos da população, não passa de mais uma instituição corrupta, colocada no mesmo balaio dos políticos desonestos que infestam todas as esferas – municipal, estadual e federal. Em milhões de corações bate a saudade daquela “ordem militarista”, imposta pelos recônditos mais conservadores da nossa sociedade em um passado não tão remoto.
Como se tivessem espasmos cada vez mais freqüentes, as favelas e as periferias de todas as cidades brasileiras enviam sinais cada vez mais evidentes e incontroláveis para os governos e a sociedade em geral de que há um tumor pustulento engolindo o pouco que resta de dignidade entre as pessoas menos favorecidas.
As autoridades responsáveis pela segurança dos cidadãos que pagam impostos altíssimos para mantê-las em seus escritórios com ar-condicionado já nem se preocupam em esconder que o bom senso escorreu pelo ralo, como um vômito lavado com água de mangueira. Ninguém mais se preocupa em compreender como as coisas chegaram a esse ponto.
Aliás, o problema não é a violência, mas sim o fato de que existem exércitos formados por bandidos. Gente que anda armada, que negocia com drogas, que assassina rivais e inocentes com a facilidade de quem come um cachorro-quente na esquina. Enquanto ninguém se decidir a enfrentar esses comboios do mal com vontade de ganhar a batalha, vamos continuar à mercê de teorias românticas, elaboradas por sociólogos que só lidam com a realidade das ruas quando assistem a TV, vestidos com pijamas puídos e chinelos fedorentos.
Dá para olhar a situação de uma maneira suave quando se sabe que grupos rivais disputam o poder nas favelas das grandes cidades para abocanhar um comércio que movimenta centenas de milhões de reais por mês?
Enquanto isso não acontece, somos submetidos diariamente a um festival de asneiras, a um Rock in Rio de incompetência, irresponsabilidade, oportunismo político e omissão. Com medo de perder votos, vereadores, deputados e senadores fizeram vistas grossas à proliferação da marginália. Tal qual antropólogos bonzinhos e mentecaptos, sucessivos governos adotaram posturas de liberalidade, como que dizendo “deixa esse pessoal se matar por lá, já que eles não nos incomodam aqui”.
A intenção desse descaso não era mera preguiça: tratava-se sim de uma picaretagem política que visava única e exclusivamente a criação de currais eleitorais. Desde os tempos em que Beethoven ainda escutava alguma coisa que se sabe que população pobre é um prato cheio para que governos de natureza populista se esbaldem na hora de arregimentar votos.
Só que agora a coisa saiu do controle e se espalhou para todas as camadas sociais. Todo mundo, sem exceção, tem uma história de violência sofrida quando menos se esperava.
Infelizmente, estamos à anos-luz de uma solução até mesmo a longo prazo. Hoje, somos testemunhas paralisadas perante as tragédias que, diariamente, invadem o nosso cotidiano. Diariamente, somos tentados a transgredir as regras da boa educação e do convívio civilizado. Os malandros, os espertos, aqueles que se dão bem às custas de gente inocente, estes sim são valorizados por uma patuléia que acha que o melhor caminho para uma vida decente é participar de um Big Brother.
Da minha parte, continuo me recusando a compactuar com este estado de coisas. E você?
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