Logo após as primeiras notícias sobre os atentados de sexta-feira (13/11) em Paris, seguidores do "Estado Islâmico" (EI) comemoravam o sangrento ataque terrorista nas redes sociais e o celebravam como mais um sucesso alcançado pelo grupo jihadista.
No sábado pela manhã, um comunicado do EI reivindicou a responsabilidade pelos ataques. E mesmo que a mensagem ainda não tenha sido verificada, quase ninguém duvida de sua autenticidade.
Alguns especialistas já falam não mais de uma organização, mas de um movimento sócio-político com estruturas governamentais. "Os setores em que o EI atua são mais do que o puro emprego da violência", afirma Christoph Günther, especialista em Islã da Universidade de Leipzig.
Tudo começou no Iraque
Em meados de 2013, quando a guerra na Síria já durava mais de dois anos e o Ocidente ainda não se decidia sobre uma intervenção, tornavam-se frequentes os relatórios de organizações de direitos humanos denunciando mortes e massacres perpetrados pelas milícias do EI. Pessoas eram assassinadas enquanto dormiam ou simplesmente baleadas por motivos fúteis.
Por quase um ano e meio, o EI chamou a atenção do mundo ao divulgar vídeos em que seus milicianos executavam jornalistas ocidentais, trabalhadores humanitários e combatentes oposicionistas. Uma faca, macacões de cor-de-laranja, um carrasco com sotaque britânico ou francês: com decapitações diante das câmeras, o EI se serviu da mídia de maneira brutal.
No entanto, os extremistas já eram ativos na região havia mais de dez anos. O EI emergiu como uma filial do grupo Al Qaeda no Iraque. Quando os americanos invadiram o país, em 2003, eles derrubaram o ditador Saddam Hussein e expulsaram todos seus seguidores sunitas do serviço público – da guarda republicana até o serviço secreto.
Muitos deles foram colocados na prisão, onde estavam até então. Centenas de milhares de sunitas iraquianos – entre eles generais, oficiais, soldados e funcionários públicos – estavam cada vez mais à margem da sociedade.
"O EI não teria surgido se não tivessem havido esses desenvolvimentos na esteira da invasão dos EUA", diz Günter Meyer, do centro de pesquisa sobre o mundo árabe da Universidade de Mainz.
Grupo tirou vantagem da guerra síria
Na resistência contra as tropas americanas, alguns ex-apoiadores de Saddam Hussein se organizaram. Sob Abu Musab al-Sarkawi, eles fundaram a Al Qaeda no Iraque (AQI). O país se tornou um ímã para jihadistas que, depois do assassinato de al-Sarkawi, rebatizaram-se como "Estado Islâmico no Iraque" (EII).
No início de 2013, o EII se aproveitou do vácuo de poder na Síria, se ampliou e se rebatizou como "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" (EIIL). Em algum ponto ele rompeu com a principal milícia da Al Qaeda na Síria, a Frente al-Nusra, que se recusou a jurar lealdade a Abu Bakr al-Baghdadi, comandante do EIIL.
Muito sobre este homem não é conhecido: sabe-se apenas que seu nome de batismo é Ibrahim al-Badri, que ele cresceu em Bagdá e vem de uma família pobre. Hoje ele trabalha com sua milícia para estabelecer um califado – possivelmente no território de Síria, Iraque, Líbano e Palestina. No final de 2013, os terroristas se estabeleceram na província de Raqqa, no nordeste do Iraque, e iniciaram sua campanha militar.
Tomada de poder em Mossul
"A queda de Mossul, em junho de 2014, foi a origem da expansão da milícia terrorista", afirma Meyer, em entrevista à DW. A cidade de Mossul, localizada no norte do Iraque, era considerada a principal zona de refúgio dos antigos apoiadores de Saddam Hussein.
Quando o EIIL assumiu o controle da região, logo depois se juntaram ao grupo ex-generais sunitas altamente qualificados e combatentes que queriam se vingar da política de discriminação realizada pelo então primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki. Além disso, o EIIL saqueou a sede do Banco Central em Mossul e obteve valores na casa dos milhões.
A milícia terrorista seguiu em direção a Bagdá em 2014, depois que o sobrecarregado exército iraquiano fugiu de medo, abandonando, sem qualquer resistência, armas e equipamentos militares de última geração.
Nos territórios conquistados, al-Baghdadi declarou um califado, renomeou sua milícia para "Estado Islâmico" (EI) e revogou para ele e seus apoiadores todas as fronteiras nacionais.
Além disso, ele criou um tribunal baseado na lei islâmica sharia, e adeptos de outras religiões, como cristãos e yazidis, são mortos ou escravizados.
"Estamos lidando com um movimento de insurgentes com o claro objetivo de ocupar um território", afirma Meyer. "A proclamação de um califado é objeto de grande carisma em todo o mundo islâmico."
Especialistas duvidam do sucesso de apenas realizar bombardeios contra o EI
Jovens muçulmanos e convertidos são atraídos de toda a Europa para a Síria e o Iraque para lutar nsa fileiras do EI. Ainda não está claro o que eles fazem ou se participam mesmo de operações de combate. Ao todo, cerca de 50 mil homens compõem a frente de combate do EI.
"São todos muçulmanos convictos que querem defender seus correligionários na luta contra os xiitas. E a lealdade ao EI vem com um alto salário", afirma Meyer.
Em sua campanha nos últimos meses, o grupo conquistou campos de petróleo e gás, vendeu equipamentos militares capturados, cobrou taxas aduaneiras e impostos e obteve dinheiro em troca de resgates e proteção.
Com isso, ele conseguiu se financiar e não depende mais da ajuda dos ricos países do Golfo. De acordo com estimativas, o EI fatura diariamente até 3 milhões de euros.
Como interromper o avanço da mílícia?
Por meio de seus recursos financeiros, o EI assegura facilmente o fornecimento de armas via Turquia e Líbano, e é considerado por especialistas uma potência militar a ser levada a sério.
Mesmo assim, a milícia terrorista foi impedida de conquistar novos territórios. Vários fatores contribuíram para isso: o armamento de combatentes curdos peshmerga no norte do Iraque, patrocinados por países do Ocidente, a luta de combatentes curdos do Partido da União Democrática (PYD) no nordeste da Síria e também ataques aéreos da coalizão internacional liderada pelos EUA, que há meses bombardeia posições do EI, e, mais recentemente, também realizados pela Rússia.
Christoph Günther duvida, porém, que o EI possa ser vencido militarmente a longo prazo. Com ataques aéreos ou outras formas de ataque é possível expulsar os islamistas de determinados territórios. Mas a ideologia não é eliminada.
Como outros especialistas, ele acredita que apenas os sunitas moderados podem derrotar o EI na região.
"A maioria absoluta das pessoas é contra o 'Estado Islâmico' e o radicalismo", afirma Udo Steinbach, diretor do Centro de Governança Oriente Médio/Norte da África da Escola de Governança Humboldt-Viadrina, em Berlim. "Se eles se unirem, se organizarem melhor de forma militar, então vamos vivenciar muito rapidamente a derrota dessa organização."
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