Mais que um escândalo de corrupção de elevadas proporções, os avanços institucionais em curso podem diminuir a sensação de impunidade no futuro.
A avalanche recente de escândalos de corrupção e o destaque compreensível que o Juiz Sérgio Moro tem tido na imprensa podem fazer com que se pense que o combate à corrupção no país é um esforço pessoal ou, como se procurou defender nas eleições, uma opção de política de um governo específico.
Nesse caso, é natural imaginar que o combate à corrupção seria um processo temporário e controlável. Mas é mais que isso. Aos poucos, fica clara a independência e competência das investigações. O que é uma novidade e, possivelmente, uma mudança estrutural e permanente na sociedade brasileira.
É bem possível que essa história tenha começado fora do país. Nos Estados Unidos, um processo mais amplo de controle de crimes financeiros se iniciou depois dos atentados terroristas de 2001 e da crise financeira de 2008. A tentativa foi sufocar financeiramente o terrorismo e o crime organizado em um momento em que a sociedade exigia maior controle das instituições financeiras.
Esse espírito de época se manifestou no Brasil por sermos signatários de convenções internacionais, mas também por termos sido estimulados a criar uma maior conexão dos órgãos internos de controle, como, há um ano, mostrou a revista Época Negócios.
Segundo a matéria, desde 2003, a pouco conhecida Enccla – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – reúne de modo informal um grupo de servidores graduados de mais de 50 entidades e órgãos públicos. Eles fazem parte da Abin, Banco Central, Coaf, CVM, Receita Federal, Tribunal de Contas da União, Controladoria Geral da União, CADE, Ministério Público, Febraban, Polícia Federal e diversas associações profissionais, como a dos membros dos tribunais de contas, dos procuradores e dos juízes federais. Por ser uma rede significativamente ampla, representativa e informal, dificilmente pode ser cooptada ou controlada politicamente.
O grupo se reúne frequentemente para trocar informações, sugerir avanços institucionais e criar novos instrumentos de controle. Há hoje um cruzamento de dados financeiros, fiscais e eletrônicos que permite rastrear rapidamente movimentações suspeitas. O Enccla propôs, por exemplo, a Lei do Crime Organizado, que regulamentou a revolucionária delação premiada. Da mesma forma, a coordenação e troca de informações entre diversos órgãos contribuem para uma instrução mais sólida dos processos, evitando os fiascos anteriores gerados por falhas processuais. Foram esforços que tornaram viável a atual operação Lava-Jato.
Apesar dos avanços, no entanto, a experiência da operação Mãos Limpas na Itália mostra que estruturas como essas podem ser desmontadas. Não há garantias contra o retrocesso. Mas pela amplitude internacional, apoio popular, complexidade das conexões e diversidade dos atores envolvidos, este parece ser um movimento que veio para ficar, representando avanços institucionais importantes e contínuos.
Ao mesmo tempo, a repercussão da operação Lava-Jato é pedagógica e deve ter seus efeitos prolongados. A economia comportamental nos ensina que quando o risco da punição aumenta, o comportamento dos agentes tende a se aproximar daquele indicado pelos padrões éticos e legais de uma sociedade. No nosso caso, a cultura e prática corporativas devem mudar: ética, normas de conduta e boas práticas são políticas cada vez mais generalizadas e presentes nos processos internos das empresas. E, dada a simbologia da prisão de políticos, executivos e empresários de peso, o comportamento da sociedade como um todo deve também ser influenciado.
Mais que uma inspiração pessoal de um juiz, portanto, os efeitos das atuais investigações podem ser permanentes, fazendo o país entrar em uma nova fase de sua história, com maior controle institucional e cultural da corrupção.
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