No jargão da indústria automóvel, o marriage (casamento em inglês) designa a união de um motor e uma carroçaria na linha de montagem. Embora não se trate propriamente de procedimentos industriais, recordamos aqui as diferentes “uniões” que viram Lancias equipados com um motor Ferrari.
Lancia Thema 8.32
Na década de 80, uma berlina italiana, luxuosa, de 4 portas e com performances dignas de um GT, não tinha de ser necessariamente um Maserati Quattroporte. Os executivos mais apressados também podiam contar com o Lancia Thema 8.32 (por 8 cilindros e 32 válvulas).
Os dirigentes do grupo Fiat cedo se apercebem que a elegância discreta do Lancia Thema se conjugaria bem com um motor mais nobre do que o V6 PRV. Calha bem, a Lancia pertence ao mesmo grupo que a Ferrari e no que toca a nobreza mecânica é difícil encontrar melhor que um V8 da casa de Maranello. Assim, o motor da berlinetta 308 QV é colocado no mais estatutário dos Lancias, mas não sem sofrer uma pequena adaptação, compreensível tendo em conta as diferenças evidentes entre ambos os automóveis. A potência é reduzida de 240 para 215 cavalos, mas o binário aumenta de 245 Nm para 285 Nm.
O Thema 8.32 tem o bom gosto de não ostentar a proveniência do seu motor. Umas referências discretas (indicações 8.32 na grelha frontal e na mala), um aileron retráctil e pouco mais… O nome Ferrari não aparece, excepto quando se abre o capot com a indicação “Lancia by Ferrari” no motor. O habitáculo é igualmente discreto e mais virado para o conforto dos ocupantes. Nada de baquets ou cores vistosas, mas um equipamento completo com estofos específicos da Poltrona Frau para viajar rapidamente, sem prejudicar o conforto. Resultado: luxo, performances e bel canto Ferrari!
Lancia LC 2
Para suceder ao LC1, a Lancia realiza o LC2 destinado ao Grupo C do campeonato de protótipos de 1983 desafiando assim a Porsche e o seu 956. O chassis em alumínio e a carroçaria com fibra de carbono são realizados pela Dallara, cabendo à Ferrari o fornecimento do V8 do 308 GTBi. O motor 3.0 litros é agora associado a dois turbos KKK mas a sua cilindrada é reduzida para 2,6 litros.
O Lancia LC2 mostra-se imediatamente competitivo, estreando-se até com uma pole position em Monza, mas à chegada, o mais bem classificado é o LC2 de Alboreto e Patrese no nono lugar, sendo que o Porsche 956 sai vitorioso. O LC2 mostra-se rápido ao longo da época, mas a fiabilidade ainda deixa a desejar. Ainda assim, a dupla Fabi e Heyer conquista a vitória nos 1000 km de Imola, seguindo-se dois lugares no pódio, o que permite segurar o segundo lugar no campeonato, mas muito longe do campeão Porsche.
As épocas de 1984 e 1985 serão muito semelhantes, com um LC2 a mostrar-se rápido mas pouco fiável e com pneus mal adaptados, conquistando apenas duas vitórias (Kyalami em 1984 e Spa no ano seguinte).
A partir de 1986, a Lancia prefere concentrar-se no Grupo A dos ralis, com o Delta HF Integrale. E aí a história será outra…
Lancia Stratos HF
No início dos anos 70, a Lancia, agora sob a tutela do grupo Fiat, decide substituir o Fulvia HF no campeonato do mundo de ralis. E a decisão não é fazer uma versão de competição a partir de um modelo de série, mas sim o contrário: realizar um carro de corrida, que será adaptado à (pequena) série, até porque a homologação requer uma produção de 500 exemplares de um modelo “stradale”, produção assegurada pela Bertone, igualmente autora das linhas inéditas do Stratos (Marcello Gandini, mais precisamente). A arquitectura geral é orientada para as corridas, com um chassis tubular, uma repartição do peso de 46% à frente e 54% atrás e com o conjunto motor/condutor concentrado na curta distância que separa os dois eixos.
Quanto ao motor, a versão definitiva do Stratos não podia contentar-se com o V4 1.6L do Fulvia que equipara o protótipo Stratos 0, pelo que, solicita-se o V6 do Dino 246 GT a Enzo Ferrari… que recusa categoricamente! Mas perante o interesse no V6 Maserati (como segunda escolha), o Commendatore sente-se obrigado a aceitar. Assim, é o V6 2,4 litros de Maranello, aqui com 192 cavalos (195 para o Dino), que equipa o Lancia Stratos HF.
Embora nunca tenha sido um sucesso comercial (nem era esse o objectivo), no que toca aos ralis, o Stratos dispensa apresentações. Três títulos mundiais entre 1974 e 1976 com Sandro Munari, que podiam ter sido mais, não fosse a decisão politico-comercial do grupo Fiat em substituir o Stratos pelo 131 Abarth. No entanto, o Stratos continuou nos ralis com equipas privadas, conquistando a última vitória no Tour de Corse de… 1981!
Lancia-Ferrari D50
Não se trata aqui de um Lancia com motor Ferrari, mas quando recordamos a associação destes dois nomes cheios de prestígio, é difícil não evocar o D50, um monolugar de Fórmula 1 revolucionário, construído inicialmente pela Scuderia Lancia, e posteriormente recuperado pela Ferrari, na sequência dos problemas financeiros da marca de Turim.
O motor V8 a 90º de 2,5 litros de cilindrada concebido por Vittorio Jano, é colocado de modo enviesado permitindo ao eixo de transmissão passar ao lado do condutor e assim baixar o centro de gravidade. E em vez de um depósito de combustível atrás do piloto, são colocados dois depósitos laterais.
Logo na época de estreia, em 1954, o D50 mostra-se bastante competitivo, mas as dificuldades financeiras da marca, agravadas com a morte de Alberto Ascari, um dos seus pilotos, obrigam a Lancia a renunciar à Fórmula 1 no ano seguinte. A Scuderia Ferrari recupera o D50 (e Vittorio Jano), coloca o depósito de combustível atrás do piloto e as extensões laterais passam a estar integradas na carroçaria contribuindo para a aerodinâmica do agora Ferrari D50, o qual permite a Juan Manuel Fangio sagrar-se campeão do mundo pela quarta vez, em 1956. Termina a sua carreira em 1957, como Ferrari D50/801, já sem as extensões laterais características.
A associação do anti-conformismo da Lancia com o ADN desportivo da Ferrari deu origem a automóveis fascinantes. Hoje em dia, se a Ferrari está de boa saúde e recomenda-se, o mesmo não se pode dizer da Lancia. O desinvestimento contínuo na Lancia acabou por transformar uma marca cheia de potencial e com um património invejável, numa marca agonizante que apenas produz um único modelo (o já obsoleto Ypsilon) para o mercado italiano e para a qual uma nova “união” já não chega. É preciso um renascimento.
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