O Alto Comando do Exército
divulgou uma nota interna em reação a insultos sofridos por oficiais-generais
da ativa e da reserva em aplicativos de mensagens nos últimos dias.
Eles foram chamados de
"comunistas" e até "melancias" (verde por fora e vermelho
por dentro) em mensagens anônimas em uma falsa referência de apoio ao
presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A sugestão de reação do Exército teve o
aval dos cinco generais "quatro estrelas" — do topo da hierarquia —
que foram alvos dos insultos, entre eles, o chefe do Estado-Maior do Exército,
Valério Stumpf.
Também validaram os comandantes
militares do Sudeste, Tomás Miné Ribeiro de Paiva; do Leste, André Luiz Novais;
e do Nordeste, Richard Nunes. Quem também apoiou a nota foi o chefe do
Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, Guido Amin.
"Cinco oficiais do Alto Comando
foram ofendidos, é lógico que ninguém gostou disso, sequer sabemos a origem
desses insultos", diz o general reformado Paulo Chagas. Para ele, o texto
do informe interno do Exército, o Informex, esclarece o tom de insatisfação e a
defesa da reação às mensagens compartilhadas nos últimos dias em aplicativos
como WhatsApp e Telegram.
A nota interna classifica as mensagens como "alusões mentirosas e
mal intencionadas". "Tais publicações têm se caracterizado pela
maliciosa e criminosa tentativa de atingir a honra pessoal de militares com
mais de quarenta anos de serviços prestados ao Brasil, bem como de macular a
coesão inabalável do Exército de Caxias", diz o Exército em um trecho do
informe.
Para a força armada terrestre, os "grupos ou indivíduos" que
insultaram os integrantes do Alto Comando do Exército "apenas atestam sua
falta de ética e de profissionalismo" ao tentarem, "de forma anônima
e covarde, disseminar a desinformação no seio da Força e da sociedade".
"O Exército Brasileiro permanece coeso e unido, sempre em suas
missões constitucionais, tendo na hierarquia e na disciplina de seus
integrantes o amálgama que o torna respeitado pelo povo brasileiro, seu
fiador", diz a nota.
Divulgada internamente na quarta-feira (16) a todas as organizações
militares da instituição, a nota foi assinada pelo chefe do Centro de
Comunicação Social do Exército, general José Ricardo Vendramin, a pedido do
comandante da força, general Freire Gomes. O comunicado demonstra um certo
desconforto entre os oficiais com a pressão advinda das ruas e, sobretudo, das
redes sociais.
Qual é o contexto das ofensas a oficiais-generais do Exército
Pelo caráter anônimo das mensagens compartilhadas, é impreciso apontar a
autoria. Porém, o contexto está atrelado a pedidos de apoio de generais a uma
"intervenção federal", como tem sido defendido em faixas por
manifestantes que protestam em quartéis pelo Brasil. Há, porém, quem entenda
que a autoria foi feita por "esquerdistas", com o intuito de causar
alguma cisão entre grupos de direita.
Em uma das mensagens compartilhadas em um grupo de conservadores
acompanhada das fotos dos cinco-oficiais generais do Alto Comando ofendidos, é
dito que eles "não aceitam a proposta do povo". "Querem que Lula
assuma, já se acertaram com ele", prossegue o trecho ao sugerir um suposto
acordo entre militares e o governo eleito.
Uma das mensagens acusa o general Tomás Paiva de um suposto interesse em
assumir o comando do Exército na gestão Lula. Em aceno às Forças Armadas, o
presidente eleito garante que irá respeitar o critério de antiguidade na
escolha dos próximos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica,
tradição na qual o presidente da República indica um dos oficiais-generais com
mais tempo no topo da carreira para assumir o comando de sua respectiva
instituição.
Lula conta com interlocutores para buscar um diálogo institucional com
as Forças Armadas, a exemplo do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB),
mas interlocutores da caserna negam interesses específicos ou supostas
articulações de oficiais-generais para ocupar os comandos militares.
Os cinco oficiais-generais do Alto Comando do Exército não são os únicos
criticados. Outros generais da ativa e da cúpula também foram alvos, como
Estevam Theóphilo Oliveira, comandante de Operações Terrestres. Em uma
fotomontagem, eles são questionados sobre como reagirão a partir de 1º de
janeiro, data da posse de Lula. "E agora, general? No dia 1º de janeiro de
2023, V.Exa. [vossa excelência] pretende prestar continência a quem? Ao povo
brasileiro ou aos comunistas?", indagam os autores anônimos em mensagens
com fotos de militares.
Até mesmo militares da reserva foram insultados. Em algumas imagens, os
generais Sérgio Etchegoyen, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo, e
Otávio Rêgo Barros, ex-porta-voz do governo Jair Bolsonaro (PL), são retratados
com um capacete em forma de melancia na cabeça. A fruta é usada por alguns
brasileiros como forma de hostilizar generais sob a falsa alegação de serem
comunistas, a despeito de vestirem a farda verde oliva.
O que dizem generais sobre os insultos e pedidos de golpe militar
O general Paulo Chagas classifica os insultos aos oficiais-generais como
um "desaforo". Para ele, há uma tentativa descabida em pressionar o
Alto Comando a apoiar uma intervenção militar. "Dizem que, por causa de
cinco generais, não estaria saindo a intervenção e que seriam traidores. É
ridículo", critica.
"O cara vai para a frente do quartel pedir socorro às Forças
Armadas e diz que os militares são covardes e omissos. Então para que está na
frente do quartel? Pedindo ao covarde e omisso? O cidadão que faz isso não é
coerente e não deveria estar lá. É uma falta de respeito com as pessoas nas
quais eles estão depositando o anseio ou o medo que têm em alguma coisa",
complementa Chagas.
O general Santos Cruz é outro a questionar as manifestações por
intervenção militar. Para ele, a massa de brasileiros que se manifesta neste
momento é importante para a construção de uma oposição que favorece a
fiscalização sobre os atos e decisões do governo eleito, desde que construtiva
e organizada.
"É esse o processo democrático e nós estamos perdendo a
oportunidade de organizar essa oposição, não é pedindo golpe [militar] e
interferência das Forças Armadas que faremos isso. As Forças Armadas vão
trabalhar para a defesa nacional e para o bem do nosso povo, sem posicionamento
partidário", sustenta.
Sobre as ofensas aos generais, Santos
Cruz é mais crítico e defende que o Exército adote providências mais duras do
que apenas o informe interno. "Tem que haver a identificação de autoria do
crime para a responsabilização criminal", declara. O general evita
associar os ataques a apoiadores de Bolsonaro e reforça o entendimento de que
os autores das mensagens são criminosos.
"Não tem nada de errado ser
eleitor e simpatizante do presidente Bolsonaro. O que está errado é esse tipo
de gente covarde fazer esse tipo de coisa, e não pode atribuir isso a
bolsonarismo. Isso é crime de difamação e calúnia, simplesmente, e mais nada.
Não pode atribuir a esse tipo de criminoso uma posição política, porque isso aí
não tem o mínimo equilíbrio", destaca.
O general esclarece não ter apresentado
um pedido ao Exército de investigação, mas pondera que a instituição tem as
condições de acatar a sugestão. "É uma questão de abertura de inquérito
policial militar. Entendo que existem recursos e condições técnicas para se
chegar na origem e levar para a Justiça, porque é crime, são criminosos. É
gente covarde e da pior qualidade possível, é um extremismo", afirma.
O que os militares pensam sobre Lula -
e o que presidente eleito tem a dizer
Sejam da ativa ou da reserva, a grande
maioria dos militares não é comunista, nem apoia Lula. "Acredito que
existem companheiros que têm um viés ideológico mais à esquerda, mas eu não
acredito em general, almirante ou brigadeiro comunista", diz o coronel da
reserva Walter Félix Cardoso Júnior. Ele foi coordenador de segurança do
gabinete de transição do governo Bolsonaro em 2018 e trabalhou no gabinete do
general Maynard Santa Rosa, ex-titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos
(SAE) da Presidência na gestão Bolsonaro.
Coronel Félix até confirma que a
vitória do presidente eleito nas urnas gerou incômodo entre militares.
Principalmente os que suspeitam de fraude eleitoral, e sobretudo após a
divulgação do relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação
elaborado pelas Forças Armadas – que não apontou fraude, mas também não excluiu
essa possibilidade.
Entre militares, existe um temor de que
Lula irá adotar uma gestão radicalmente "esquerdista" e não alinhada
aos valores conservadores defendidos na caserna. Félix teme que, a partir do
início da gestão, o governo eleito tente impor "uma série de coisas
inaceitáveis". "Como aborto e 'links' muito sólidos com Argentina,
Chile, Bolívia, Colômbia, Venezuela, México e Nicarágua, além de facilidades
para a França e China, em situação de ambiguidade total, como outras tantas
bandeiras da esquerda", opina.
O coronel afirma que os militares não
estão alheios à situação do país, mas explica que eles respeitam os
"limites da Constituição". "Estão tolerando com paciência as
atitudes estimuladas pelo próprio STF e pelos radicais de esquerda, como falas
recentes do próprio Lula e de seus auxiliares mais agitados. O Exército vem
tolerando isso com muito equilíbrio", afirma.
Baseado no relatório das Forças Armadas
sobre as urnas e o sistema eleitoral, Félix defende uma contestação do
resultado eleitoral sob a suspeita de fraude. "É preciso ter coragem de
encarar reações que podem vir, inclusive, e com certeza virão, do exterior, que
podem dar origens a sanções econômicas", pondera.
Em Portugal, onde se encontrou com o
presidente Marcelo Rebelo de Sousa para uma reunião bilateral, o presidente
eleito Lula afirmou nesta sexta-feira (18) que acredita não ter problemas de
relacionamento com os militares.
"Nunca tive problema de conviver
com as Forças Armadas. Nunca tive problema com nenhum militar. O comando
das Forças Armadas está muito tranquilo, me conhece e no momento certo vou
indicar quem será comandante da Marinha, da Aeronáutica e do
Exército. Nunca pensei em ter problema e não acredito que eu tenha",
disse, ao ser indagado sobre a indefinição de nomes para integrar o núcleo de
defesa no gabinete de transição.
Lula prometeu uma definição a partir da semana
que vem.
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