São Paulo, domingo, 12 de junho de 2011
Fim do Atlântico já pode ter começado no litoral do Sudeste
Estudo de brasileiros, russos e portugueses indica que afastamento da África se inverteria perto de Santos e RJ
Placa tectônica da América do Sul fica cada vez mais fina e instável; processo leva até 100 milhões de anos
SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Diz a lenda que o continente de Atlântida afundou no mar e sumiu sem deixar vestígios, milhares de anos atrás. Pura cascata. Mas uma coisa é verdade: o próprio oceano Atlântico deve desaparecer no futuro ""a começar pelo litoral dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Calma, não há razão para desespero. Como todos os fenômenos geológicos, esse demorará para se desenrolar.
"Estamos falando de um processo de 50 milhões, 100 milhões de anos", diz Marcelo Assumpção, pesquisador da USP e coautor de um estudo com participação russa e liderado pelo geólogo português Fernando Marques, da Universidade de Lisboa.
CADÊ O SUMIÇO?
Uma primeira olhada sobre a posição dos continentes não parece sugerir nada que se assemelhe ao sumiço do Atlântico. Afinal, desde a última grande deriva continental, iniciada cerca de 250 milhões de anos atrás, a América do Sul e a África têm só se afastado, num processo que segue em andamento.
Para compreender a conclusão dos cientistas, é preciso saber o que está acontecendo debaixo da terra e dos oceanos do planeta. Com a abertura crescente do Atlântico, a chamada placa Sul-Americana (uma espécie de "balsa" que transporta o continente e se confronta com a placa de Nazca, no oceano Pacífico) vai se esticando e, com isso, afinando. Com isso, fica mais fria e, por consequência, mais pesada.
Ao peso aumentado se soma o fluxo de material que vem do continente e é levado pelos rios até o mar. A fragilização da placa somada ao peso adicional eventualmente fará com que ela afunde e comece a deslizar por baixo da placa Africana. "De repente o negócio afunda e aparece uma nova zona de subducção", explica Assumpção.
A GRANDE QUESTÃO
Até aí, praticamente todos os geólogos do mundo concordam. A novidade do estudo liderado por Marques consiste na análise matemática de dados sobre a espessura da placa em várias regiões do Atlântico, tanto do norte como do sul. Os resultados sugerem que a região mais provável para o início do surgimento dessa zona de subducção é o Sudeste do Brasil. "De todo o Atlântico, a primeira região que ficaria instável é o litoral na área de Santos e do Estado do Rio de Janeiro", afirma Assumpção.
E a cereja no bolo: haveria sinais de que esse processo já teria começado. Mas isso ainda é controverso. "Há alguns sinais, mas faltam medidas, e tem alguns dados que poderiam ser interpretados como início de afundamento, mas também poderiam ser outras coisas", diz ele.
O estudo já foi submetido a um periódico científico de alto impacto, embora a equipe siga procurando sinais que confirmem a hipótese.
"Realmente, conhecemos muito pouco sobre as regiões mais profundas da crosta no Brasil", diz Reinhardt Fuck, pesquisador da UnB (Universidade de Brasília) que coordenou recentemente um grande esforço de mapeamento da crosta na província Borborema, no Nordeste brasileiro, mas não teve envolvimento com o trabalho de Marques e seus colegas. "Se a conclusão for confirmada, é um resultado espetacular."
Afinal, não é todo dia que se vê o início de um grande evento geológico em pleno andamento. "É muito legal. E ninguém nessas regiões precisa se preocupar. Não tem impacto direto para elas, porque é um processo muito lento, que demora milhões de anos", diz Assumpção.
No futuro longínquo, contudo, é certo que cidades como Santos e Rio de Janeiro terão exatamente o mesmo destino que a lendária Atlântida.
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