Roberto Gurgel elencou dados contábeis, conclusões de perícias e documentos
do Banco Central para afastar tese de que mensalão não pode ser comprovado
Laryssa Borges
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel (Elza Fiúza/ABr)
Em memorial encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) às vésperas do julgamento do mensalão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, classifica o esquema de compra de parlamentares como "o mais atrevido" estratagema de corrupção de autoridades da história brasileira. Para além das palavras de efeito, o chefe do Ministério Público reúne no documento as principais provas da acusação para demonstrar que ex-ministros, empresários, banqueiros e parlamentares atuaram em conjunto, "sob o firme comando de José Dirceu", na distribuição de mesada a congressistas.
Na nova manifestação enviada ao tribunal, Gurgel, responsável pela acusação de 36 réus, listou em 388 páginas depoimentos, laudos, recibos de saques, auditorias e informações produzidas, entre outros, pelo Banco do Brasil e pelo Banco Central para comprovar a tese de que houve um esquema orquestrado de desvio de recursos públicos, empréstimos fraudados e compra de parlamentares no Congresso Nacional. A sistemática dos mensaleiros é classificada pelo procurador-geral como "escandalosa".
Infográfico: Entenda o escândalo do mensalão
O julgamento do mensalão será levado a plenário pela mais alta corte do país nesta quinta-feira. O memorial encaminhado ao Supremo, um misto de constatações do chefe do MP com provas periciais da existência do esquema, dá o tom que a acusação usará nas cinco horas a que tem direito durante o julgamento que começará na quinta-feira.
Confrontado com as defesas dos réus, que alegam que o Ministério Público não conseguiu, ao longo da denúncia, comprovar o mensalão, Roberto Gurgel elenca o que chama de "um substancioso conjunto de provas que não deixa dúvidas quanto à procedência da acusação". Traz documentos do departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos que atestariam o crime de lavagem de dinheiro do publicitário Duda Mendonça e de sua sócia, Zilmar Fernandes, além de laudos do Instituto Nacional de Criminalística sobre como notas fiscais foram falsificadas para simular empréstimos e disseminar os recursos para corromper deputados.
Ao comentar a participação das agências de publicidade de Marcos Valério no esquema - elas teriam simulado empréstimos de bancos privados para justificar o dinheiro distribuído aos deputados - Gurgel observa, por exemplo, que "para impressão de notas fiscais, a DNA Propaganda utilizou autorizações para impressão de documentos fiscais falsificadas". Era, conforme o memorial, "uma verdadeira engenharia contábil" para ocultar o destino final do dinheiro e os repasses a mensaleiros.
Dirceu - Dividido em núcleos da organização criminosa, nos moldes da denúncia apresentada, Roberto Gurgel ainda se remete no memorial a depoimentos da CPI dos Correios, como a da esposa de Marcos Valério, Renilda Santiago, para defender que José Dirceu, ex-todo-poderoso do governo Lula, "estava a par de todos os acontecimentos e coordenava as decisões, junto com a diretoria do PT".
Relatos da então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, ré no processo, também são utilizados pelo MP para comprovar a participação sistêmica de Dirceu no esquema do mensalão e para refutar a tese do ex-ministro de que não tinha mais ascendência sobre a direção do PT.
"Kátia Rabello informou que Marcos Valério dizia que era muito ligado ao Delúbio Soares e, por isso, tinha facilidades em conseguir promover encontros com o ministro José Dirceu", disse o procurador-geral, ao citar o interrogatório da dirigente do Rural.
A participação ativa da instituição financeira no esquema do mensalão é relembrada por Gurgel, no memorial, com referências, por exemplo, a e-mails trocados entre funcionários de Marcos Valério e servidores do banco. Foram anexados à peça da acusação quatro mensagens eletrônicas em que a então gerente financeira da agência da publicidade SMP&B, Geiza Dias, informa ao Banco Rural as pessoas que iriam sacar os recursos, a maior parte deles intermediários dos verdadeiros participantes do esquema.
"O encobrimento dos nomes de inúmeros beneficiários dos recursos só foi possível com auxílio do Banco Rural, que mesmo tendo ciência dos nomes dos intermediários ou dos efetivos beneficiários dos valores transferidos, disponibilizou sua estrutura para que Marcos Valério Fernandes de Souza pudesse efetuar saques em espécie destinados a terceiros como se fosse pagamento a fornecedores", relata o procurador-geral.
Ofensiva - O envio do memorial de Roberto Gurgel ao Supremo às vésperas do julgamento provocou uma ofensiva de advogados do Banco Rural, que encaminharam petição ao tribunal alegando que o documento, com novas informações, poderia comprometer o direito de defesa dos réus. Os defensores alegavam que precisavam ter acesso a essa manifestação para verificar os argumentos do procurador-geral e eventualmente encaminhar novos dados aos ministros. O relator da ação penal do mensalão, Joaquim Barbosa, autorizou nesta segunda-feira que os advogados fizessem cópias do memorial do Ministério Público.
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