MEMORIAS►POR QUE JANGO CAIU


Fala aos sargentos: Princípio do fim
Texto de Glauco Carneiro - Fotos de João Rodrigues
Perante mil sargentos das Fôrças Armadas e Auxiliares, o Sr. João Goulart, em violento discurso, pronunciado na noite de segunda, tornou irreversível sua posição de esquerda e desencadeou, graças a essa definição, feita em têrmos candentes, a movimentação das fôrças que o derrubaram. Consideraram os chefes da revolta que, transigir mais com a posição ostensiva do Sr. Goulart, seria decretar a morte da democracia. O discurso de Jango, a 30 de março, foi o comêço do fim.

Ênfase de Jango: ato final
NA OPINIÃO unânime dos chefes da Revolução Libertadora pela Democracia, a reunião a que compareceu o Sr. João Goulart na noite de segunda-feira, quando acesas estavam ainda as paixões ocasionadas pela rebelião dos marinheiros, foi a gôta d’água que fêz transbordar o copo. 

E que houve nessa reunião?
Há alguns meses a Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Ministério da Justiça (a que optou pelo serviço federal) convidara o Sr. João Goulart para se fazer presente à festa do 40.º aniversário da entidade, convite êste adiado, a pedido do próprio Sr. Goulart, para outra oportunidade. 

Sentindo, porém, o Presidente, que se avolumavam as críticas contra a sua orientação julgada quebrantadora da hierarquia e disciplina militares, principalmente no caso dos marinheiros chefiados pelo Cabo José Anselmo, quis dar uma demonstração de força e prestígio junto aos escalões menores das Fôrças Armadas, aceitando a homenagem que lhe seria prestada pelos subalternos sediados na Guanabara, que aceitavam a sua orientação. A reunião da ASSPM realizou-se, portanto, com oradores inflamados e com discursos que repisaram, invariàvelmente, a mesma tecla: reformas. 

E reformas nas próprias Fôrças Armadas. Chegou mesmo a ser vaiado o Sarg. Ciro Vogt, um dos oradores, que se atreveu a fazer reivindicações e agradecer ao Sr. Goulart benefícios prestados à classe dos sargentos. Foi vaiado porque, conforme declarou, respeitava os regulamentos disciplinares e se sentia impedido de fazer declarações políticas.
O discurso do Sr. João Goulart nessa reunião, realizada no Automóvel Clube, foi considerado pelos observadores como o mais violento de sua carreira, acusando seus adversários de subsidiados pelo estrangeiro e prometendo as devidas represálias do povo.

A exaltação do ambiente, carregada ainda mais pela presença de agitadores comunistas, atingiu o auge quando da chegada do Almirante Cândido Aragão e do Cabo José Anselmo, tendo-se ambos abraçado sob os aplausos gerais. Anselmo quis falar à fôrça na reunião, só sendo impedido por interferência direta do Gabinete Militar de Goulart.

Os chefes militares avaliaram a repercussão de uma reunião como essa, em que a hierarquia cedeu lugar a uma indisciplinada confraternização, e decidiram deflagrar a revolta. O discurso de Jango fôra o último pronunciado como Presidente.

POR QUE JANGO CAIU

O SENHOR João Goulart perdeu o jôgo no momento em que, abandonando a tática da conciliação política, que prevaleceu nos dois primeiros anos de seu govêrno, preferiu comandar ostensivamente o esquema da esquerda radical que tinha numa entidade juridicamente ilegal, o Comando Geral dos Trabalhadores, o centro de suas atividades revolucionárias.

Chegando ao Poder pela sua extraordinária habilidade política, usada principalmente no amaciamento dos impulsos revolucionários do seu cunhado Leonel Brizola e de uma paciente e longa viagem da Ásia a Pôrto Alegre quando ganhou tempo para assumir de modo pacífico a Presidência vaga com a renúncia de Jânio, o Sr. João Goulart passou a estruturar um dispositivo de segurança baseado em alguns oficiais de sua confiança pessoal.
VEJA MAIS



Êsse dispositivo teve que ser revisto mais de uma vez. As contingências do regime parlamentarista obrigaram o Presidente Goulart a manter no Ministério da Guerra o General Nelson de Melo, notòriamente anticomunista. Derrubado o sistema parlamentar de govêrno, através de uma intensa pressão política, sindical e militar, pôde, então, o Sr. João Goulart preparar o caminho para sua futura aliança total com as esquerdas.

A Marinha e a Aeronáutica passaram a ter, a partir do primeiro ano de govêrno presidencialista, comandos fiéis ao Presidente. O Ministério da Guerra foi entregue, então, ao General Amaury Kruel, amigo pessoal do Presidente mas oficial tão anticomunista quanto o seu antecessor na Pasta. O Sr. Leonel Brizola iniciou, então, e vitoriosamente, uma intensa campanha, pelo rádio e televisão, contra a permanência de Kruel no comando-geral do Exército.

O General legalista Jair Dantas Ribeiro foi convocado para assumir o Ministério da Guerra. Construiu, então, um esquema militar inteiramente legalista e anticomunista, substituindo mais de cem comandos em todo o território nacional. Para manter, porém, um dispositivo militar esquerdista, fiel às reformas econômicas que propunha e à sua futura aliança com a esquerda, o Sr. João Goulart levou para a chefia de seu gabinete militar o General Assis Brasil. Aí começou a estruturação de uma ampla frente esquerdista, política, sindical e militar, sob a orientação política da Casa Militar da Presidência.

A um ano e meio das eleições presidenciais o Senhor João Goulart recusava-se a conversar sôbre a sua sucessão. O Sr. Juscelino Kubitschek, que seria o candidato natural do esquema governista, teve seu nome sumàriamente vetado pelas fôrças esquerdistas mais radicais, que obedeciam ao comando do Deputado Leonel Brizola. Deu-se o esvaziamento da candidatura Kubitschek e o crescimento da candidatura Lacerda, na área oposta.

As lideranças políticas, inclusive as mais próximas do Presidente Goulart, passaram a desconfiar das intenções continuístas do chefe trabalhista. O PSD não lhe dava cobertura parlamentar para as reformas. A UND liderava, no Congresso, a anti-reforma. Estruturava-se, assim, um dispositivo de defesa do regime democrático, que os principais partidos e vários governadores comandados por Adhemar e Lacerda puseram a funcionar inicialmente na área puramente política para, mais tarde, ganhar a consciência e o apoio das Fôrças Armadas.

O Govêrno fêz várias tentativas de contenção dêsse dispositivo oposicionista. Mal aconselhado tanto política quanto militarmente, o Sr. João Goulart contava, apenas, com apoios populares, suportes sindicais e sua intuição e habilidade política para sobreviver. A inflação se agravava, desmoronavam-se os planos administrativos do Govêrno. Necessário que o Presidente apressasse sua aliança com as esquerdas, passasse a comandá-las ostensivamente a fim de ocupar o espaço de tempo, os dois meses que separavam a primeira quinzena de março da oficialização da candidatura Lacerda, já marcada para princípios de abril. 

Com a candidatura Kubitschek já lançada pelo PSD, restava ao Sr. João Goulart fazer a sua opção: ou marcharia com ela, ou concentraria seus esforços para a esquematização de uma candidatura esquerdista com tintas democráticas. Êle desprezou a solução eleitoral e decidiu romper a barreira da conciliação política, indo ao encontro das lideranças identificadas com o pensamento marxista.

Estaria absolutamente convencido o Presidente Goulart de contar com apoios militares para essa jogada? Estaria certo que as fôrças militares dariam cobertura, ao menos parcial, às teses defendidas pela esquerda radical e comunistas no palanque armado em frente ao Ministério da Guerra no dia 13 de março? O simples fato da presença do General Jair Dantas Ribeiro naquele palanque não autorizava a ninguém a acreditar que Exército, Marinha e Aeronáutica estavam solidárias com a nova posição do Presidente da República.

A partir do comício do dia 13 radicalizaram-se as posições políticas e as Fôrças Armadas começaram a sensibilizar-se. O Decreto de desapropriações de terras, o do tabelamento dos aluguéis, o de encampação de refinarias de petróleo foram os dados menos importantes na crise que se armava. Para exercer a sua autoridade de Presidente da República e para tomar medidas administrativas até mesmo reformistas, o Sr. João Goulart contava, ao menos aparentemente, com a cobertura militar do esquema montado pelo Ministro Jair Dantas Ribeiro. Mas o próprio Ministro confessava, em conversas confidenciais, que não teria condições para mobilizar seus comandos no sentido de prestigiar uma solução golpista para o problema sucessório, nem de esquerda, nem de direita.

Na realidade - verificou-se mais tarde - O Presidente Goulart não tinha estruturado um dispositivo militar de esquerda, capaz de prestigiar sua aliança com os revolucionários. Se estava mal-informado pela sua assessoria militar chefiada pelo General Assis Brasil, não se sabe. Se agiu conscientemente, certo de que contaria com a cobertura popular para a sua ação, só êle poderá responder.

A verdade é que, a partir do momento em que consolidou sua liderança esquerdista, o Senhor João Goulart foi radicalizando sua posição política e arrastou suas teses para os quartéis. Do outro lado, as fôrças oposicionistas passaram da tática política para a estratégia militar. Construiu-se, ràpidamente um poderoso dispositivo militar inicialmente defensivo, para evitar que o CGT, a UNE, a Frente Parlamentar Nacionalista, os Comandos do Deputado Brizola, o Governador Miguel Arraes - o esquema da esquerda radical - pudessem dar solução prática às teses revolucionárias que defendiam.

De um lado, o Sr. João Goulart estimulou a reação de sargentos e praças, soldados e marinheiros à política tradicional das Fôrças Armadas, provocando um clima de indisciplina que se generalizou na Marinha sob a orientação do Almirante Aragão. A insubordinação de marinheiros e fuzileiros navais, e a solução dada pelo Presidente à crise na Armada, fazendo o Almirante Aragão retornar ao comando dos fuzileiros, pondo no Ministério um almirante identificado com o marxismo e designando o Almirante Suzano para o Estado-Maior - já encontravam, do outro lado, uma poderosa aliança de governadores do Centro-Sul, com cobertura militar do II Exército do General Kruel.

Há mais de dois meses que essa aliança estava sendo esquematizada. Ney Braga aderiu a ela quando da visita do Governador Lacerda a Curitiba. Adhemar, Lacerda e Meneghetti já estavam entendidos. Faltava a adesão de Magalhães Pinto. O próprio Lacerda a obteve, entregando ao Governador mineiro o comando-geral das fôrças democráticas. Mato Grosso e Goiás foram adesões que se fizeram naturalmente, devido à situação geográfica dos dois Estados centrais e da posição ideológica de seus governadores.

Quando o Governador Adhemar de Barros afirmava que tinha condições de reagir à investida esquerdista, não estava blefando. Quando os dirigentes da esquerda radical afirmavam que a revolução estava ganha e êles já se aproximavam do Poder, estavam mentindo. Não contavam as esquerdas com a opinião pública, e o esquema adversário era tremendamente mais poderoso.

O choque pareceu inevitável no momento em que o Presidente João Goulart resolveu tornar irreversível sua posição de comandante de um esquema mal estruturado, e baseado tão-sòmente na sua liderança popular e nas falsas lideranças sindicais comunistas. Quando falou a sargentos e marinheiros, no dia 30 de março, atacando seus adversários e mantendo sua determinação de ir mais adiante nos seus propósitos, o Sr. João Goulart fêz, definitivamente, sua opção. Preferiu contar com as fôrças populares que esperava se rebelassem em todo o País para enfrentar a reação política e militar ao seu nôvo govêrno, à quebra da hierarquia nas Fôrças Armadas e ao poder sindical representado no CGT.

Essas fôrças, porém, não foram suficientes para manter o Sr. João Goulart no Poder e garantir a sobrevivência de seu esquema político. Muito mais poderosas do que elas, melhor articuladas, e com apoio da opinião pública do principais Estados do País, eram as fôrças contrárias.

O Sr. João Goulart marchou, então, para a luta, consciente de que contava ao menos com os trabalhadores mobilizados pelos sindicatos e com a lealdade dos chefes militares à autoridade do Presidente da República. Mas os sindicatos falharam totalmente na mobilização das massas operárias, e os chefes militares viram-se na contingência - cruel para êles - de sacrificar o mandato do Chefe da Nação para evitar a desagregação das Fôrças Armadas, a tomada do Poder pelo esquema esquerdista radical e, quem sabe, a guerra civil no País.

O General Kruel não desejava a deposição do Presidente. O General Jair nunca a desejou. Nem o General Âncora, nem o General Castelo Branco . O Comandante do II Exército chegou a sugerir ao Presidente, no momento em que suas fôrças se preparavam para marchar sôbre o Rio, que desarticulasse o sistema esquerdista, fechasse o CGT, normalizasse a situação na Marinha e êle, Goulart, contaria com o apoio das Fôrças Armadas. Mas o Presidente disse não. 

Não sacrificaria seus aliados, frase que repetiria, mais tarde ao Ministro Jair Dantas Ribeiro, quando êste lhe fêz idêntico apêlo. Estava o Presidente diante de uma opção que lhe era colocada pela quase totalidade das Fôrças Armadas: ou desarticularia o dispositivo de esquerda que passara a comandar, ou os generais teriam que tomar posição para defender a integridade do regime democrático que juraram defender.

Conscientemente, o Sr. João Goulart marchou para o sacrifício. Não recuou um passo, quando poderia ter declarado a ilegalidade do CGT, reformado o comando da Marinha e mantido a prisão do Almirante Aragão, decretada pelo Ministro Silvio Mota. E quando já se esperava o choque das fôrças do II Exército com as tropas da Vila Militar, que se mantinham fiéis ao Presidente, o General Jair - recusado o apêlo que fêz ao Sr. João Goulart - renunciou ao pôsto, deixando ao Estado Maior do Exército a decisão suprema. 

O Presidente pensou em resistir, mas nunca na Guanabara, onde os comandos militares agiam com extraordinária rapidez na mobilização de tropas e no encaminhamento de uma solução política para a crise.
Não tendo renunciado ao pôsto nos momentos decisivos da crise, o Presidente quis que se caracterizasse a sua deposição. Escolheu o seu caminho, quando teve todas as condições para contornar a crise no seu primeiro instante. Trocou o seu mandato pela liderança popular que espera exercer na faixa revolucionária que o Sr. Brizola ocupou sòzinho nos dois últimos anos.
ADIRSON DE BARROS


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