A FORMA DE ESCOLHA DE MINISTRO DO SUPREMO PODE SER MELHOR?

26/12/2013
 

Ministros do Supremo se encaminham para mais uma sessão: pela ordem Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e Elen Gracie

Ministros do Supremo Tribunal se encaminham para mais uma sessão: pela ordem, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e Ellen Gracie
Publicado originalmente em 06 de outubro de 2010

O SENADO NÃO FAZ A LIÇÃO DE CASA — 
Diante da importância do tribunal e da polêmica que cercou tanto o empate quanto a decisão sobre os documentos, muitos leitores deste blog questionaram, em comentários, se a atual forma de indicação de ministros do Supremo é a melhor: o presidente da República escolhe um nome, o Senado o analisa, vota e, aprovado pelo Senado, o ministro é empossado, ocupando o cargo até completar 70 anos de idade ou resolver, por alguma razão, se retirar antes disso.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem estado no centro das atenções nacionais ao longo dos últimos anos, e frequentou com estardalhaço as manchetes da mídia, com os julgamentos da Lei da Ficha Limpa – que terminou empatado em 5 votos a 5 quanto à sua validade para as eleições deste ano – e a decisão sobre a necessidade de o eleitor apresentar documento com foto para poder votar domingo.
Pode-se questionar essa forma de indicação, prevista na Constituição. Antes de mais nada, porém, é preciso dizer que, se houve ou há ministros que não estão à altura do cargo, segundo opinaram muitos leitores, o principal problema está no Senado.
O Senado nunca faz a lição de casa, não exerce seus deveres constitucionais, não questiona com a necessária profundidade os nomes propostos, agindo como um clube de compadres, e, sobretudo, não recusa ninguém.
Em toda a história de 121 anos de República, só disse “não” a um único nome – e isso em 1893.
O único indicado recusado pelo Senado, e assim mesmo por razões estritamente políticas, foi Cândido Barata Ribeiro, abolicionista e republicano inflamado, ex-prefeito do Rio de Janeiro, nomeado em 1893 pelo presidente Floriano Peixoto (1891-1894) – hoje nome da conhecida rua do Rio de Janeiro.
Floriano Peixoto: o “Marechal de Ferro”
O “Marechal de Ferro” governou de forma autoritária, obtendo do Congresso a suspensão de seus próprios trabalhos durante a maior parte do mandato (1891-1894) e implantando o estado de sítio. No final de seu governo, já enfraquecido e com o Congresso ressuscitado, o Senado vingou-se, com base no fato de Barata Ribeiro, médico de formação mas com grande experiência na vida pública, supostamente não ser detentor do “notório saber jurídico” exigido pela Constituição.
O SENADO AMERICANO, SIM, CUMPRE SEU PAPEL — Só para termos uma comparação, nos Estados Unidos, cuja Constituição inventou a fórmula da indicação presidencial passando pelo crivo do Senado, as indicações do presidente ao Senado são por vezes discutidas durante meses, em longas e severas sessões da Comissão de Justiça e, depois, do plenário do Senado.
Ao longo da história, doze nomes já foram recusados pelos senadores, dois deles durante o governo do popularíssimo presidente Ronald Reagan (1981-1989) – o último em 1987, o jurista conservador Robert Bork.
Sem contar os casos em que, diante das dificuldades à aprovação antevistas pelo presidente ou o próprio indicado, este desiste da empreitada, como ocorreu em 2005 com a ex-conselheira presidencial Harriet Miers, proposta pelo presidente George W. Bush.
A sede da Suprema Corte nos Estados Unidos
Passadas as eleições deste domingo, o presidente Lula indicará ao Senado o substituto do ministro Eros Grau, aposentado em agosto passado, no Supremo Tribunal Federal. Será o 162º brasileiro a integrar este exclusivíssimo clube e o 9º entre 11 ministros do Supremo que o presidente terá nomeado em seus quase oito anos de governo.
LULA INDICOU MAIS QUE SARNEY, JK, GETÚLIO… — Esse número, como já mencionei em post anterior, é um recorde entre os presidentes democráticos que nos governaram. José Sarney (1985-1990) chegou a cinco. Seguem-se Juscelino Kubitschek (1956-1960) e Fernando Collor (1990-1992), com quatro. Getúlio Vargas designou 21 em seus dezenove anos no poder, nas duas passagens pelo Palácio do Catete, no Rio – mas só dois como presidente eleito pelo povo (1951-1954).
Não é brincadeira ser ministro do Supremo, conforme comentei no outro post. Vale repetir os argumentos ali expostos. O ministro é um poderoso ente do Estado brasileiro. Nenhum outro servidor público, eleito ou não, entre os milhões de União, Estados e municípios, é detentor de igual importância – exceto o presidente da República.
Junto com seus outros 10 colegas, ele decide diretamente sobre a vida de centenas de milhares de brasileiros, e suas decisões afetam todos os 193 milhões. Os ministros julgam com freqüência causas envolvendo bilhões de reais. Têm função vitalícia até os 70 anos. E resolvem, em última instância e sem apelação, o que está certo ou errado e o que pode ou não ser feito – inclusive pelo Congresso, pelo presidente, pelos governadores, pelos prefeitos e pelos demais tribunais –, à luz da Constituição.
A ATUAL FORMA DE INDICAÇÃO É DEMOCRÁTICA? – Com toda essa importância, será que um ministro do Supremo deveria ser indicado na forma atual, livremente pelo presidente da República, obedecidas algumas poucas condições previstas na Constituição – ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, “notável saber jurídico e reputação ilibada”? Passando apenas pelo questionamento formal, amigável, superficialíssimo do Senado?


Muitos leitores deste blog questionam o ritual adotado pela Constituição.
Não apenas os visitantes deste blog que protestaram, mas muito mais gente não acha suficientemente democrático o processo de nomeação dos ministros do STF e defende seu aprimoramento: juristas, integrantes do próprio Judiciário, historiadores, deputados e senadores que, sim, incluem gente do PT.
Antes de chegar ao poder, políticos do PT, em várias oportunidades, questionaram a fórmula mal copiada dos EUA – mais uma, entre tantas – e pregaram algum tipo de mudança. Chegou-se a falar nisso durante a campanha de Lula em 2002, embora nenhuma proposta de modificação haja sido incluída no programa de governo do então candidato.
OUTRAS FORMAS DE OUTROS PAÍSES — Quem tem se destacado na discussão desse tema, em sucessivos artigos e estudos – e a quem mencionei em outros textos passados –, é o juiz de Direito e professor em São Paulo Alfredo Attié Jr., membro da Associação Juízes para a Democracia.
Em um de seus trabalhos, Attié Jr. mostrou diferentes formas de compor tribunais superiores – no caso, os Tribunais Constitucionais, em bom grau equivalentes ao STF – em vigor na Alemanha, na Itália e em Portugal como exemplos de como é possível, sim, ampliar a representatividade e a legitimidade política dos integrantes da cúpula do Judiciário.
Ressalte-se que os três países têm regimes parlamentaristas de governo, e não presidencialista, como o nosso. Ainda assim, vale a pena ver como são inteligentes e envolvem diferentes Poderes as formas de montar os altos tribunais nesses países.
COMO É NA ALEMANHA – Na Alemanha, cabe aos 69 integrantes da Câmara Alta ou Senado, o Bundesrat (representantes dos 16 Estados alemães), escolher metade dos 16 ministros do Tribunal Constitucional. A outra metade compete aos 603 deputados da Câmara Baixa, o Bundestag. Seis desses 16 ministros devem necessariamente ser pinçados entre os membros dos tribunais superiores federais. Os ministros têm mandato de doze anos e não podem ser reconduzidos ao posto.
COMO É NA ITÁLIA – O processo na Itália é mais complexo. Dos quinze ministros do Tribunal Constitucional, um terço é escolhido diretamente pelos integrantes dos tribunais superiores, outro terço é indicado pelo Parlamento e os demais cinco ministros pelo presidente da República, com a aprovação do primeiro-ministro, que em geral é o real autor da indicação, já que o presidente italiano tem funções quase exclusivamente protocolares. Há uma série de requisitos profissionais exigidos, e, tal como na Alemanha, os ministros têm mandato de doze anos, vedada a recondução sucessiva.
COMO É EM PORTUGAL – Em Portugal, todos os 13 ministros da corte são escolhidos pela Assembléia da República – seis deles, no entanto, precisam obrigatoriamente provir dos tribunais superiores. Também lá não há a vitaliciedade existente no Brasil: os ministros atuam no tribunal por um máximo de nove anos, sem possibilidade de recondução.
NÃO FALTAM BONS EXEMPLOS – Não é, portanto, por falta de bons exemplos inspiradores que se deixará de alterar, um dia, a forma de indicação dos ministros do STF. Seria possível até uma adaptação à norma atual, que obrigasse o presidente, por exemplo, a fazer um determinado percentual de indicações obrigatoriamente entre membros dos tribunais superiores, incluindo os Tribunais de Justiça estaduais.
Claro que seria uma ofensa a juristas ilustres supor que a escolha do presidente determine suas decisões, que eles venham a compor uma espécie de “bancada governista” no tribunal.
Mas há um crescente consenso de que a fórmula em vigor, já arcaica e carcomida, não mais atende aos interesses da sociedade e pode ser aperfeiçoada, contribuindo para melhorar a atuação, a independência e a imagem do Judiciário.

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