Lei vaga facilita prisão de usuário de drogas e amplia lotação de presídios, diz ONG
O número de adultos presos no Brasil aumentou 85% em dez anos, segundo dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça e compilados na edição de 2017 do relatório global da ONG Humans Right Watch. Passou de pouco mais de 336 mil, em 2004, para 622 mil detentos, em 2014.
No documento, divulgado nesta quinta-feira (12), a organização associa o crescimento da população carcerária à vigência da Lei de Drogas, que aumentou as penas para traficantes.
Para os responsáveis pela pesquisa, a "linguagem vaga"
do dispositivo penal acaba criando distorções.
"Embora a lei tenha
substituído a pena de prisão para usuários de drogas por medidas alternativas
como o serviço comunitário --o que deveria ter reduzido a população
carcerária--, sua linguagem vaga possibilita que usuários sejam tratados como
traficantes", narra o texto.
Dados do governo federal indicam que, em 2005,
um ano antes de a lei entrar em vigor, 9% do total de presos no país estavam
nessa condição por crimes associados às drogas (32.880 pessoas).
Já em 2014,
eram 28% (174.160 pessoas), de acordo com o Infopen (Levantamento Nacional
de Informações Penitenciárias).
Somente entre as mulheres, o número foi
estimado em 64% (cerca de 23 mil) do total da população carcerria feminina
(36.495 detentas).
O estudo elaborado pela
Humans Right Watch está em sua 27ª edição e tem como objetivo
analisar práticas de direitos humanos em mais de 90 países. Os pesquisadores
utilizam dados oficiais relacionados à defesa de direitos e violência urbana e,
a cada versão do relatório, buscam compilar os dados mais recentes disponíveis.
São diversas fontes de informação, como governos, ONGs e outras instituições.
Superlotação e
casos de tortura
De acordo com o Ministério da
Justiça, até 2014, o número de detentos adultos ultrapassava a marca de 622 mil
pessoas, o que representava 67% a mais do que a capacidade suportada pelo
sistema carcerário no Brasil, que é de 371.884. Os dados são do Infopen.
A ONG cita no documento os massacres
ocorridos neste mês em presídios do Amazonas, de Roraima e da Paraíba, onde 99
detentos foram assassinados em uma guerra que envolve as facções PCC (Primeiro
Comando da Capital) e FDN (Família do Norte).
Também menciona 22 mortes de presos
que ocorreram em outubro do ano passado em Roraima, em Rondônia e no Acre.
"Superlotação e falta de agentes
penitenciários e técnicos tornam impossível às autoridades manter o controle
nos estabelecimentos prisionais, deixando detentos vulneráveis à violência e às
atividades de facções criminosas", afirma a Humans Right Watch.
De abril de 2015 a março do ano
passado, equipes do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura) --cujos membros são nomeados pelo governo federal-- fizeram uma
vistoria em 17 presídios de seis Estados e ouviram relatos de "casos de
tortura" e de "tratamento cruel, desumano ou degradante" em
praticamente todas as unidades verificadas. Somente no Centro de Detenção de
Sorocaba, em São Paulo, foram encontradas 50 pessoas em celas com capacidade
para até nove detentos.
Entre as unidades que receberam os
membros do MNPCT está a Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, em
Manaus, onde 56 presos foram assassinados no começo do ano. Antes da chacina,
os fiscais que estiveram no presídio alertaram para a existência de rígidas
"regras de conduta" entre os detentos, que eram separados por facção.
Os que não pertenciam ao grupo dominante, a Família do Norte, ficavam em celas
isoladas para que não fossem assassinados. Havia ainda, de acordo com o MNPCT,
as "celas cativeiros", onde ocorriam "sanções
disciplinares" paralelas à legislação, incluindo-se "punições por
morte".
Unidades socioeducativas
Dados do Conselho Nacional do
Ministério Público mostravam que, em 2014, quase 22 mil crianças e adolescentes
estavam em unidades socioeducativas, de acordo com o relatório do
Humans Right Watch. Assim como no sistema prisional, há evidências de
superlotação. O dado representa 24% a mais do que a capacidade máxima
da rede destinada a jovens infratores (que é de 18 mil).
Na maioria dos locais vistoriados pelo
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, os internos passavam mais
de 20 horas por dia trancados em seus alojamentos."Em vez de promover a
educação e a reabilitação das crianças e adolescentes, os centros serviam como
locais de punição e isolamento", analisa o documento da
Humans Right Watch.
Os piores cenários foram observados
no Ceará, onde o número de jovens infratores em janeiro de 2016 era maior do
que o dobro da capacidade de algumas instalações, segundo a
ONG Cedeca Ceará.
Algumas crianças relataram que eram
agredidas por funcionários dos centros socioeducativos e que eram mantidas
"em unidades infestadas de ratos e baratas e sem as condições sanitárias
adequadas, ventilação, colchões e produtos de higiene básicos."
Segurança pública e conduta policial
O relatório da
Humans Right Watch diz ainda que, em 2015, pelo menos 3.345 pessoas
foram mortas por policiais no país, o que representa aumento de 6% em relação
ao ano anterior e de 52% na comparação com 2013.
O dado foi calculado pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e contempla tanto os policiais que estavam de
serviço quanto os que estavam de folga.
"Embora algumas das mortes
causadas pela polícia resultem do uso legítimo da força, outras são execuções
extrajudiciais", analisa o relatório do Humans Right Watch.
Após duplicar em 2014, o número de
mortes causadas por ação policial em serviço caiu 17% em São Paulo (Estado mais
populoso do país) em 2015, e teve nova queda de 19% no período de janeiro a
setembro de 2016.
Já no Rio, o segundo Estado
brasileiro com maior taxa de homicídios cometidos por policiais, o
indicador aumentou 11% em 2015 e subiu 23% nos primeiros nove meses do ano
passado.
Por outro lado, em 2015, 393
policiais foram mortos no país, de acordo com os dados mais recentes do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/12/lei-vaga-facilita-prisao-de-usuario-de-drogas-e-amplia-lotacao-de-presidios-diz-relatorio.htm
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