REI PELÉ
No dia em que o mundo celebra os 50 anos do milésimo gol de
Pelé, saiba como e quando foi o último dos 15 gols que o Rei do Futebol marcou
contra o América de Rio Preto: o de número 963 de sua carreira
Rildo desceu pela direita, o zagueiro americano John
Paul subiu para cortar, mas não alcançou. Pelé amorteceu no peito, dominou no
chão e empurrou rasteira, no canto direito, à esquerda do goleiro Reis. Eram
decorridos 19 minutos do segundo tempo daquele jogo de 27 de abril de 1969,
domingo à tarde no estádio Mário Alves Mendonça, em Rio Preto, com placar final
de 1 a 1 - Tião Kelé empatou a partida aos 31 minutos da etapa final.
Diante de 13.259 pagantes, o Rei do Futebol marcava
o gol número 963 de sua carreira, o último dos 15 que fez em jogos do Paulistão
contra o América. Decorridos quase sete meses depois daquela partida, Pelé
marcaria mais 37 gols, o mais famoso deles em 19 de novembro de 1969, há
exatamente 50 anos: cobrando pênalti contra o Vasco, no Maracanã (RJ), o Rei
fazia o milésimo gol de um total de 1.282 em toda a sua carreira.
Hoje, no dia em que o mundo futebolístico celebra os
50 anos do gol de número 1000 do maior jogador de todos os tempos, esportistas
tradicionais de Rio Preto contam ao Diário o que lembram daquela ocasião e como
acompanharam a carreira de Pelé. "Parecia que o Santos tinha uns 20 em
campo", resumiu o já falecido lateral-esquerdo Ambrózio, do América, no
livro "Avenida da Saudade, o América de Rio Preto na Era Pelé",
publicado em 2004. Ele se referia a um jogo de 14/10/1959, vencido por 8 a 0
pelo Santos, na Vila Belmiro, com quatro gols do Rei.
No jogo do gol de número 963, o jovem Mirandinha era
uma das revelações do América e justamente naquela partida deu lugar a Tião
Kelé. Seria o primeiro de muitos embates com o Rei. "Pra ser sincero não
tenho a lembrança desse jogo em si, mas como depois joguei por São Paulo,
Corinthians, nos enfrentamos bastante. Como Rivelino já disse, ele foi
privilegiado em tudo. Antes da bola chegar sabia onde colocar", conta
Mirandinha.
Hoje
morando em Praia Grande, Mirandinha ainda enfrentou o Rei nos Estados Unidos.
"Ele jogava pelo Cosmos e fizemos a final lá, eu jogava no Tampa Bay
Rowdies, da Flórida. São passagens que tivemos e isso é gratificante. Sinto
muito por ele não ter ido ao Mundial de 1974 pra jogarmos juntos. Ele já tinha
outros planos, indo pro Cosmos. Se estivesse, talvez não tivéssemos
perdido", recordou Mirandinha.
Quem
também trabalhou naquela manhã no Mário Alves Mendonça foi o comentarista de
rádio Mário Luiz, recordando do papel social que Pelé sempre teve. Naquele jogo
tomou vacina contra varíola no intervalo. "O Pelé sempre fazia isso. Ia na
Arprom (Associação Riopretense de Promoção ao Menor), tocou na bandinha deles,
tem registro de foto do Jaime Colagiovanni", recorda Mário Luiz.
Para
ele, no entanto, o jogo mais emblemático que fez foi quando ainda trabalhava em
Ribeirão Preto e viu Pelé fazer oito gols e um só jogo. "Foi em 6 de julho
de 1964. Fomos fazer Botafogo e Santos na Vila, estava chuviscando e o Santos
ganhou de 11 a 0. O Pelé marcou oito, eu vi, comentei. Era meu início de
carreira e de cara vi fazer oito gols. O técnico do Botafogo era o Osvaldo
Brandão, que foi demitido na segunda-feira", recorda.
Mário
Luiz, que acompanhou pelo rádio a façanha dos 1000 gols de Pelé, recorda que
numa partida antes, um amistoso no norte do país, por pouco ele não fez o gol.
"Ele não previu fazer o gol no Maracanã. Neste jogo ele faria, mas um
zagueiro tirou a bola em cima da linha e os torcedores locais quase o
mataram", disse. "Em Rio Preto ele sempre teve dificuldades contra o
América. O Julinho o marcou bem várias vezes e o próprio Pelé dizia isso. O
Aldemar, quarto zagueiro do Palmeiras, também, mas a maioria dos marcadores ele
punha embaixo do braço."
O
historiador Rui Guimarães lembra do quanto assediado era Pelé nas vindas a Rio
Preto. "Era uma pessoa super prestativa, todos queriam conversar com ele,
faziam festa em frente ao hotel. Sempre humilde atendia, não igual a Neymar
hoje que põe fone de ouvido e ignora", disse, lembrando de outro jogo que
ele levou à loucura o torcedor no MAM. "O Pelé chutou uma bola para o gol
no lado do cemitério, a bola subiu e o povo da geral começou a vaiar, mas ela
[bola] começou a descer e pegou na tesoura, na trave e caiu dentro do gol. Um
golaço, daí ele correu pra geral dando soco no ar e foi aplaudido. Aquele homem
tinha parte com alguma coisa superior."
Noriva, revelado pelo Rio Preto no início da década
de 1960, teve o privilégio de jogar ao lado do Rei por dois anos. "Tenho
belas recordações, apesar de ser o reserva do Pepe, sempre tinha uma
oportunidade de atuar com ele. O Pepe dizia 'entro e faço gol, Noriva entra e
dá o show'. Pelé era fora de série. Até era ruim jogar ao lado dele. A gente
pensava em fazer algo e ele já tinha feito, o raciocínio era bem rápido",
conta Noriva.
Bate-bola
Declaração foi dada em
entrevista concedida pelo Rei do Futebol ao Diário da Região e publicada no
livro "Avenida da Saudade, o América de Rio Preto na Era Pelé"
(Milton Rodrigues, 2004). Abaixo, trechos da entrevista
Em qual estádio do Interior era mais difícil jogar?
Pelé -
Jogar no interior sempre foi muito difícil, mesmo na melhor fase do Santos Futebol
Clube. Principalmente Araraquara e Rio Preto.
Qual o time do Interior era mais difícil de ser
batido?
Pelé -
Sem dúvida nenhuma a Ferroviária de Araraquara era a pedra na chuteira do
Santos Futebol Clube. Era difícil também com o América de Rio Preto, mas todos
os times do interior, quando se defrontavam com o Santos, queriam ganhar. Davam
muito trabalho.
Houve algum lance ou gol marcante em jogos com o
América?
Pelé -
Contra o América, sempre era um jogo espetacular, principalmente em Rio Preto.
É verdade que o lateral Ambrózio, do América, foi um
dos seus marcadores mais leais entre os times do Interior?
Pelé -
Ambrózio era um grande jogador, jogava duro, mas leal, sempre na bola.
Você se lembra do jogo de 1973 em Rio Preto, em que
houve um incêndio e você acenou para a torcida junto com o Clodoaldo, pedindo
calma (foi a última vez que você jogou em Rio Preto)?
Pelé -
Foi muito triste ter me despedido de Rio Preto com aquelas cenas de desespero
na torcida. O acidente poderia ter sido bem mais grave, mas Deus ajudou.
E o jogo de 1969 em Rio Preto, em que você tomou
vacina no estádio, para incentivar uma campanha de vacinação?
Pelé -
Nós sempre apoiávamos as campanhas de vacinação do governo. Tomávamos as
vacinas para dar exemplo.
Você acha que o Santos deveria aposentar a camisa
10, tanto tempo depois que você parou?
Pelé -
Não temos esse costume aqui no Brasil, isso só acontece nos Estados Unidos.
Você acha possível algum jogador igualar suas marcas
ou, como você costuma dizer, o seu Dondinho e a dona Celeste jogaram a forma
fora?
Pelé -
Pode existir um igual ou melhor que o Pelé, mas outro Pelé não haverá jamais.
Odilon
foi testemunha ocular no Maracanã
Aos 80 anos, Odilon
Pereira de Carvalho, nascido em Tabapuã e santista de coração, guarda na retina
a festa pelo gol mil de Pelé no Maracanã, e até mandou plastificar o ingresso
daquela partida, em 19 de novembro de 1969 entre Santos e Vasco da Gama pela
Taça de Prata - correspondente ao Brasileirão. "Naquela época era ruim de
ver jogo em TV. Então a gente ia ao estádio. Tinha 150 mil pessoas, eu estava à
direita do gol do Andrada. Tive a chance de ver, o pênalti foi claro, o Andrada
xingava bastante seus companheiros, creio que não queria levar aquele gol,
ficar marcado por ele. E depois foi aquela invasão. Mas nas imagens que vemos
hoje, parece que até o atleta do Vasco comemora o feito", conta Odilon.
Ainda novo, ele
deixou a região para ir para a capital carioca, onde morou por 37 anos, antes
de retornar para a região. Hoje mora em Rio Preto. "Onde o Santos estava,
eu estava junto. Vi ele ganhar de 4 a 1 do Milan no Maracanã, em um Rio-São
Paulo, vi o Pepe, o canhão vila, fazer um gol em Pompéia, goleiro do América.
Ele mandou a barreira sair, encaixou a bola, mas foi ele e a bola para dentro
do gol", recorda Odilon.
O bilhete de
arquibancada número 11.425, que custou na época 4 novos cruzados, é guardado
com carinho e ele até já recusou uma proposta de venda por R$ 2 mil de um
colecionador. "Isso foi há uns dois anos, eu recusei, mas é
tentador", diz. "Costumo dizer que já não existe mais nada do que
estava sendo anunciado aqui. O Maracanã é outro depois da reforma, o Estado da
Guanabara [como foi chamada a cidade do Rio de Janeiro de 1960 a 1975 após a
fundação e mudança da capital para Brasília] também não existe. A moeda é
outra, a trave do gol foi vendida em partes", recorda.
Amante do futebol,
viu o lado vingativo do Rei Pelé em alguns jogos, onde seus marcadores levaram
a pior, e também um dos gols mais belos. "Foi um gol dele no Castilho, o
Zito deu toque pra ele que foi pra frente, Píndaro e Pinheiro eram a zaga do
Fluminense, uma das melhores da história, mas o Pelé foi driblando até chegar no
Castilho e só tocou de lado", relembra o torcedor. "Em um amistoso em
Goiânia, um zagueiro que se chamava Sabará deu umas cinco seis entradas para
bater nele, mas foi para o hospital com duas costelas quebradas após subir em
uma bola centrada pelo Pepe. O Procópio, zagueiro do Fluminense, também quebrou
a perna." (OJ)
Fonte
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