alzheimer►Mutação rara previne contra Alzheimer e declínio cognitivo


 

Imagem de um neurônio (Foto: Thinkstock)
Quero ter essa mutação! Foi o primeiro pensamento que me veio à mente quando li sobre essa nova pesquisa na revista Nature. Mas quem não quer? Infelizmente ela não é comum. Aparece em menos de 1% das pessoas na Islândia (onde foi feita a pesquisa) e parece ser ainda mais rara em outras populações. 
É uma dessas variantes que chamamos de variante ou “gene protetor” e que nos protegem dos efeitos adversos daqueles que aumentam nosso risco para doenças como o próprio mal de Alzheimer, hipertensão, mal de Parkinson entre outras. Já falei disso quando escrevi sobre o genoma dos supercentenários. Será que eles possuem também essa variante que protege contra a doença de Alzheimer (DA)?
Recordando
A DA é a causa mais comum de demência associada ao envelhecimento. Ela afeta pelo menos 3% das pessoas com mais de 60 anos e mais de 25% daquelas que ultrapassam os 90. Na grande maioria dos casos a DA tem uma herança complexa que depende de interação entre uma predisposição genética e fatores ambientais. 
Mas em cerca de 5% das famílias a DA é hereditária, com uma herança autossômica dominante e início mais precoce. Quando um dos pais tem a mutação, a probabilidade de transmiti-la a sua descendência é de cerca de 50%. Já foram identificados pelo menos três genes responsáveis por essas  formas hereditárias. Um deles é o gene APP , descoberto há cerca de 20 anos, que codifica uma proteína precursora da amiloide (do inglês amyloid-b precursor protein).
A variante protetora está no gene APP
A maioria das mutações no gene APP são patogênicas, isto é, causam a DA de herança dominante e início precoce. Ninguém quer ter essas mutações. Elas são responsáveis por um maior acúmulo de placas b- amiloides no cérebro. O surpreendente é que a variante protetora também foi encontrada nesse gene. 
E seu efeito é exatamente oposto: ela diminui a formação dessas placas. Dependendo da mutação no gene APP, poderíamos chamá-lo popularmente de gene do “mal” ou do “bem”.
Como a variante “protetora” foi descoberta? Como ela age?
Para descobrir essa mutação os cientistas analisaram os genomas de 1.795 pessoas da Islândia e particularmente a associação entre o gene APP e a DA. Depois eles compararam as pessoas com diagnóstico de DA e aquelas que eram cognitivamente normais depois dos 85 anos. Aqueles que tinham a mutação tinham a capacidade cognitiva mantida.
Sabemos que pessoas com duas cópias da variante APOE4 no seu genoma têm risco aumentado de desenvolver a DA – que pode ser da ordem de 90% depois dos 80 anos. Mas, de acordo com o autor principal dessa pesquisa, Dr. Stefansson, ele encontrou 25 pessoas com duas cópias de APOE4, mas que tiveram a sorte de ter  também herdado o “gene protetor”. Nenhum deles desenvolveu a DA, o que mostra o efeito significante dessa variante.
O que foi descoberto é que as mutações nesse gene codificam diferentes enzimas que determinam como a proteína b- amiloide será fragmentada e, posteriormente, processada. A enzima alfa-secretase diminui a produção da proteína b- amiloide e promove o crescimento e sobrevivência dos neurônios. Por outro lado, a beta-secretase, também chamada de BACE, aumenta a produção da proteína b- amiloide promovendo a formação de placas. Portanto a BACE é o alvo para agentes terapêuticos.
E daí? Qual é a importancia dessa descoberta?
Como se trata de uma mutação rara, logo imagina-se que poucas pessoas poderão fazer parte dos felizardos que herdaram esse genoma “premiado” – e a maioria de nós não poderá ser beneficiada. Muito pelo contrário. Esse achado é mais uma prova de algo que se acredita há muito tempo: que são realmente as placas amiloides as grandes vilãs. É o que chamamos de prova de conceito. 
Elas é que devem ser combatidas. Como começamos a depositar essas placas muito antes do início dos sintomas, novas tentativas terapêuticas – que já estão sendo testadas – apontam exatamente nessa direção: evitar e remover as placas amiloides. 
Quanto antes, melhor. Sempre fui contra testes para saber se temos genes que aumentam o risco de virmos a desenvolver a DA ou outra doença degenerativa para a qual não há tratamento. Mas quando pudermos atuar eficientemente para evitar o depósito de placas amiloides, aí sim será muito importante testar as pessoas que estão em risco. O que você acha caro leitor?
Por Mayana Zatz

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