José Eduardo Cardozo (Leonardo Soares/AE)
Justiça
Governo orientou bancadas aliadas a recuarem da proposta que pretende amordaçar o Ministério Público após onda de protestos nas ruas.
Marcela Mattos, de Brasília
Sem conseguir um acordo entre policiais e representantes do Ministério Público, o Congresso Nacional decidiu adiar a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) número 37, que proíbe o Ministério Público de conduzir investigações criminais, atribuição que passaria a ser exclusiva das polícias. O governo também orientou as bancadas aliadas a não forçarem a votação da emenda após ela ter sido incluída no cardápio de reivindicações dos protestos espalhados pelo país nas últimas semanas.
A votação da emenda está agendada para o próximo dia 26 na Câmara dos Deputados, mas o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que está em viagem oficial à Rússia, já afirmou que pretende adiar a votação, segundo o jornal Folha de S.Paulo. O presidente em exercício da Câmara, André Vargas (PT-PR), defende o adiamento para o segundo semestre.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seguiu a mesma linha nesta quarta-feira. "Vou solicitar alguns dias para que termine esse processo de consulta em separado. Será um apelo a Henrique Alves para que se possível adie a votação", disse.
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Para Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a postergação permitirá mais tempo para as negociações. “O MP nunca esteve tão unido, este é o momento certo para conversarmos. Estamos abertos para negociar, mas nunca para ouvir que nós não podemos investigar, disse. “Conversei com o Henrique Alves e ele sinalizou que vai adiar. Antes mesmo dos protestos essa hipótese já vinha sendo ponderada, e parece que esses últimos eventos aumentaram a pressão para que a PEC não seja analisada agora”, afirmou
O que diz a PEC 37
A PEC define como competência "privativa" da polícia as investigações criminais ao acrescentar um parágrafo ao artigo 144 da Constituição. O texto passaria a ter a seguinte redação: "A apuração das infrações penais (...) incumbe privativamente às polícias federal e civis dos estados e do Distrito Federal."
- O que diz a Constituição:A legislação brasileira confere à polícia a tarefa de apurar infrações penais, mas em momento algum afirma que essa atribuição é exclusiva da categoria policial. No caso do Ministério Público, a Constituição não lhe dá explicitamente essa prerrogativa, mas tampouco lhe proíbe. É nesse vácuo da legislação que defensores da PEC 37 tentam agora agir.
- Votação:As propostas de emenda à Constituição, como a PEC 37, tem um regime diferenciado de votação e, para serem aprovadas, exigem quórum mínimo de 3/5 de votos favoráveis do total de membros da Casa (308 votos na Câmara e 49 no Senado) e apreciação em dois turnos tanto na Câmara quanto no Senado.
Protestos - Na breve reunião realizada na noite desta terça-feira, os membros do grupo de trabalho também mostraram preocupação que as manifestações ganhem força com a aprovação da PEC 37. Durante protesto na noite de segunda-feira, em Brasília, cartazes contra a “PEC da Impunidade” foram erguidos em frente ao Congresso Nacional. Para o próximo dia 26, está previsto um protesto exclusivo contra a PEC, novamente na capital federal. Mais de 7.000 pessoas confirmaram presença na página do evento, criada no Facebook.
Após um mês e meio de discussões, o grupo de trabalho criado para reavaliar o texto da PEC 37 chegou ao fim de suas reuniões nesta quarta-feira com cenário igual ao do início dos debates: sem acordo. Representantes do Ministério Público e da polícia, acompanhados por parlamentares e servidores do Ministério da Justiça não chegaram um consenso sobre como devem ser conduzidas as investigações criminais. Para tentar negociar um acordo, Cardozo anunciou que vai tomar a frente dos debates.
Na próxima semana, o ministro se reunirá, separadamente, com representantes do Ministério Público e das polícias. Estabelecer um ponto comum entre os dois órgãos, porém, não será uma tarefa fácil, já que ambos não abrem mão de investigar processos criminais. “A nossa reunião com o MP e com os delegados será para avaliar se nós podemos encontrar alternativas que possam ser objeto de consideração”, afirmou.
Nas reuniões do grupo de trabalho, iniciadas no mês passado, representantes da polícia sugeriram que fosse incorporada à Constituição a possibilidade de o Ministério Público apurar as infrações – mas somente em processos “extraordinários”. Por entender que a solução dava espaço para manter procuradores e promotores distantes das apurações, o MP recusou a proposta. “Esse texto limita muito mais a nossa atuação. Nós continuamos reafirmando que temos o poder de investigar. Somente precisamos de regramentos”, afirmou Norma Cavalcanti, presidente em exercício do Conselho Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
Como uma alternativa à PEC 37, representantes do Ministério Público protocolaram nesta terça, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei com regulamentações para as investigações criminais. O texto sugere ação integrada da Polícia Judiciária com o MP e também a interação de outros órgãos que colaboram para o andamento das apurações, como a Receita Federal, o Banco Central e a Controladoria-Geral da União (CGU). A ideia é que em casos de apuração conjunta, a investigação seja conduzida pelo delegado de polícia e coordenada por um membro do Ministério Público.
Máfia do Asfalto
A ‘máfia do asfalto’, desarticulada em abril de 2013 após uma ação anticorrupção do Ministério Público em doze estados brasileiros, era especializada em desvios nos contratos de pavimentação e recapeamento de asfalto em 78 municípios do noroeste de São Paulo. Dezenove pessoas foram denunciadas pelo órgão por formação de quadrilha, falsidade ideológica e fraudes em licitações. A Justiça aceitou a denúncia e decretou a prisão de treze envolvidos.
As obras públicas recebiam recursos dos Ministérios do Turismo e Cidades, e o esquema de fraudes era centralizado pela empreiteira Demop, que possui mais de trinta empresas parceiras, muitas delas de fachada e todas pertencentes à família Scamatti. Relatórios da operação mostraram que os acusados tinham tentáculos no meio político, sendo citados em escutas telefônicas deputados federais e estaduais de partidos como o PT e o PSDB.
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