Professor Procopio tem 3 milhões de
seguidores nas redes sociais
É a coisa mais fácil do mundo encontrar cantores, atletas e
artistas com milhões de seguidores nas redes sociais, mas quando um professor
fica famoso por ensinar matemática, é um motivo a ser comemorado. Isso
significa que os estudantes de todas as idades – dos menorzinhos aos adultos –
estão sedentos por conhecimento e que valorizam o árduo trabalho do professor.
Rafael Procopio,
matemático de 34 anos do Rio de Janeiro, sabe exatamente o que os estudantes
estão procurando, e consegue passar este conteúdo de forma leve e divertida,
criando laços com os alunos. O professor Procopio tem 3 milhões de seguidores
no Facebook e YouTube, mas
esse impressionante número é recente, com salto de 200 mil para 1,5 milhão em
poucos meses no primeiro semestre de 2017.
O canal
Matemática Rio foi criado em 2010 como resultado da união de duas paixões:
vídeo e matemática. Rafael nem imaginava um dia chegar a tantas pessoas, do
Brasil, Portugal, Moçambique, México, Japão e Estados Unidos. Segundo ele, isso
mostra uma carência de material que realmente atinja os alunos que querem
estudar matemática.
Confira
entrevista com o professor Procopio:
Hypescience: Quando você percebeu que gostava de matemática?
Rafael Procopio: Desde criança eu já gostava de matemática e estudava por conta
própria. Desde sempre.
O que você gosta nessa matéria?
Eu gosto da parte do raciocínio, que você tem que pensar para chegar à uma
conclusão lógica. As demonstrações sempre seguem a cadeia lógica do raciocínio
para chegar no resultado final. Toda essa parte lógica, os padrões, deduções,
tudo isso na matemática me encanta. A minha monografia da conclusão de curso
foi sobre a arte dos mosaicos e o ensino de matemática. Sempre gostei da parte
de artes, ainda mais relacionado à matemática. Eu acho que segregar, falar que
“eu sou de exatas, sou de humanas”, isso é bobeira. A nossa vida, a gente vive
por completo. Eu sou de exatas, sou de humanas, sou tudo ao mesmo tempo. Meus
estudos de língua portuguesa, geografia, história, tudo isso está reunido aqui
para formar o Rafael.
Por que as crianças e adolescentes têm tanto medo da matemática?
Em geral o problema das pessoas com matemática se dá por causa da matemática
básica, aquela matemática mais do início, desde o básico das operações
aritméticas, a resolução de equações, aprender a interpretar um gráfico,
identificar figuras geométricas, toda essa parte básica da matemática, se não
for aprendida da maneira adequada, em todo o resto a pessoa vai ser ter
dificuldade. A pessoa chega no ensino médio e não consegue aprender nada de
função, de análise combinatória, probabilidade, geometria analítica, porque o
problema da pessoa em geral está na base. Eu costumo comparar o conhecimento
matemático com a construção de um prédio: se o alicerce não foi bem construído,
quando você começar a colocar os outros andares, em algum momento isso vai
ruir.
“Eu percebi que o problema das pessoas está nessa parte mais
básica da matemática. Essa foi a grande sacada que fez com que a coisa
explodisse”.
O que esses seguidores relatam sobre as dificuldades deles?
Pelo ritmo do meu crescimento que aconteceu nesse ano por conta de vídeos de
matemática muito básica, ensinando a tabuada, como dividir, multiplicar, somar,
subtrair, produtos notáveis, radiciação, equação, essas coisas mais básicas na
matemática, são as que dão mais visualização, ou seja, é onde a galera tem mais
dificuldade. Eu consegui levar essa palavra da matemática para milhões de
pessoas graças à matemática básica, eu percebi que o problema das pessoas está
nessa parte mais básica da matemática. Essa foi a grande sacada que fez com que
a coisa explodisse.
Se a matemática básica, teoricamente, é “fácil”, por que existe
esse problema de aprendizado?
Então, o problema é esse. Talvez ela não seja tão fácil assim. Muita gente fica
zoando: “como é que alguém tem dificuldade nisso, isso é muito fácil”. Mas se
você pede para essa pessoa explicar alguma coisa pra outra, o máximo que ela de
repente tenta fazer é procedimentos, quando na verdade decorar procedimentos
não é a mesma coisa que aprender de fato. Quando você decora um script de como
resolver uma multiplicação, uma divisão, se eu mudo qualquer coisa ali, coloco
uma vírgula onde não tinha, a pessoa não sabe mais. O que eu tento fazer é
mostrar os porquês. Por que a divisão foi feita desse jeito? Por que a
multiplicação foi feita desse jeito? Por que isso faz sentido? No final das
contas a matemática tem que fazer sentido. Se não fizer sentido, tá errado. A
matemática básica pode parecer algo infantilizado, mas você tem que aprender de
fato, entender por que as coisas são como são.
Você acha que aquela ideia de menino ser melhor em matemática do
que menina é uma construção social? O que você observa?
Eu acho que é cultural, vem desde
sempre. Desde a Europa medieval, quando se estudava matemática… desde a Grécia,
na verdade, e quando se estudava a matemática mais profundamente, isso era
exclusividade dos homens, porque não se permitia que as mulheres estudassem,
que as mulheres entrassem nessa seara de conhecimentos. Só era permitido ao
homem pensar e ser intelectual. Mas a gente vê que desde essa época, desde a
antiguidade, teve mulheres incluídas nessa parte de pensamento científico, e
muitas vezes elas se passavam por homens para conseguir publicar trabalhos.
Então acho que o cérebro do homem e da mulher estão perfeitamente aptos a
conseguir aprender matemática e qualquer outra ciência exata. Isso realmente é
uma construção social. Tanto é que em 2014 a pessoa a ganhar a maior condecoração
da matemática, a medalha Fields, foi uma iraniana chamada Maryam Mirzakhani,
que ganhou junto com um brasileiro, o Artur Ávila.
E como as futuras gerações podem aprender matemática de forma
melhor?
A internet está aí para ajudar. O professor que está na sala de aula tem que
lidar com o tempo curto para poder dar toda a matéria, ele não consegue ficar
voltando para sanar dúvidas de matemática básica, e meu canal no YouTube tem
toda essa matéria lá disponível. Se o professor não tiver esse tempo para
voltar o tempo todo, ele pode recomendar que o aluno estude em casa pela
internet. Ele vai ter uma experiência diferente daquela da sala de aula, ele
vai estar focado, não vai ter ninguém atrapalhando ele. E ele vai estudar na
hora que ele se sentir capaz de aprender, na melhor hora do dia para ele. Tem
uma série de vantagens da internet em relação ao presencial, e o professor pode
aproveitar isso, e o aluno também, preenchendo lacunas da matemática básica em
casa.
Como você vê uma escola perfeita?
Pra mim, o que eu penso é que não seria a tradicional. A gente vê muita coisa
evoluindo na sociedade mas a escola parou no tempo. A maior parte das escolas,
99% delas são no formato de produção industrial, compartimentado, crianças com
a mesma idade na mesma sala, formação matricial dentro da sala, todo mundo
aprendendo no mesmo ritmo a mesma coisa. Isso já não faz sentido. Hoje em dia o
estudante ao invés de ter que ir atrás do conhecimento, tudo chega até ele. Se eu
sou uma criança hoje e quero aprender alguma coisa, eu mesmo vou no YouTube e
vejo um vídeo How to, Do it yourself. Não faz mais
sentido essa escola tradicional. Eu tentaria seguir ao máximo o ritmo de estudo
de cada estudante, não teria mais série, talvez. Esse é um estudo que deveria
ser mais feito com mais profundidade do que ficar fazendo brainstorming aqui,
mas de fato as crianças e pessoas em geral aprendem em ritmos diferentes, não
adianta impor o mesmo ritmo, os mesmo assuntos, os mesmos interesses para todo
mundo.
“Em uma
vídeo-aula, com todos os recursos tecnológicos, você consegue em um GIF
demonstrar um conhecimento que o professor às vezes demorava uma aula inteira
para demonstrar”
Você acha que daqui em diante haverá uma maior demanda por material
mais interativo, audiovisual?
Eu sou um pouco cético quanto a isso de revolução da educação, porque no
passado, quando começou a difundir o rádio, as pessoas falavam: “o rádio vai
trazer a revolução da educação, vai acabar a figura do professor”. Aí veio a
TV. Falaram: “olha, a TV é a nova revolução, vai mudar tudo”, e não mudou nada,
continuou igual. Aí veio o computador e falaram: “o computador é a grande
revolução na educação”. Não sei. É difícil fazer uma previsão. Ainda mais nesse
ritmo de internet que a gente tem hoje. De fato as coisas estão evoluindo em
uma exponencial e a escola está ficando para trás. Não dá pra dizer que o
computador vai ser esta revolução ou não. Agora, que está mudando a cabeça dos
adolescentes e crianças em relação em como estudar, buscar conhecimento na
internet e não ficar se limitando apenas na sala de aula, isso está mudando.
Tudo isso é uma evolução cultural. Depende da gente estimular essas pessoas a
buscar conhecimento pela internet e transformar isso numa cultura. Se eu estou
querendo aprender alguma coisa, eu tenho que acessar a internet para aprender e
tirar a dúvida com o professor em sala de aula. Eu fazia isso quando eu era
professor em sala de aula. Eu falava “olha, para próxima aula o assunto é esse
aqui, então vocês vão lá em casa e estudem, e aqui vamos debater, tirar as
dúvidas”. Acho esse um modelo bacana, o ensino híbrido. O aluno primeiro buscar
o conhecimento por conta própria e na sala de aula haver um debate. Em uma
vídeo-aula, com todos os recursos tecnológicos, você consegue em um GIF
demonstrar um conhecimento que o professor às vezes demorava uma aula inteira
para demonstrar. Às vezes uma imagenzinha em movimento já resolve esse
problema. Outra vantagem é que na vídeo-aula, o professor está sempre disposto,
sempre feliz, enquanto o professor presencial às vezes está em um dia ruim, mas
na internet a gente está sempre bem. Eu só gravo quando estou bem, quando estou
sorrindo, disposto, e eu tenho o poder da edição, que o professor físico não
tem.
Exemplo
de como um GIF pode ajudar na explicação de um conceito
Quando você começou a ensinar,
você imaginava que seria um professor popstar?
Jamais! Não. Na verdade meu canal é de 2010, uma época em que o YouTube não monetizava. Eu juntei só duas paixões: o vídeo e a matemática. Em 2009 eu estava infeliz com a minha profissão, eu queria abandonar, porque eu trabalhava em uma escola muito complicada aqui no Rio de Janeiro, mas pensei, antes de largar: “eu vou trocar de escola pra ver se o negócio melhora”. Aí fui dar aula em uma escola chamada Rosa da Fonseca. E lá no primeiro dia de aula a diretora me falou: “estamos recebendo um novo projeto chamado Cine-clube nas Escolas, então além de DVDs, a gente recebeu uma câmera que os professores podem usar com os aluno”. Eu pensei: “câmera, alunos, matemática…”. Pensei em um projetinho envolvendo vídeos na escola e criei o canal da escola, criei o meu canal. E assim passei a colocar os vídeos na internet sem maiores pretensões. Até que em 2011 o YouTube começou a monetizar, eu nem sabia que se podia ganhar dinheiro com isso, e eu monetizei, ganhava centavos todos os meses. E aquilo foi crescendo em ritmo de internet, em crescimento exponencial. No primeiro ano consegui quase mil inscritos, depois 3 mil, 10 mil, 40 mil, 100 mil, 500 mil.
Jamais! Não. Na verdade meu canal é de 2010, uma época em que o YouTube não monetizava. Eu juntei só duas paixões: o vídeo e a matemática. Em 2009 eu estava infeliz com a minha profissão, eu queria abandonar, porque eu trabalhava em uma escola muito complicada aqui no Rio de Janeiro, mas pensei, antes de largar: “eu vou trocar de escola pra ver se o negócio melhora”. Aí fui dar aula em uma escola chamada Rosa da Fonseca. E lá no primeiro dia de aula a diretora me falou: “estamos recebendo um novo projeto chamado Cine-clube nas Escolas, então além de DVDs, a gente recebeu uma câmera que os professores podem usar com os aluno”. Eu pensei: “câmera, alunos, matemática…”. Pensei em um projetinho envolvendo vídeos na escola e criei o canal da escola, criei o meu canal. E assim passei a colocar os vídeos na internet sem maiores pretensões. Até que em 2011 o YouTube começou a monetizar, eu nem sabia que se podia ganhar dinheiro com isso, e eu monetizei, ganhava centavos todos os meses. E aquilo foi crescendo em ritmo de internet, em crescimento exponencial. No primeiro ano consegui quase mil inscritos, depois 3 mil, 10 mil, 40 mil, 100 mil, 500 mil.
“O país
que tem mais seguidores é o Brasil, depois Portugal, México, Argentina,
Colômbia, Chile. Eu nem falo espanhol no meu canal, mas a carência da
matemática é tanta, então eles vêm no meu canal”
Você tem alunos internacionais?
O tempo todo. Quanto tem vídeo que entra ao vivo no Facebook ou YouTube vem
gente de Angola, Moçambique, Portugal, brasileiros que moram no Japão, nos EUA,
na Europa. Se for analisar nos meus números, o país que tem mais seguidores é o
Brasil, depois Portugal, México, Argentina, Colômbia, Chile, um monte de países
que falam espanhol. Eu nem falo espanhol no meu canal, mas a carência da
matemática é tanta, especialmente na língua espanhola, então eles vêm no meu
canal querendo aprender alguma coisa.
“Um indígena estuda comigo na Amazônia, e o filho do Pedro Bial,
um cara milionário do Rio de Janeiro, também”
Como você se vê no canal daqui a 10 anos?
Eu não faço a menor ideia, eu sempre penso de ano em ano. Na internet é
complicado. Eu levei 7 anos para crescer 200 mil curtidas. Aí de maio pra junho
de 2017 eu cresci 1,5 milhão. A internet é muito doida, uma hora você está bem,
depois pode acontecer alguma coisa que acaba com tudo. É sempre tentando
crescer para que mais pessoas tenham acesso ao conteúdo. A gente leva o mesmo
conteúdo de qualidade para a pessoa da zona Sul do Rio e para o cara que mora
na Amazônia. Eu estava lendo os comentários e li um de um indígena na Amazônia
que falava que tinha que pegar um barco, ele queria ser engenheiro, na tribo
dele não tinha escola, ele tinha que viajar, pegar um barco, navegar pelo rio
Amazonas, para chegar até uma cidade que tinha computador, para ele poder
estudar matemática comigo. É incrível saber que eu chego a lugares tão
distantes. Ao mesmo tempo que esse índígena estuda comigo, um dia eu peguei um
voo e estava o Pedro Bial, e eu falei: “Pedro Bial!”, e ele falou: “Rafael
Procopio!”. Ele falou que o filho dele estuda matemática comigo. E eu pensei:
“um indígena estuda comigo na Amazônia, e o filho do Pedro Bial, um cara
milionário do Rio de Janeiro, também. Isso é a democratização do acesso ao
conhecimento. Antigamente a pessoa, para ter acesso a uma aula de qualidade,
tinha que pagar uma escola muito cara. Hoje em dia isso está disponível de
graça ou baratinho na internet. Hoje em dia não tem mais a diferença, quem quer
corre atrás e tem a mesma preparação que o cara da Zona Sul, dos Jardins de São
Paulo, o pobre também tem conhecimento.
“A
matemática não é só para resolver problemas práticos do cotidiano. Ela facilita
conexões neurais e raciocínio”
Mais algum recado para seus alunos?
Quero mandar o recado final para a galera de fato buscar o conhecimento. É só
saindo da ignorância, a gente conhecendo as coisas, entendendo como elas
funcionam, tanto da matemática quanto física, química, biologia, as ciências
como um todo. Eu não falo nem das ciências humanas porque humanas é meio que
uma unanimidade. Ninguém reclama que tem que aprender trovadorismo na escola ou
os afluentes do rio Amazônia, mas a gente vê gente perguntando “por que tem que
aprender Teorema de Pitágoras? Fórmula de Bhaskara? Onde eu vou usar isso na
vida?”. Só se pergunta se vai usar isso na vida em exatas, principalmente em
matemática. Não tenha medo do conhecimento, conhecimento nunca é demais. E matemática
não é só para resolver problemas práticos do cotidiano. Você aprende muita
coisa porque isso facilita as conexões neurais e o raciocínio. É correr atrás
do conhecimento para melhorar a sua própria vida. As ciências tiram as pessoas
do obscurantismo e permitem que elas entendam o mundo a sua volta. Isso para
mim é libertador. Eu brinco com meus alunos: precisando de matemática, pode
“contar” comigo.
Serviço:
Site Matemática Rio
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