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Após o fim da Segunda Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo, em 1945, São Paulo vivia um momento de efervescência cultural. Revistas de divulgação artística, conferências, seminários e exposições agitavam a vida paulista.
No final dos anos 1940, foram inaugurados o Museu de Arte Moderna (MAM) e o Museu de Arte de São Paulo (MASP). Na mesma época, Franco Zampari, empresário de origem italiana, montou uma companhia teatral de alto nível, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Crescia o interesse pelo cinema e os intelectuais fundavam cineclubes e movimentavam grupos de debates.
Alimentada por empresários paulistas, criou-se então a Vera Cruz.[4], com estúdios de mais de 100.000 m², que ocupavam o que antes era uma granja da Família Matarazzo..
O início
Embora possuísse capital para manter a companhia e a administrasse com seriedade, Franco Zampari pouco entendia de cinema; se dava melhor com o teatro. Portanto, chamou o renomado Alberto Cavalcanti, que havia obtido fama e experiência no cinema inglês, para montar a Companhia. Ele trouxe dezenas de técnicos estrangeiros, que trabalhavam em um sistema burocrático e complicado, incompatível ao mercado brasileiro. A justificativa era de que não havia profissionais suficientemente capacitados no país, o que afetaria a ambição da empresa, que era a de atingir padrões internacionais, realizando um cinema de bases industriais. Depois das custosas primeiras produções, desavenças fizeram Cavalcanti ser demitido do cargo de Produtor Geral em 1951. O papel ficou para Fernando de Barros, comerciante português que havia tido experiência com o cinema carioca da época e que também tinha o compromisso de baratear as produções.
Sob a supervisão de 'Cavalcanti', foram feitos os longas Caiçara e Terra é sempre Terra e os curtas Painel e Santuário.
Consagração e Fim das Produções
Durante os três anos seguintes, a empresa chegou ao auge. Alguns de seus filmes circularam no exterior e galgaram prêmios nos mais importantes festivais do mundo, como Cannes e Veneza. O Cangaceiro, por exemplo, faturou 50 milhões de dólares e foi distribuído em mais de 80 países[5] . Contudo, o montante obtido quase não voltava para empresa, já que os filmes eram todos distribuídos pela Columbia Pictures, que comprava as fitas por preços baixos, comparados ao mercado internacional.
Dessa forma, a Vera Cruz mergulhou em um processo de endividamento irreversível, causado por custosas produções - que se tornavam ainda mais caras por atrasos nas filmagens - e o pouco retorno financeiro relacionado diretamente aos problemas de distribuição. Segundo depoimentos[6] , a situação chegou a esse ponto por conta da inexperiência de Zampari, que não estudou o mercado antes de fundar a empresa. Naquela época, a ausência de um sistema próprio de distribuição para filmes brasileiros fazia com que os distribuidores e exibidores de filmes ficassem com mais de 60% da arrecadação das produções. Além disso, por conta da alta inflação, preços dos ingressos das salas de cinema eram tabelados, o que reduzia o valor real do ingresso e a arrecadação dos filmes. No entanto, para filmes estrangeiros, o governo brasileiro pagava a diferença entre o câmbio do dólar oficial e do paralelo, impedindo que houvesse perdas inflacionárias e criando concorrência desigual de filmes estrangeiros no mercado nacional.
A empresa também sofria de problemas estruturais. Zampari confiava cargos altos a pessoas incompetentes; dentre muitos casos, se destacam o de seu irmão Carlo, que foi administrador de produção e pouco entendia do ramo - havia sido comandante da marinha italiana durante a vida -, e do diretor Adolfo Celi, que, embora tenha dirigido peças no Teatro Brasileiro de Comédia, nunca havia tido contato com cinema antes de Caiçara. Também aconteceram casos de corrupção na contabilidade, atrasos de salários e enormes desperdícios de material, principalmente de rolo de filme - item produzido no exterior e de alto valor na época.
Em 1953 para tentar reverter a situação, a diretoria da empresa fez um empréstimo de 100 milhões de cruzeiros, valor considerado exorbitante à época. Com o montante, a Vera Cruz montou três linhas de produção diversificada: filmes de apelo popular (como A Família Lero-Lero e Candinho), superproduções com pretensão de lançamento no exterior (como O cangaceiro e Sinhá Moça) e filmes de arte voltados ao mercado interno (como Veneno e Apassionata).
A adoção do novo arranjo produtivo não conseguiu, entretanto, salvar a Vera Cruz da falência. No fim de 1954, o Banco do Estado assumiu as ações e tomou conta da companhia, que funcionou produzindo filmes menores até final dos anos 1950
Legado
Apesar de ter existido por apenas 5 anos, a Vera Cruz formou uma geração de cineastas e profissionais de cinema. A qualidade técnica e artística de seus filmes marcou uma época e mostrou a viabilidade do cinema brasileiro. Michael Stoll, um dos técnicos de som, fundou mais tarde o estúdio paulista Álamo, em 1972. Foi na Vera Cruz que surgiu uma das mais importantes personalidades do cinema brasileiro: Amácio Mazzaropi[7] , indiscutível campeão de bilheteria até a década de 1970.
A experiência da Vera Cruz de dificuldade na inserção de filmes no mercado brasileiro e internacional foi importante, também, para a criação da Embrafilme, em 1969, uma empresa estatal brasileira produtora e distribuidora de filmes cinematográficos.
Produções
Durante os quase 5 anos de funcionamento, a companhia realizou 22 filmes de curta, média e longa-metragem.
Sua primeira produção foi o filme Caiçara, dirigido pelo italiano Adolfo Celi e todo filmado em Ilhabela, litoral de São Paulo, para onde foram deslocados o elenco, a equipe técnica e os pesados equipamentos de filmagem. A produção foi cercada de grande publicidade e teve como protagonista Eliane Lage.
O reconhecimento internacional da Vera Cruz veio com O cangaceiro, premiado no Festival de Cannes. Antes, o diretor Lima Barreto já havia sido premiado, mas por curta-metragens: em 1950, fez Painel e Santuário, sobre as pinturas de Aleijadinho, igualmente premiado em Cannes.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo, em 1945, São Paulo vivia um momento de efervescência cultural. Revistas de divulgação artística, conferências, seminários e exposições agitavam a vida paulista.
No final dos anos 1940, foram inaugurados o Museu de Arte Moderna (MAM) e o Museu de Arte de São Paulo (MASP). Na mesma época, Franco Zampari, empresário de origem italiana, montou uma companhia teatral de alto nível, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Crescia o interesse pelo cinema e os intelectuais fundavam cineclubes e movimentavam grupos de debates.
Alimentada por empresários paulistas, criou-se então a Vera Cruz.[4], com estúdios de mais de 100.000 m², que ocupavam o que antes era uma granja da Família Matarazzo..
O início
Embora possuísse capital para manter a companhia e a administrasse com seriedade, Franco Zampari pouco entendia de cinema; se dava melhor com o teatro. Portanto, chamou o renomado Alberto Cavalcanti, que havia obtido fama e experiência no cinema inglês, para montar a Companhia. Ele trouxe dezenas de técnicos estrangeiros, que trabalhavam em um sistema burocrático e complicado, incompatível ao mercado brasileiro. A justificativa era de que não havia profissionais suficientemente capacitados no país, o que afetaria a ambição da empresa, que era a de atingir padrões internacionais, realizando um cinema de bases industriais. Depois das custosas primeiras produções, desavenças fizeram Cavalcanti ser demitido do cargo de Produtor Geral em 1951. O papel ficou para Fernando de Barros, comerciante português que havia tido experiência com o cinema carioca da época e que também tinha o compromisso de baratear as produções.
Sob a supervisão de 'Cavalcanti', foram feitos os longas Caiçara e Terra é sempre Terra e os curtas Painel e Santuário.
Consagração e Fim das Produções
Durante os três anos seguintes, a empresa chegou ao auge. Alguns de seus filmes circularam no exterior e galgaram prêmios nos mais importantes festivais do mundo, como Cannes e Veneza. O Cangaceiro, por exemplo, faturou 50 milhões de dólares e foi distribuído em mais de 80 países[5] . Contudo, o montante obtido quase não voltava para empresa, já que os filmes eram todos distribuídos pela Columbia Pictures, que comprava as fitas por preços baixos, comparados ao mercado internacional.
Dessa forma, a Vera Cruz mergulhou em um processo de endividamento irreversível, causado por custosas produções - que se tornavam ainda mais caras por atrasos nas filmagens - e o pouco retorno financeiro relacionado diretamente aos problemas de distribuição. Segundo depoimentos[6] , a situação chegou a esse ponto por conta da inexperiência de Zampari, que não estudou o mercado antes de fundar a empresa. Naquela época, a ausência de um sistema próprio de distribuição para filmes brasileiros fazia com que os distribuidores e exibidores de filmes ficassem com mais de 60% da arrecadação das produções. Além disso, por conta da alta inflação, preços dos ingressos das salas de cinema eram tabelados, o que reduzia o valor real do ingresso e a arrecadação dos filmes. No entanto, para filmes estrangeiros, o governo brasileiro pagava a diferença entre o câmbio do dólar oficial e do paralelo, impedindo que houvesse perdas inflacionárias e criando concorrência desigual de filmes estrangeiros no mercado nacional.
A empresa também sofria de problemas estruturais. Zampari confiava cargos altos a pessoas incompetentes; dentre muitos casos, se destacam o de seu irmão Carlo, que foi administrador de produção e pouco entendia do ramo - havia sido comandante da marinha italiana durante a vida -, e do diretor Adolfo Celi, que, embora tenha dirigido peças no Teatro Brasileiro de Comédia, nunca havia tido contato com cinema antes de Caiçara. Também aconteceram casos de corrupção na contabilidade, atrasos de salários e enormes desperdícios de material, principalmente de rolo de filme - item produzido no exterior e de alto valor na época.
Em 1953 para tentar reverter a situação, a diretoria da empresa fez um empréstimo de 100 milhões de cruzeiros, valor considerado exorbitante à época. Com o montante, a Vera Cruz montou três linhas de produção diversificada: filmes de apelo popular (como A Família Lero-Lero e Candinho), superproduções com pretensão de lançamento no exterior (como O cangaceiro e Sinhá Moça) e filmes de arte voltados ao mercado interno (como Veneno e Apassionata).
A adoção do novo arranjo produtivo não conseguiu, entretanto, salvar a Vera Cruz da falência. No fim de 1954, o Banco do Estado assumiu as ações e tomou conta da companhia, que funcionou produzindo filmes menores até final dos anos 1950
Legado
Apesar de ter existido por apenas 5 anos, a Vera Cruz formou uma geração de cineastas e profissionais de cinema. A qualidade técnica e artística de seus filmes marcou uma época e mostrou a viabilidade do cinema brasileiro. Michael Stoll, um dos técnicos de som, fundou mais tarde o estúdio paulista Álamo, em 1972. Foi na Vera Cruz que surgiu uma das mais importantes personalidades do cinema brasileiro: Amácio Mazzaropi[7] , indiscutível campeão de bilheteria até a década de 1970.
A experiência da Vera Cruz de dificuldade na inserção de filmes no mercado brasileiro e internacional foi importante, também, para a criação da Embrafilme, em 1969, uma empresa estatal brasileira produtora e distribuidora de filmes cinematográficos.
Produções
Durante os quase 5 anos de funcionamento, a companhia realizou 22 filmes de curta, média e longa-metragem.
Sua primeira produção foi o filme Caiçara, dirigido pelo italiano Adolfo Celi e todo filmado em Ilhabela, litoral de São Paulo, para onde foram deslocados o elenco, a equipe técnica e os pesados equipamentos de filmagem. A produção foi cercada de grande publicidade e teve como protagonista Eliane Lage.
O reconhecimento internacional da Vera Cruz veio com O cangaceiro, premiado no Festival de Cannes. Antes, o diretor Lima Barreto já havia sido premiado, mas por curta-metragens: em 1950, fez Painel e Santuário, sobre as pinturas de Aleijadinho, igualmente premiado em Cannes.
Os pavilhões da Veracruz eram administrados por concessão pela empresa privada Telem desde 2015. Porém, por problemas na administração, o atual prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, revogou o contrato de concessão que, originalmente se daria por 30 anos, e retomou para a Prefeitura a administração do complexo. A promessa é de que o complexo seja utilizado para seu fim original, o de produções televisivas e cinematográficas. Segundo o prefeito, a restauração do teatro para 800 pessoas e de sala de cinema para 100 estão previstas, além da restauração e conservação do acervo cinematográfico e produtivo - como um veículo utilizado por Mazzaropi para a filmagem das obras -, restauração do prédio e etc.
Lista de filmes da Vera Cruz
- Painel - 1950 - documentário dirigido por Lima Barreto
- Santuário - 1950 - documentário dirigido por Lima Barreto
- Caiçara - 1950 - drama dirigido por Adolfo Celi
- Ângela - 1951 - drama dirigido por Abílio Pereira de Almeida e Tom Payne
- Terra é sempre terra - 1951 - drama dirigido por Tom Payne
- Apassionata - 1952 - drama dirigido por Fernando de Barros
- Veneno - 1952 - drama dirigido por Gianni Pons
- Tico-tico no Fubá - 1952 - drama biográfico dirigido por Adolfo Celi
- Sai da frente - 1952 - comédia dirigida por Abílio Pereira de Almeida
- Nadando em dinheiro - 1952 - comédia dirigida por Abílio Pereira de Almeida e Carlos Thiré
- Sinhá Moça - 1953 - drama dirigido por Tom Payne
- A Família Lero-Lero - 1953 - comédia dirigida por Alberto Pieralise e Gustavo Nonnemberg
- O cangaceiro - 1953 - drama dirigido por Lima Barreto
- Uma pulga na balança - 1953 - drama dirigido por Luciano Salce
- Esquina da ilusão - 1953 - comédia dirigida por Ruggero Jacobbi
- Luz apagada - 1953 - drama dirigido por Carlos Thiré
- Obras Novas - 1953 - documentário sobre a construção dos estudios da Vera Cruz
- É proibido beijar - 1954 - comédia dirigida por Ugo Lombardi
- Na Senda do Crime - 1954 - policial dirigido por Flaminio Bollini Cerri
- Candinho - 1954 - comédia dirigido por Abílio Pereira de Almeida
- Floradas na Serra - 1954 - drama dirigido por Luciano Salce
- São Paulo em festa - 1954 - documentário dirigido por Lima Barreto
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