Filipa Simões |
Uma
equipe de cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, liderada pela
portuguesa Filipa Simões, descobriu que uma célula crucial do sistema
imunitário humano está diretamente envolvida na formação da cicatriz que repara
o músculo do coração após um ataque cardíaco.
Trata-se dos macrófagos, células cuja missão passa por reparar tecidos
danificados e ajudar a combater infeções. Por exemplo, quando fazemos um corte
na mão, são os macrófagos os responsáveis por remover as células mortas e
ajudar a reparar o tecido.
Em declarações ao ZAP, a cientista
portuguesa explicou que esta é uma descoberta “importante” e “bastante
surpreendente“, uma vez que, até ao momento, apenas os miofibroblastos tinham
sido diretamente implicados na formação da cicatriz cardíaca.
A par dos miofibroblastos, os
macrófagos tornam-se assim alvos importantes para a reparação do músculo
cardíaco após um enfarte.
Durante um ataque cardíaco, milhares de
células do músculo do coração são perdidas e/ou danificadas, não sendo o
coração capaz de as substituir. Por isso, num primeiro momento, a cicatriz
cardíaca é necessária para reparar os danos e evitar uma rutura do ventrículo.
No entanto, a longo prazo, a solução
encontrada pode acabar por se tornar num problema: o tecido cardíaco fica com
uma cicatriz permanente que faz com que pacientes tratados sofram de
insuficiência cardíaca, uma vez que o coração reparado já não é capaz de
bombear sangue de forma tão eficaz como antes.
A descoberta deste novo mecanismo que
envolve de forma direta os macrófagos poderá, no futuro, ajudar a tornar a
cicatriz cardíaca permanente numa temporária, não comprometendo assim a saúde
cardíaca dos doentes tratados.
Macrófagos produtores de colagénio
Para perceber se os macrófagos estavam
envolvidos neste processo, a equipa liderada por Filipa Simões analisou e
comparou composição da cicatriz cardíaca em diferentes animais.
Ao todo, foram utilizados três modelos
de animais na investigação: um rato de laboratório adulto, cujo coração não
regenera, à semelhança do que acontece com os humanos; um rato de laboratório
recém-nascido, que é capaz de regenerar o coração até sete dias após o
nascimento; e o peixe-zebra, animal de águas doces nativo do sul da Ásia,
conhecido por conseguir regenerar o seu coração até à idade adulta através de
uma cicatriz cardíaca temporária e não permanente.
Os cientistas estudaram o comportamento
dos macrófagos após uma situação de ataque cardíaco nestes animais e
descobriram que muitas das moléculas que formam a cicatriz são expressas
através destas mesmas células, destacando a formação do colagénio.
“Para perceber se os macrófagos
participam diretamente na formação da cicatriz, modificámos estas células
geneticamente de modo a que a proteína do colagénio fluoresça e assim a
possamos ver”, começou por explicar a cientista.
“Ao transplantarmos estes macrófagos
modificados para os corações dos ratinhos e do peixe-zebra que sofreram um
ataque cardíaco, constatámos que parte da cicatriz formada semanas mais tarde
era fluorescente. Esta observação foi muito surpreendente e demonstra claramente
que os macrófagos podem formar colagénio, exportá-lo e depositá-lo na
cicatriz”, afirmou Filipa Simões, primeira autora do estudo.
Esperança para o coração humano
Para já, o procedimento foi apenas
testado em cobaias e no peixe-zebra, contudo a equipa acredita que o mesmo
mecanismo pode vir a ser replicado no coração humano.
“Com este estudo identificamos uma nova
função para os macrófagos, função esta que é conservada a nível
evolutivo, e que desafia o dogma atual de que apenas miofibroblastos contribuem
para a formação cicatriz cardíaca. Acreditamos que este novo mecanismo também
seja aplicado ao coração humano”.
Num comunicado enviado ao ZAP, a equipa
explica que há duas etapas necessárias para que um coração possa ser efetivamente
reparado: primeiro, é necessário modular a formação da cicatriz permanente e
transformá-la numa temporária e, em segundo lugar, é preciso substituir todas
as células de músculo cardíaco perdidas com ataque cardíaco.
A investigação de Filipa Simões, cujos
resultados foram esta quinta-feira publicados na revista científica Nature,
ajuda a trilhar a primeira etapa deste processo. “O nosso estudo contribui para
perceber como podemos modular a primeira parte do problema, já que
identificamos os macrófagos como novos alvos para modular a formação da
cicatriz”.
“Antes de podermos passar a ensaios
clínicos e ajudar doentes que sofreram um ataque cardíaco, precisamos continuar
a investir em investigação básica, o que chamamos investigação fundamental
conduzida pela curiosidade de saber mais. Só assim vamos compreender de modo
mais detalhado o mecanismo pelo qual os macrófagos depositam colagénio na
cicatriz cardíaca ou, por exemplo, o que acontece se bloquearmos a produção de
colagénio nos macrófagos do ratinho adulto – será que o coração fica assim com
uma cicatriz mais pequena e consegue regenerar, evitando insuficiência
cardíaca?”.
“Só depois de termos mais informação sobre
este processo poderemos pensar em avançar para ensaios clínicos, de modo a
modular a função dos macrófagos e poder tratar doentes que sofreram um ataque
cardíaco”, rematou Filipa Simões.
Anualmente, as doenças cardíacas causam
17,8 milhões de mortes em todo o mundo.
Cerca de meio milhão de portugueses têm
insuficiência cardíaca, doença que está a aumentar e é responsável por duas a
três vezes mais mortes do que o cancro da mama e do cólon, segundo dados da
Sociedade Portuguesa de Cardiologia divulgados em 2019.
Fonte: ZAP
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