Como já havia feito milhares de vezes em centenas de outros locais ao longo de meio Estados Unidos, o garimpeiro ergueu cuidadosamente a bateia, deixou escorrer a água gelada e remexeu o punhado de cascalho. Seu coração disparou; havia ali mais metal amarelo do que ele jamais tinha visto naquela região. Uns quatro dólares, talvez – numa época em que apenas 10 cents por bateia eram considerados um ótimo negócio.
Sem nunca imaginar que naquele dia – 16 de agosto de 1896 – estava entrando para a História, o californiano George Washington Carmack correu para registrar a descoberta. No início, ninguém acreditou nele: além de ser conhecido na região como sonhador e mentiroso, Carmack era casado com uma índia da tribo Siwash – e índios, ditavam os preconceitos da época, não eram gente confiável.
Quando Carmack jogou seu punhado de pepitas sobre o balcão, tudo mudou. O grito de “ouro!” sacudiu Fortymile, chegou a Dawson e em poucos dias cada centímetro de Klondike, até então apenas um insignificante afluente do Rio Yukon, estava coalhado de garimpeiros. A grande corrida do ouro, que ficou conhecida como Yukon Gold Rush, estava começando.
Klondike fica em território canadense, na região que leva o nome do grande Rio Yukon, e a poucos quilômetros da fronteira do Alasca, as terras vendidas pela Rússia aos Estados Unidos em 1867. Foi o melhor negócio do mundo – para os americanos, é claro. Para o governo russo, que iniciara a exploração do Alasca com as viagens de Vitus Bering e Alexei Chirikof em 1741, aqueles 126 anos de colonização tinham trazido mais problemas que lucros.
Em São Petersburgo, muitos conselheiros do czar criticavam os gastos com o que, para eles, não passava de um monte de gelo cheio de índios hostis e interessante apenas para os caçadores de peles. Isolados na imensidão do novo território, com minguados recursos para explorar tudo e a milhares de quilômetros do poder político, os administradores do Alasca conheciam o potencial da região – mas jamais conseguiram convencer o governo.
As circunstâncias históricas ajudaram, a Guerra da Criméia tinha esvaziado os cofres da Rússia, que precisava desesperadamente de dinheiro. Num relatório decisivo ao czar Alexandre II, o influente almirante Vladimir Ermelos temia que os Estados Unidos acabassem se apoderando à força do território, e aconselhava:
“Com o desaparecimento da lontra-do-mar, que está praticamente extinta, não há qualquer meio viável de ganhar dinheiro no Alasca. A região não tem recursos naturais, com exceção de árvores, nem reservas minerais. Todo o território deve ser vendido, se possível, até mesmo dado, se necessário“.
No dia 3 de março de 1867, o negócio foi fechado. Apesar do preço ridículo para uma área duas vezes maior que o Texas, não faltaram críticas dentro do próprio Senado americano. “Pagamos 7,2 milhões de dólares por uma caixa de gelo“, diziam. O secretário de Estado William Seward, principal mentor da compra, foi chamado de idiota.
Os primeiros sinais de ouro no Alasca surgiram em 1849, descobertos por um engenheiro russo na Península de Kenai. Novos achados pipocaram em 1861 (Wrangel), 1870 (Sundum Bay), 1871 (Sitka), 1880 (Juneau), 1886 (Fortymile) e 1893 (Hope Rampart e Circle). Quando Carmack encontrou seu filão, já havia garimpeiros espalhados por todo o território; foram esses os primeiros a fincar suas picaretas nas margens do Klondike, e os que ficaram com a maior parte do ouro.
A grande corrida, entretanto, seria adiada por um ano: logo em seguida à descoberta chegou o inverno, o temperamental Yukon congelou mais cedo e ninguém conseguiu sair de lá antes de junho de 1897, quando o rio voltou a ser navegável e um vapor transportou os novos milionários até a costa.
Lá embarcaram em dois navios: o Excelsior, com destino a São Francisco, e o Portland, que ancorou em Seattle, no dia 17 de julho com 68 garimpeiros e uma tonelada de ouro a bordo. A notícia explodiu nas manchetes dos jornais, e no dia seguinte milhares de aventureiros faziam as malas rumo ao Klondike.
Em poucas semanas, cada navio disposto a seguir para o Alasca ficou entupido de todo tipo de gente. A maioria não tinha a menor ideia do que levar, e poucos estavam preparados para o que os esperava. Movidos pela febre do ouro, eles simplesmente iam.
A primeira surpresa acontecia antes mesmo do desembarque em Skagway, a pouco mais de 3 mil quilômetros de Seattle: o porto não tinha cais, e os passageiros praticamente eram atirados nas águas geladas junto com a carga. Na praia, montanhas de equipamento afundavam na lama, enquanto milhares de aventureiros tentavam descobrir o caminho para Dawson e o Klondike, a quase mil quilômetros dali.
Só então descobriam que não havia nenhum transporte; tinham que andar. Pior, era de novo inverno, metros de neve cobriam tudo, chovia constantemente e ventos de 80 quilômetros por hora baixavam a temperatura para 50 graus abaixo de zero. Esperar até a primavera seria perder um ano de garimpo – e talvez uma fortuna.
Na cidade sem lei, vigaristas de todo tipo tiravam o que podiam dos recém-chegados, enquanto os oitenta saloons prosperavam e as prostitutas faturavam como nunca: de um delas, Kate “Pipoca”, conta-se que todas as suas roupas cabiam num dedal…Em apenas um ano, entre 1897 e 1898, cerca de 60 mil aventureiros chegaram a Skagway, mas nem todos atingiram o Klondike ou algum dos afluentes do Yukon.
O primeiro obstáculo eram os treze quilômetros de caminhada até Dyea, a porta de entrada para o Alasca: era ali que começava a Trilha Chilkoot, um caminho usado há séculos pelos índios tlingites para ultrapassar as montanhas.
Íngreme, sinuosa, cercada por desfiladeiros e permanentemente batida por ventos cortantes, a Chilkoot subia nada menos que 1097 metros em seus primeiros 27 quilômetros, nos 26 seguintes, serpenteava por entre uma sucessão de lagos e pântanos. Em seu trecho mais difícil, a Escadaria, a inclinação era de 45 graus; 1.200 degraus, cavados ao longo de 300 metros de gelo, levavam os garimpeiros até o topo.
Lá, esperavam por eles duas surpresas: um posto da Real Polícia Montada do Canadá e a exigência de que cada garimpeiro levasse consigo pelo menos uma tonelada de alimentos. A lei era inflexível e tinha um objetivo humanitário; impedir que os aventureiros morressem de fome, pois a partir daquele ponto, os recursos eram escassos e muitos passariam um ano inteiro sem ter onde comprar qualquer tipo de comida.
No pé da Escadaria, eles abandonavam tudo que era supérfluo. Depois subiam, homens e mulheres, cada um transportando o que podia; alguns chegavam a levar 50 quilos montanha acima – o que, apenas para a comida, significava vinte viagens, ida e volta. A cada uma delas, iam juntando suas coisas numa pilha, que demarcavam com um objeto qualquer.
Subir e descer uma única vez podia levar seis horas, mas as pilhas ficavam lá, intactas. Quem tocasse numa delas morria. “O Alasca era o inferno, mas a Escadaria era o caldeirão do demônio“, diz um relato da época. “Era tanta gente subindo que você colocava o pé no degrau assim que o homem da frente tirava. A fila jamais parava, e quem saísse dela para recuperar o fôlego podia demorar até uma hora para conseguir entrar de novo.”
As avalanches eram frequentes e numa delas 65 garimpeiros morreram. Em Dyea, onde tudo que restou daqueles anos fantásticos foi o cemitério, 65 lápides têm a mesma data, 3 de abril de 1898, Domingo de Ramos.
O Passo Branco, única alternativa para a Trilha Chilkoot, não era muito melhor. Menos íngreme e com a vantagem de permitir o uso de animais, o caminho saía de Skagway e também terminava no Lago Bennett. Mas era doze quilômetros mais longo, um lamaçal quase contínuo de neve derretida “onde os cavalos morriam como moscas“, como relatou o escritor Jack London. Calcula-se que pelo menos 3 mil burros de carga morreram ali, castigados pelo frio, a fome e o peso da tralha que eram obrigados a carregar.
No topo da cordilheira, os sobreviventes das trilhas começavam outra etapa ainda mais heroica: a viagem pelo Rio Yukon. Não havia linha regular de transporte, nem barcos disponíveis. Cada garimpeiro tinha que construir o seu, o que implicaria derrubar árvores, serrar manualmente a madeira e montar alguma coisa capaz de aguentar quase mil quilômetros de corredeiras até Dawson e o Klondike.
O trajeto podia demorar até cinco meses, dependendo do gelo, e ninguém sabe quantos morreram nas toscas jangadas, ou das muitas doenças agravadas pela fome e pelo frio.
Dos mais de 100 mil que foram, entre 1897 e os dois anos seguintes, os historiadores calculam que menos de quatro mil chegaram efetivamente a encontrar algum ouro. E só algumas centenas, talvez, realmente enriqueceram. A maioria chegou apenas a tempo de descobrir que as melhores lavras já haviam sido tomadas, que um pacote de sal ou um quilo de pregos custavam 100 gramas de ouro – e que, na verdade, não havia tanto ouro assim para tanta gente.
Por volta de 1899, a grande corrida cessou. As cidades que fervilhavam de garimpeiros (Dawson passara de algumas dezenas para 30 mil habitantes em apenas um ano) se esvaziaram. Em meio aquela vastidão gelada ficaram apenas os mais rudes e perseverantes, que não se incomodavam de acender fogueiras sobre o chão para que a terra descongelasse e pudesse então ser cavada.
O ouro do Alasca não tinha acabado, é claro. Ao longo do Yukon e em vários pontos da costa novas jazidas continuaram sendo descobertas até 1914: Nome, Fairbanks, Iditarod, Chandalar, Ruby, Marshall, Kantishna, Innoko, Livengood. Chegou então a vez das grandes mineradores, com suas máquinas capazes de buscar no subsolo o que as bateias dos aventureiros não conseguiram mais tirar da superfície.
As minas estão lá até hoje, em plena atividade, produzindo bilhões de dólares em ouro – sem contar o petróleo, o cobre e outros minérios. Nada mal para uma caixa de gelo que custou apenas 7,2 milhões.
Refazendo a corrida do ouro
Beneficiado pela beleza natural, o Alasca talvez seja o Estado americano que melhor soube transformar sua história em atração turística. Tudo que se refere à grande corrida do ouro é tratado como uma relíquia, cada local pisado pelos garimpeiros foi transformado em museu.
A Trilha Chilkoot foi cuidadosamente demarcada pelas autoridades americanas e canadense, e pode ser percorrida em três ou quatro dias por quem tiver experiência em trekking. Isso na primavera e verão, é claro. No inverno, que ali vai de outubro a maio, apenas montanhistas muito bem equipados conseguem autorização para subir. Existem guias disponíveis e helicópteros permanentemente de plantão para resgatar vitimas de congelamento ou avalanche.
Os 53 quilômetros da Trilha Chilkoot são um impressionante museu a céu aberto. Os milhares de utensílios abandonados pelos garimpeiros na louca subida, no século passado, ainda estão lá. Ferramentas, fogareiros, restos de botas, ossadas de cavalos. Retirar qualquer desses objetos rende multas pesadas – ou até cadeia.
Outro passeio impressionante é pela ferrovia erguida no Passo Branco por um obstinado empreiteiro canadense, Michael Heney, entre maio de 1898 e julho de 1900. Aos que lhe disseram que a empreitada era impossível, tão inacessíveis era o terreno, Heney respondera: “Me dêem dinamite suficiente, e eu abro uma estrada até o inferno“.
Deram. Mas exatamente 450 toneladas. Heney gastou 10 milhões de dólares, empregou 30 mil operários, suspendeu trilhos e dormentes em cordas até o topo das montanhas e completou o trabalho em apenas 26 meses. Em termos de engenharia, uma proeza. Mas, para os garimpeiros, era tarde demais: a grande corrida do ouro já havia terminado.
Um garimpeiro de histórias
Para o escritor americano Jack London, o Klondike foi uma verdadeira mina de ouro, embora ele não tenha achado nenhuma pepita durante os dois anos em que andou por lá. Aventureiro desde garoto, ele tinha apenas 20 anos e viajara metade do mundo, mas ainda não havia descoberto seu verdadeiro talento quando embarcou para o Alasca em 1897.
Garimpou e nada encontrou. Mas voltou com um material muito mais precioso: a saborosa galeria de tipos humanos e animais (como o cão Buck) que ele transformaria em personagens de alguns de seus melhores romances.
Em livros como O Filho do Lobo, Caninos Brancos ou O Chamado Selvagem, que anos depois o cinema transformaria em movimentados filmes de aventura, a dura realidade vivida por London junto dos garimpeiros ganhou toques precisos de ficção e transformou-o no mais bem pago autor americano do início do século.
Fervoroso militante socialista, escreveu cinquenta livros, mas sua produção começava a declinar quando ele morreu, em 22 de novembro de 1916, vítima de uma overdose de drogas que alguns definem como suicídio, aos 40 anos de idade.
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