Na plantação de soja: Renata Branco, responsável pela fazenda rio-pretense que promete ser modelo para o Brasil
Conheça os sistemas ILPF, ILP, IPF e ILF que já são
apostas para tornar as fazendas brasileiras mais sustentáveis
Rone Carvalho,rone.carvalho@diariodaregiao.com.br Publicado em 25 de fevereiro de 2023
Uma fazenda com rotação em uma mesma área entre atividades agrícolas e pecuária e onde vacas leiteiras e o gado descansam à sombra de árvores.
Esse é o perfil da propriedade rural rio-pretense que
promete ser modelo para agropecuaristas brasileiros na redução da emissão de
gases do efeito estufa.
Situada na divisa entre Rio Preto e Mirassol, a
fazenda administrada pelo governo estadual, por meio de parcerias com a
iniciativa privada, funciona como uma espécie de laboratório para pesquisadores
brasileiros descobrirem como tornar a pecuária mais sustentável.
O local, que deve ser inaugurado até o final de
2023, conta com laboratórios de pesquisa e uma área de aproximadamente 220 hectares,
em que pesquisadores estão iniciando a aplicação do sistema produtivo que
promove a integração lavoura com a pecuária (ILP).
O modelo produtivo, que já é aplicado em
propriedades rurais brasileiras, será alvo de estudos que visam popularizar
entre os agricultores e pecuaristas brasileiros os benefícios de unir grãos,
bois e árvores em uma mesma propriedade.
“Queremos ser a casa do pecuarista, o local onde ele pode tirar as dúvidas.
Além de comprovar por meio de estudos a rentabilidade e os inúmeros benefícios do sistema de integração lavoura-pecuária.
Já temos pesquisas sobre o ILP, mas, em Rio Preto, queremos
concentrar os estudos e fazer dessa fazenda um modelo para o Brasil”, diz
Renata Branco, pesquisadora do Instituto de Zootecnia e responsável pela
fazenda.
Na prática, o consórcio lavoura e pecuária da fazenda de Rio Preto funciona assim: no primeiro momento, após o plantio da soja, funcionários vão realizar a colheita e comercialização do produto.
Em seguida, áreas onde estava a soja vão ser preparadas com o pasto. Por fim, entra o rebanho.
“Vamos intercalar lavoura e pecuária durante cinco anos.
Depois pretendemos usar a floresta e adotar o modelo completo de integração
lavoura-pecuária-floresta”, explicou Renata.
Além de sustentar os animais no período seco,
tornando a fazenda mais produtiva durante todo ano, o consórcio
lavoura-pecuária melhora a qualidade do pasto que, consequentemente ao estar
bem manejado, sequestra carbono da atmosfera, compensando as emissões dos
bovinos, que são geradores de metano – um dos gases do efeito estufa
responsável pelo aquecimento global.
“Essa integração possibilita inúmeros benefícios ambientais, produtivos e econômicos para o produtor. Isso porque aumenta a quantidade de carbono no solo e oferece uma melhor pastagem para o gado.
No
Brasil, temos uma característica de muito pasto no verão e pouco no inverno,
com o sistema de integração existe um equilíbrio”, apontou José Ricardo
Pezzopane, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP).
Embora o modelo ILP já seja aplicado em
propriedades rurais do Brasil, na fazenda rio-pretense a diferença são os três
cenários montados pelos pesquisadores: um intercalando soja-bovino; outra
somente com a plantação de soja e correções nitrogenadas; e uma terceira área
da fazenda com o cenário que, normalmente, é encontrado nas propriedades
rurais, de ter somente a lavoura ou pecuária, sem correções nitrogenadas.
“Com os três cenários, vamos fazer uma comparação de qual área mais emite gases do efeito estufa, onde houve maior mitigação de carbono e qual foi mais rentável economicamente.
Queremos tornar a pecuária
ainda mais sustentável do que ela é através dos resultados obtidos nesta
fazenda”, afirmou Renata.
Boi na sombra aumenta a
produtividade
À frente plantação de soja, ao fundo floresta
na região do antigo Instituto Penal Agrícola (IPA) que deve ser utilizada para
integração lavoura-pecuária-floresta (Guilherme Baffi 23/2/2023)
Tornar a pecuária mais sustentável é apontado como um dos principais desafios do Brasil para cumprir os acordos climáticos de redução de gases do efeito estufa (GEE).
Além do setor de transporte, principal fonte de
poluição em Rio Preto, o crescimento do rebanho comercial bovino da região
também coloca a agropecuária no pódio dos maiores emissores de GEE do Noroeste
Paulista, segundo levantamento do Observatório do Clima.
É neste cenário que o modelo de integração
lavoura-pecuária-floresta ganha força ao ser uma alternativa para tornar a
pecuária mais sustentável através do sequestro de carbono. Isso porque estudos
na fazenda rio-pretense querem mensurar em quanto a lavoura e a floresta podem
mitigar a emissão de gases do efeito estufa da pecuária – que lança o metano na
atmosfera através do seu processo digestivo.
"O sistema de integração colabora de duas maneiras: o primeiro é que ao adotar uma prática que faz o animal comer melhor, pois o pasto está em melhores condições devido a rotação lavoura-pecuária, o animal emite menos gás metano.
Além disso, ao melhorar a pastagem você pode sequestrar mais carbono.
Por fim, um segundo benefício, é que através da integração você
produz mais e diminui a expansão agrícola. Ou seja, você produz mais em uma
área que produzia menos”, afirmou José Ricardo Pezzopane.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa da Embrapa mostrou que
árvores em sistemas integrados acumulam até oito toneladas de carbono por
hectare a cada ano. No estudo, foram analisados eucaliptos, componente arbóreo
mais comum de ser aplicado nas fazendas com ILPF no Brasil.
Marcos Silveira Bernardes, professor da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP), lembra que a sombra das árvores dão conforto para os animais e consequentemente aumenta sua produtividade.
"Além da sombra beneficiar o
animal, uma outra vantagem é que o solo do interior de São Paulo não é tão
fértil como de lugares frios, mas com a sombra das árvores possível pelo
sistema de integração você melhora o solo”.
Outros benefícios apontados pelo pesquisador são que o animal fica menos suscetível de ficar doente e existe aumento da biodiversidade ao redor da propriedade rural.
“O sistema de integração somente não é mais
frequente nas propriedades rurais do Brasil por falta de conhecimento, pois
você tem que saber sobre lavoura, pecuária e até floresta”.
Apesar de parecer recente, o modelo integrando lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é comum em outras partes do mundo, como China, Tailândia.
“O que chamamos hoje de ILPF já existe há muitos anos e foi consagrado pela comunidade primitiva.
Nos últimos vem ganhando força no país”,
ressaltou o professor Marcos Silveira Bernardes da USP.
No Brasil, dados da Rede ILPF apontam que houve aumento de 52%
das áreas com sistema de integração no Brasil, entre 2016 e 2021, de 11,5
milhões de hectares, em 2016, para 17,5 milhões de hectares em 2021, sendo que
a maioria adota o sistema integração lavoura-pecuária.
Manejo eficiente
contra emissão
Sistema ILPF coloca bois na sombra e aumenta
produtividade de fazendas brasileiras ( )
Além do sistema de integração, a fazenda-modelo de Rio Preto também conta com laboratórios que vão começar a funcionar até o fim de 2023.
O
objetivo é que além do sistema de integração, a propriedade busque alternativas
para diminuir a emissão de gases do efeito estufa pela agropecuária, seja
através de melhoramento genético de bovinos, novos aditivos naturais ou estudos
sobre a fermentação ruminal.
"A expectativa é que o novo centro auxilie o estado de São Paulo a colaborar com o plano estadual de neutralidade climática.
Além de
ajudar o Brasil a cumprir com o acordo feito na COP26, juntamente com mais de
100 países, em reduzir a 30% as emissões dos gases de efeito estufa, com base
nos dados de 2020”, explicou Renata Branco.
Entre os benefícios já comprovados propiciados pelo modelo de integração estão a otimização da ciclagem de nutrientes no solo e a maior eficiência na utilização de recursos naturais.
“Com os laboratórios pretendemos aplicar o conhecimento prático e teórico em um mesmo lugar.
Com o objetivo de facilitar a entrega de novas tecnologias a toda cadeira produtiva.
Ou seja,
vamos estudar o sistema de integração, mas também outras tecnologias nos
laboratórios”.
Segundo Renata, na fazenda de Rio Preto, o produtor saberá, por exemplo, como fazer para que a pecuária conduzida por ele seja mais eficiente e quais dietas devem ser utilizadas.
“O produtor também terá acesso a novos produtos e processos desenvolvidos. Tudo que acontecerá, desde o primeiro plantio, será demonstrado ao produtor.
Tanto que tudo estamos gastando para
fazer o plantio do sistema de integração e a rentabilidade em cada área estará
disponível. É uma forma dele ver os benefícios de implantar novas tecnologias
em sua propriedade”.
TIRE SUAS
DÚVIDAS
O que é o
sistema integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF)?
·
Como o próprio nome diz, consiste
em uma estratégia de produção que integra, em uma mesma área, diferentes
sistemas produtivos: agrícola, pecuário e florestal. A ideia é otimizar o uso
da terra, diversificar a produção e tornar a pecuária mais sustentável.
Contudo, existem
outros tipos de integração:
ILP – Integração lavoura-pecuária: sistema de produção que
integra o componente agrícola e o pecuário em rotação, consórcio ou sucessão.
IPF – Integração pecuária-floresta: integra o gado e a
floresta, com objetivo de uma pecuária com menos carbono.
ILF – Integração lavoura-floresta: integra a floresta e o
componente agrícola, como soja e milho.
ENTENDA
Um dos principais benefícios da integração é reduzir a emissão
de metano pelos bovinos
1) A digestão do capim, alimento rico em fibra, depende da
ação de microorganismo que vivem no rúmen – um dos quatro compartimentos do
estômago do animal
2) Os microorganismos conseguem quebrar a celulose e a
hemicelulose, presentes na fibra, assim como outros carboidratos não fibrosos,
por meio da fermentação. Os carboidratos são convertidos em ácidos voláteis
(ácido acético, propiônico e butírico), que são as principais fontes de energia
do bovino.
3) Durante o processo de fermentativo é gerado metano, que é liberado no ambiente pelo arroto do animal e, em menor escalada, por flatulência 60 quilos de metano, é a quantidade liberada por um boi anualmente, segundo
a Embrapa
NA FLORESTA
Por meio da fotossíntese, o gás carbônico emitido pela pecuária
é neutralizado
Normalmente, a espécie arbórea inserida é o eucalipto, a partir
de corredores de florestas entre o pasto e a plantação.
NA PECUÁRIA
·
A presença da floresta
proporciona mais conforto térmico e bem-estar-animal
·
O gado pode ganhar peso em quase
metade do tempo, principalmente, por conta do conforto térmico feito pelas
árvores.
NA LAVOURA
·
A diversificação de culturas
deixa o solo mais rico em nutrientes e produtivo
·
A colheita das lavouras anuais
enriquece o solo do pasto com matéria orgânica, permitindo o plantio direto
·
A integração preserva a
biodiversidade e otimiza a utilização de recursos naturais
·
Aumento da renda líquida,
permitindo maior capitação do produtor
·
Estabilidade econômica com
redução de riscos e incertezas devido à diversificação da produção
·
Melhoria do bem estar do animal
em decorrência do maior conforto térmico
·
Mitigação das emissões de gases
causadores do efeito estufa
·
Melhoramento da qualidade e
conservação das características produtivas do solo
FAZENDAS
SUSTENTÁVEIS
1700
Na Europa, desde a Idade Média, são conhecidas várias formas de
plantios associados entre culturas anuais e culturas perenes ou entre culturas
frutíferas e árvores madeireiras. Sistemas integrando árvores frutíferas com a
produção pecuária datam do século XVI, e, aparentemente, uma das causas do seu
quase desaparecimento foi a mecanização.
1800
O sistema de associar as culturas foi copiado da natureza pelos
indígenas e, posteriormente, transferido aos colonizadores. Nos trópicos, o
exemplo mais marcante vem dos pequenos agricultores, ao praticarem variados
sistemas de consórcios de culturas.
1900
Historicamente, os imigrantes europeus trouxeram para o Brasil a
cultura da associação entre agricultura, pecuária e florestas, que, desde o
início, foi adaptada às condições tropicais e subtropicais. Porém, com o
surgimento das máquinas o modelo foi parado de ser utilizado.
1970
Alguns esforços para reverter o processo de degradação dos solos
foram iniciados no final da década de 1970, com a adoção de sistemas de
terraceamento integrado em microbacias hidrográficas e o desenvolvimento de
tecnologias para compor o sistema plantio direto (SPD), principalmente no Sul
do Brasil.
1990
No final dos anos 1990, propostas que envolveram o uso de
sistemas de ILP voltam a ganhar força. A forragem produzida na entressafra
contribuía para a cobertura do solo e acúmulo de palhada para o cultivo em
sucessão de grãos em sistema de plantio direto.
2000
Já nos anos 2000, a demanda por madeira e a necessidade de
melhorar o conforto térmico para os animais levou à inserção do componente
arbóreo nos sistemas. Outros benefícios, como a proteção contra vento e geadas
e o sequestro de carbono intensificaram o interesse por esses sistemas de
integração.
Fonte: Embrapa.
https://www.diariodaregiao.com.br/cidades/riopreto/rio-preto-ganha-fazenda-modelo-para-reduzir-emiss-o-de-gases-do-efeito-estufa-na-agropecuaria-1.1051648
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