O “milagre” chinês tem um lado sombrio. A coluna vertebral de seu salto econômico são os mais de 200 milhões de migrantes que abandonaram o campo para buscar trabalho na cidade – revelou a BBC.
Esses migrantes constituem um terço da população economicamente ativa (de 15 a 65 anos de idade) e não têm acesso à saúde ou à educação. Para eles, o “milagre” chinês é uma utopia ou um pesadelo.
A BBC Mundo entrevistou a escritora Hsiao Hung-pai, autora de Scattered Sands eChinese Whispers, dois estudos-chave sobre o fenômeno da migração chinesa.
BBC – A Sra. descreve uma marginalização e grande vulnerabilidade dos migrantes no setor de mineração, onde mais de três mil morrem por ano, nas fábricas ou nas construções.
Hsiao Hung-pai – Os trabalhadores migrantes ganham a metade do salário típico urbano e não têm nenhuma proteção trabalhista ou legal.
Não têm contrato, as condições de segurança são precárias ou inexistentes, o salário é baixo e, dada a ausência de direitos trabalhistas, muitas vezes simplesmente não são pagos.
A isso se soma o tema do registro domiciliar, o Hukou, que dá acesso à saúde e à educação públicas. Um camponês se ficar doente, deve pagar como paciente particular ou voltar à sua região de origem para ser atendido. Uma operação de emergência pode ser uma tragédia.
Estes mais de 200 milhões de migrantes internos são fantasmas que circulam pelas cidades chinesas sem qualquer tipo de direitos.
BBC – Eles migram porque na cidade estão melhores que no campo.
Hsiao – Trata-se de uma decisão desesperada. A saúde está nas mãos do Estado, mas desde que Deng Xiaoping lançou sua Gaige Kaifan – abertura pró-capitalista da economia – ela é gerenciada com critérios de benefício econômico e o atendimento médico é caro e inacessível para muitos.
Outra razão típica da migração é o confisco de terra. As autoridades municipais confiscam a terra sem pagar a compensação de acordo com a lei. Sem essa terra, os camponeses migram para a cidade.
BBC – A China precisa de consumidores que sem acesso à saúde e à educação terão de economizar em vez de consumir.
Hsiao –Na China não existe o conceito de que esses camponeses são cidadãos.
Na saúde, a situação é dramática, os camponeses ficaram sem cobertura médica.
BBC – O grau de conflitos sindicais é muito alto.
Hsiao – Com a crise econômica de 2008 milhões perderam seus empregos, muitas vezes sem que lhes pagassem o que lhes deviam. Segundo as autoridades, houve uma média de 80 mil incidentes por ano desde 2008, entre eles distúrbios, protestos, greves e ocupações.
O sindicato oficial não representa os trabalhadores e se opõe a qualquer tipo de protesto, e os trabalhadores se organizaram informalmente e obtiveram várias vitórias.
Mas na China não é possível ter organizações independentes. Cerca de 80% das ONGs são ilegais.
Hsiao – Não há mudança à vista. As mudanças não podem ocorrer.
BBC – Não é uma ironia que depois de mais de 60 anos de uma revolução encabeçada pelos camponeses, eles sejam os grandes excluídos?
Hsiao –Durante [o governo de] Mao, a coletivização do campo serviu para manter o crescimento industrial e a população urbana.
O mundo fala de um milagre chinês. Mas se alguém vai aos mercados de trabalho informais das grandes cidades, a história que ouve é totalmente diferente. Os migrantes falam da exploração, da corrupção, da discriminação e da marginalização em que vivem. É um mundo totalmente diferente que afeta a mais de 200 milhões de pessoas.
Como é possível considerar milagroso um modelo que explora um terço de sua população economicamente ativa?
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