Congresso Nova Lei de Licitações: tentativa de acabar com o conluio

Texto no Senado pode desatar alguns nós que atrasam obras e reduzir as brechas para a corrupção enraizada no sistema de concorrências públicas

Gabriel Castro, de Brasília
Plenário do Senado Federal em Brasília
Plenário do Senado Federal em Brasília (Dida Sampaio/AE)
Os sucessivos casos de corrupção no Brasil se destacam pelas dimensões imodestas e pelo suprapartidarismo. As principais brechas utilizadas pelos ladrões de dinheiro público, no entanto, não variam tanto: licitações direcionadas, formação de cartéis e contratos fraudulentos entre o poder público e empresas privadas. 

A discussão sobre as raízes históricas e sociológicas da corrupção vai longe: já as causas administrativas do problema têm alguns culpados mais claros. Um deles é a famigerada Lei 8.666, a Lei de Licitações. Criada com o nobre objetivo de assegurar o uso responsável dos recursos públicos, a medida acabou por criar barreiras burocráticas a obras importantes sem, entretanto, barrar a corrupção.

Um levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU) dá a dimensão do problema: entre 2003 e 2011, o órgão calcula ter evitado o desvio de 7,3 bilhões de reais. O problema é que, para cada real recuperado, outros seis foram pelo ralo da corrupção.

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Por isso, é positiva a notícia de que, a partir do começo do ano, a Lei de Licitações poderá finalmente passar por uma extensa – e necessária – revisão do Congresso Nacional. Uma proposta que atualiza a lei foi aprovada na semana passada por uma comissão criada exclusivamente para discutir o assunto. 

Os parlamentares terão, portanto, uma boa oportunidade para renovar uma legislação que, vinte após entrar em vigor, recebe críticas do governo (porque atrasa empreendimentos), de empresários (porque favorece companhias menos preparadas) e do Tribunal de Contas da União (porque exige o cumprimento de normas virtualmente inaplicáveis).

Caberá, agora, ao Congresso analisar a matéria e achar uma resposta adequada a um dilema antigo: flexibilizar as regras de fiscalização pode aumentar o desvio de recursos. Por outro lado, o excesso de regras costuma provocar atrasos e prejudicar a gestão pública.
A solução encontrada pelos senadores na comissão passa, inicialmente, pela extinção das duas modalidades de licitação mais suscetíveis a conluios: a carta-convite e a tomada de preços. Esses mecanismos eram justificáveis na era pré-internet, quando despesas de menor vulto não justificavam a abertura de um complexo processo de licitação. Hoje, com os processos eletrônicos, o problema foi resolvido.
Uma segunda novidade relevante da proposta dá mais equilíbrio ao processo de seleção: em vez de levar em conta apenas o preço, a nova legislação permite que o gestor leve em conta, como fator primordial, a qualidade do serviço oferecido. O critério de eficiência corresponderia a 70% do peso da proposta, enquanto o valor proposto teria um peso de 30%.
José Matias-Pereira, especialista em finanças públicas e professor da Universidade de Brasília, diz que a ideia é positiva, mas depende de monitoramento dos órgãos de controle. "Está se dando uma certa discricionariedade ao gestor. É preciso ter alguns tipos de acompanhamento e avaliação nesse processo, para saber se o procedimento foi adequado".
Outra novidade da proposta deve dar agilidade aos pregões: quando o poder público realizar concorrências, apenas a melhor proposta será analisada. Se a documentação não for suficiente, passa-se à segunda melhor oferta. Hoje, a regra exige que o órgão licitante analise em primeiro lugar se cada uma das candidatas está apta a participar do processo - o que inclui uma exaustiva checagem da documentação apresentada.
O texto elaborado pela comissão do Senado prevê ainda que as empresas contratadas de forma direta também possam ser punidas caso haja ilegalidades nos processos onde haja contratação direta, com dispensa de licitação. É a chamada responsabilidade solidária. "Isso é um avanço. Não se pode imaginar que existe uma irregularidade apenas da parte do contratante: o contratado também precisa ser solidário", diz José Matias-Pereira.
Debate - A redação do texto demorou seis meses. A senadora Kátia Abreu, relatora da proposta ouviu representantes do governo, do setor de construção civil e de outros ramos que costuma manter contratos com o governo. O Tribunal de Contas da União (TCU) também acompanhou de perto a elaboração dos trabalhos.
"Nós deixamos a burocracia onde era necessária para evitar distorções e, ao mesmo tempo, tiramos da lei aquilo que deveria estar apenas nos contratos", diz Kátia Abreu.
O governo apoia a atualização porque reconhece as dificuldades trazidas pela legislação atual. Tanto que, para acelerar as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, conseguiu que o Congresso aprovasse um projeto que flexibiliza algumas regras – mas só nos empreendimentos ligados a esses torneios esportivos.É o Regime Diferenciado de Contratações (RDC).

O novo marco, se for aprovado, unificará toda a legislação do setor: a lei que trata dos pregões e a norma do RDC. A proposta agora está na Mesa Diretora do Senado, que vai decidir para qual comissão encaminha o texto. O debate deve tomar boa parte do ano de 2014. Mas o primeiro passo já foi dado.



Mudanças na Lei de Licitações

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Fim da carta-convite

O projeto extingue essa modalidade de licitação. A carta-convite é utilizada quando a administração pública quer escolher uma empresa para realizar um serviço com valor de até 150 000 reais. É preciso comunicar ao menos três empresas; a que oferecer o menor preço sai vencedora. O problema é que o modelo tem permitido fraudes: basta que a companhia escolhida para o esquema providencie outras duas para simular  a legalidade da concorrência.

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