Sigla quer 'hegemonia', cobra regulação da imprensa e democracia direta. Presidente, que nem sempre atende pautas da sigla, sinaliza que pode ceder
Gabriel Castro, de Brasília
Dilma Rousseff: até onde a presidente pretende ceder? (Ivan Pacheco/VEJA.com)
A relação de desafios do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff é extensa: além da deterioração do cenário econômico, a petista tem pela frente as investigações do petrolão e uma relação com o Congresso que já se prenuncia turbulenta.
A julgar pelo tom daresolução aprovada pela Executiva do PT nesta semana, outro desafio somou-se à lista: aplacar o ímpeto extremista do partido.
Diante da cobrança da sigla por ações em prol da hegemonia petista, duas questões se colocam de imediato. A primeira: ela quer fazê-lo?
A segunda: se quiser, conseguirá? Dilma se valeu da agressividade petista durante a eleição, quando era preciso atacar os adversários. Mas, se der voz ao radicalismo do partido, se arrisca a perder o poder de diálogo com outras legendas e setores da sociedade.
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"É urgente construir hegemonia na sociedade, promover reformas estruturais, com destaque para a reforma política e a democratização da mídia", diz o documento elaborado no dia 3 de novembro pela Executiva da sigla.
Os dicionários Aurélio e Houaiss apresentam definições semelhantes para hegemonia: predomínio, supremacia, superioridade. Em ciência política, porém, a expressão costuma ser utilizada nos termos definidos pelo pensador italiano Antonio Gramsci, um comunista que defendia a "revolução cultural" no lugar de levantes armados.
A hegemonia seria o predomínio ideológico de um grupo ou partido na sociedade. Esse parece ser o sentido do termo usado pelos PT, que nasceu num momento em que as ideias de Gramsci se espalhavam no país.
O PT, entretanto, é um partido complexo, habitat de algumas espécies políticas extravagantes. Surgiu como uma mistura de sindicalistas, acadêmicos, integrantes de comunidades católicas, ex-participantes da luta armada.
O historiador Marco Antonio Villa crê que a menção à "hegemonia" na resolução do PT tem pouco a ver com Gramsci. "Eu acredito que, com essa leitura, o PT está muito mais próximo de Lenin do que de Gramsci.
É um desejo leninista de impor o predomínio do partido", diz ele.
O partido nem mesmo havia sido criado quando, no dia 1º de maio de 1979, um grupo de fundadores da sigla elaborou o primeiro texto oficial da legenda: a carta de princípios do Partido dos Trabalhadores. Um trecho do documento diz: "O PT afirma seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia nem democracia sem socialismo". Trinta e cinco anos depois, a orientação encontra eco na resolução aprovada em 3 de novembro: o texto não fala diretamente em socialismo, mas mantém a menção à "democracia direta" e pede um esforço pela retomada do decreto que cria os conselhos populares, derrotado no Congresso Nacional.
PT x PT - Entre um documento e outro, o PT mudou muito. Mudou principalmente quando chegou à Presidência com uma aliança heterogênea que incluiu um vice-presidente bilionário. Mas, volta e meia, especialmente em momentos de turbulência, o partido parece regredir aos chavões típicos de ideologias falidas.
A resolução mais recente, por exemplo, defende a regulamentação dos meios de comunicação, menciona a "luta de classes" e acusa a oposição, infundadamente, de ser racista e machista.
O presidente do PT Rui Falcão nega que o termo seja uma expressão de sentimentos autoritários."Buscar hegemonia não é mandar nos outros; é difundir as nossas ideias para que elas possam ter maior impacto na sociedade.
As ideias que nós defendemos precisam se ampliar. Isso não ameaça o governo", diz. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, também contemporiza: para ele, o tom exaltado de líderes do partido tem a ver com a eleição equilibrada. "Tem alguns exageros próprios do momento que ainda não decantou, vamos dizer assim. Estamos muito perto da eleição", afirma.
Institucionalmente, o PT parece ter duas faces: uma, a do partido que joga o jogo democrático e nunca bate de frente com o empresariado e os banqueiros.
A outra, a do grupo político que emite resoluções violentas, demoniza adversários e reúne-se periodicamente com forças antidemocráticas no Foro de São Paulo, entidade que congrega partidos de esquerda latino-americanos e que já abrigou grupos terroristas. O PT nunca foi inteiramente uma coisa, nem inteiramente outra.
No primeiro mandato, a presidente, que não é uma petista histórica (ela passou mais tempo no PDT do que no atual partido), não cedeu à pressão da sigla em alguns temas como o controle dos meios de comunicação.
Ela demonstra preferência por se cercar de nomes moderados dentro do partido, como Jaques Wagner e José Eduardo Cardozo. E dá declarações cautelosas quando colocada diante de pleitos do partido — como a da última quinta-feira, em entrevista a repórteres de quatro grandes jornais.
"Eu não represento o PT. Eu represento o país. Não sou presidente do PT. A opinião do PT é a opinião de um partido. O PT, como todo partido, tem posição de partes. É típico deles", disse ela.
Dilma cede — Mas esse delicado equilíbrio pode mudar no segundo mandato. A vitória apertada de Dilma a deixa em dívida com o PT e com seu líder máximo, Luiz Inácio Lula da Silva.
A presidente vai enfrentar uma oposição mais forte, dentro e fora do Congresso, e não pode simplesmente ignorar os pleitos do partido.
E a presidente já dá sinais de que pretende ceder ao projeto petista de regulação da imprensa.
Na mesma entrevista em que afirmou que "não representa o PT", admitiu que colocará em discussão um antigo desejo do partido, a regulação econômica dos meios de comunicação, sob o pretexto de combater monopólios.
Assim como o controle de conteúdo, o fim do que o PT classifica como "monopólio dos meios de comunicação" sempre foi bandeira defendida nos projetos do partido para regulação da imprensa.
Ao voltar sua artilharia contra os grandes grupos de comunicação, sempre alvo dos irados discursos petistas contra a imprensa, o partido pode tentar golpear a receita publicitária dos veículos de informação — o que poderia redundar, no futuro, no controle indireto do conteúdo pelo governo — ou talvez forçar a divisão de empresas (como fez a bolivariana Cristina Kirschner na Argentina com o grupo Clarín).
A tentativa de criação dos conselhos populares é outro exemplo de concessão ao petismo "clássico". E a iniciativa já foi barrada pelo Congresso.
São frequentes as queixas, dentro do partido, de que a presidente não ouve os correligionários. Por outro lado, há reclamações no sentido oposto: governador do Rio Grande do Sul,
Tarso Genro, diz que o partido precisa trabalhar mais pelo governo: "Eu acho que o PT tem que se postar de uma maneira mais colaborativa com o governo", diz. Da relação com esse grupo complexo, frequentemente ambíguo, é que dependerá parte do sucesso do segundo mandato de Dilma.
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