Contra impunidade, STF
mantém prisão na 2ª instância
Decisão tem impacto direto nas
delações da Operação Lava-Jato. Delatores como Marcelo Odebrecht poderiam
interromper colaboração com a justiça
Executivo Marcelo
Odebrecht está preso desde 19 de junho deste ano, por suspeita de corrupção e
lavagem de dinheiro na Petrobras (Vagner Rosário/VEJA.com)

Na
carceragem de Curitiba e de Pinhais, onde estão detidos empreiteiros e
empresários enrolados na Operação Lava-Jato, e nas principais bancas de
criminalistas do país, todas as atenções se voltavam nesta quarta-feira para o
Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
A corte se preparava para julgar
dois processos que poderiam acabar de vez com a sensação de que corruptos
poderosos e endinheirados possuem verdadeiros passaportes para a impunidade.
Com dinheiro suficiente para pagar bons advogados, eles criavam na prática
“quatro instâncias” para recorrer em liberdade – juízo de primeiro grau,
Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de
Justiça e o próprio STF.
Na prática, raramente cumpriam pena.
Os
detentos do petrolão tinham especial interesse no veredicto de hoje.
Se a
indústria dos recursos eternos fosse mantida, poderiam ser interrompidos os
acordos de delação premiada que revelariam ainda mais detalhes do esquema de
corrupção instalado na Petrobras.
Com a perspectiva de só terem de enfrentar
realmente os riscos de cadeia dentro de anos, empreiteiros como Marcelo Odebrecht
e Léo Pinheiro se calariam.
Manteriam a tradicional omertà.
Nesta
quarta-feira, porém, o desejo dos poderosos do petrolão não se confirmou.
O
Supremo confirmou, por apertados seis votos a cinco, que a execução das
penalidades pode ser feita já na segunda instância, sem depender do chamado
trânsito em julgado.
No julgamento no STF, o ministro Luiz Fux resumiu:
“Estamos discutindo isso porque no Brasil as condenações são postergadas com
recursos aventureiros, por força de recursos impeditivos do trânsito em
julgado”.
Entre os
magistrados, um exemplo recorrente de impunidade: o jornalista Antonio Marcos
Pimenta Neves, condenado pelo assassinato da ex-namorada Sandra Gomide, no ano
2000, passou 11 anos solto.
Pimenta era réu confesso, mas só foi preso em 2011.
Neste ano passou para o regime aberto.
Do
plenário, os ministros mandaram um recado claro contra a impunidade dos
poderosos, que contam com o conceito elástico de presunção de inocência para
nunca expiar culpa atrás das grades.
“O sistema brasileiro hoje frustra na
maior medida possível o senso de justiça de qualquer pessoa.
Um sistema de
justiça desacreditado pela sociedade aumenta a criminalidade, não serve para o
Judiciário, não serve para a sociedade, não serve para ninguém”, disse o
ministro Luis Roberto Barroso ao falar sobre a dificuldade de levar criminosos
poderosos efetivamente para atrás das grades.
“Por ser um princípio e não uma
regra, a presunção de inocência é ponderada e ponderável com a efetividade do
sistema penal, que é um valor que protege a vida das pessoas para não serem
assassinadas, protege a integridade física, protege a integridade patrimonial”,
continuou.
“[Sem a prisão em segunda instância] O sistema brasileiro não era
garantista.
Era grosseiramente injusto”.
Entre os
ministros que consideraram que a prisão já em segunda instância é possível,
prevaleceu o entendimento que o trecho da Constituição que trata de prisão é o
inciso 61 do artigo 5º:
“Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos
casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
“Depois
da segunda instância, sobe o interesse do sistema de fazer aplicar a norma
penal.
Depois do segundo grau, o peso da presunção da inocência fica mais leve
e menos relevante em contraste com o interesse estatal”, afirmou Barroso.
Em
fevereiro, por sete votos a quatro, o STF havia entendido que a segunda
instância é a última que analisa provas de materialidade e autoria e, por isso,
a pena já poderia ser executada.
Desde a
retomada do tema à discussão, advogados articularam uma proposta alternativa: a
de que a execução da pena possa ocorrer após o julgamento do recurso especial
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A iniciativa significaria que um
tribunal superior teria confirmado a condenação do réu, mas apenas os ministros
Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli – que mudou o entendimento pessoal desde
fevereiro – consideraram a hipótese.
Também votaram contra a execução da pena
em segundo grau os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Celso de Mello.
Hoje, o decano criticou o que chamou de “pragmatismo de ordem penal” e
disse que o STF deve assegurar o direito fundamental de um acusado ser
presumido inocente até que se sobreponha sentença condenatória transitada em
julgado.
“A majestade da Constituição Federal não pode ser violada pela
potestade do Estado”, afirmou.
Ao longo
de toda a discussão, foram repisados por advogados argumentos que suspeitos
podres seriam os principais prejudicados e ampliariam ainda mais a situação de
caos do sistema penitenciário brasileiro.
Teori Zavascki rechaçou de pronto a
tese.
Segundo ele, é improvável que condenados menos abastados entupam a
justiça de recursos, além de ser necessário considerar que todos os recursos
deles fossem aceitos e, ao fim, eles fossem declarados inocentes.
“É
absolutamente desprovido de base real que a improcedência da ADC [ação
declaratória de constitucionalidade julgada hoje] iria acarretar injusto
encarceramento de dezenas de milhares de condenados, notadamente pessoas
humildes defendidas pela Defensoria Pública.
Isso parte da premissa que tem
recursos e que recursos serão acolhidos e que todos eles são inocentes”, disse.

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