À denúncia do ministro Joaquim Barbosa


 Ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF (Foto: Gervásio Baptista / STF)

Ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF: diante de denúncia grave, a resposta geral de magistrados e advogados foi corporativista (Foto: Gervásio Baptista / STF)
Amigas e amigos do blog, confesso que, como cidadão, estou triste. Triste pela reação corporativa, fechada, cerrada, em alguns casos próxima da histeria, que tiveram associações e entidades de magistrados e de advogados à duríssima declaração do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, sobre a existência de “conluio” entre juízes e advogados no Brasil e a necessidade de combater a praga.
Deixem-me fazer a ressalva inicial: não considero o ministro Joaquim um santo, nem um herói.
Longe da santidade está quem tem explosões de ira incompatíveis com sua posição, como o recente episódio em que mandou um repórter do jornal O Estado de S. Paulo “chafurdar no lixo”.
E, tendo a posição firme, dura e positiva que ostentou durante o julgamento da quadrilha do mensalão, o ministro, para mim, não se transformou num herói, como para muita gente, mas revelou-se um agente público que cumpriu com exação seu dever, tornando-se – isso sim – um bom exemplo para outros magistrados menos rigorosos e, sim, menos trabalhadores.
Pois bem, vamos ao que o ministro disse sobre juízes e advogados, durante sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que decidiu aposentar um juiz do Estado do Piauí acusado de beneficiar advogados. Lembro que a aposentadoria não é uma punição equivalente à mordomia, porque o juiz punido está ainda sujeito a processo criminal e pode ir parar na cadeia – embora, infelizmente, isso não dependa do CNJ.
Disse Barbosa:
“Há muitos [juízes] para colocar para fora. Esse conluio entre juízes e advogados é o que há de mais pernicioso. Nós sabemos que há decisões graciosas, condescendentes, absolutamente fora das regras”. (…)
Defendendo a transparência na atividade de quem julga, continuou: “Não há nada demais juiz receber advogado, mas o que custa trazer a parte contrária ao advogado [para tais encontros]? É a recusa, a falta dessa notificação [à outra parte], de transparência, que faz o mal-estar”.
Alguém terá visto aí alguma grande impropriedade? Ao falar em “muitos” juízes que devem ser excluídos da magistratura, Barbosa falou em TODOS? Ao dizer que há “decisões” absolutamente fora das regras, o ministro por acaso mencionou que todas elas, ou a maioria delas, são assim?
Qualquer pessoa razoável diria NÃO às duas perguntas.
Este modesto jornalista que vos escreve é formado em Direito pela Universidade de Brasília. Pelo lado paterno, sou filho, sobrinho, irmão e primo de advogados. Minha mulher é advogada. Pelo lado materno, sou sobrinho de três advogados e primo de outros quatro. Tenho uma prima juíza de Direito e um primo desembargador.
Todos eles já se referiram, na intimidade, a conluios ilícitos e imorais entre magistrados e advogados que puderam observar ao longo da carreira.
Todos os meus professores na UnB, vários deles magistrados, mencionaram o fato em aulas.
Os magistrados, advogados e membros do Ministério Público que conheço pessoalmente já relataram, indignados, casos concretos de que tinham conhecimento.
A falta de provas é que impede os honestos a denunciar.
Boa parte dos cidadãos comuns que já teve contato com a Justiça sabe que nem tudo que se passa ali é uma maravilha.
Pois bem, qual foi a reação das entidades de advogados e de magistrados diante do que disse o presidente do Supremo e do CNJ?
Sugeriram providências? Prometeram investigações? Comprometeram-se com uma vigilância mais rigorosa? Concordaram em que há problemas e que é necessário combatê-los?
Infelizmente, não foi isso o que prevaleceu. O que mais se ouviu foi a estridência da defesa corporativa das “categorias”.
Vejam só:
Marcus Vinícius Furtado, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil: “Não podemos jamais fazer um discurso que possa retomar uma época de ditadura no nosso país, em que não havia respeito às garantias do magistrado, à liberdade de imprensa ou à liberdade profissional do advogado. (…) As pessoas necessitam do Estado julgador para resolver os litígios, senão iremos voltar à barbárie, a um tempo antigo em que não havia Justiça”.
Agora eu:
Santo Deus, em que ponto da fala do ministro Joaquim havia qualquer vogal ou consoante que lembrasse a ditadura militar? Quando foi que o ministro negou a necessidade de existência do “Estado julgador” ou, de alguma forma, pregou uma volta à “barbárie”?
Será que o presidente da OAB se refere a algum outro discurso, pronunciado, talvez, na Coreia do Norte?
Raduan Miguel Filho, vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros: “A magistratura está bastante indignada com atitudes assim, que não são muito sensatas, vindas de um presidente do Supremo”.
Agora eu:
Como assim? Indignada com o ministro? Não seria melhor indignar-se, permanentemente, com magistrados que saem da linha? O que é mais sensato – apontar o errado ou criticar quem aponta?
Nino Toldo, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil: “Os códigos de ética da magistratura não proíbem a amizade com advogados. O juiz não faz voto de isolamento social. É um exagero superdimensionar as situações pontuais”.
Agora eu:
Em que ponto de sua fala o ministro Barbosa referiu-se à amizade com advogados – embora ele, pessoalmente, defenda a tese de que juiz não pode ter laços afetivos com advogados cujos clientes irá julgar? Em que ocasião o presidente do CNJ pregou um “voto de isolamento social” para advogados?
Renato Sant’Anna, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho: “Esse tipo de acusação genérica não é compatível com um membro do Judiciário”.
Agora eu:
Mostrei, lá em cima, que o ministro em nenhum momento generalizou. Atiram-se pedras em quem levanta problemas com mais disposição do que a demonstrada em enfrentá-los e resolvê-los.
Movimento de Defesa da Advocacia (MDA): Em nota, manifestou “séria preocupação com a repercussão que tais termos [do ministro] possam repercutir (sic) perante a sociedade brasileira”. (…) Os atos ilegais devem, após a devida investigação, ser rigorosamente punidos”. (…) Entretanto, não se pode silenciosamente aceitar como corretas manifestações generalistas”.
Agora eu:
De novo, a crítica de que o ministro generalizou. E a declaração, óbvia, de que atos ilegais devidamente investigados devem ser punidos. Nada da admissão de que existem advogados desonestos – como existem jornalistas, químicos industriais, banqueiros e atletas desonestos – ou uma expressão de solidariedade ao presidente do órgão fiscalizador da Justiça que levantou uma questão gravíssima.
E assim ficamos.
Do episódio todo, ainda assim, pelo menos restaram dois benefícios para a sociedade: ventilou-se publicamente o assunto – e o CNJ deixou fora de ação mais um juiz desonesto.

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