'Uma bolha não é algo que estoure de repente', diz Shiller
O economista e professor da Universidade Yale, Robert Shiller, ficou conhecido por ter previsto a crise no setor imobiliário dos EUA. Em entrevista ao site de VEJA, ele comenta que há indícios de formação artificial de preços também no Brasil. Robert Shiller, economista e professor da Universidade de Yale
Cerca de três anos antes de o banco de investimentos Lehman Brothers anunciar a falência, em setembro de 2008, o renomado economista Robert Shiller, professor da Universidade Yale, já previa que a economia dos Estados Unidos poderia entrar em colapso.
A crise prevista por Shiller, no entanto, não se referia à quebra do banco em si, mas à formação de uma "bolha" no mercado imobiliário dos EUA. Mas a queda do Lehman foi a agulha que estourou a crise financeira americana, que deixou consequências até os dias de hoje.
O termo "bolha" tem sido usado amplamente para designar uma situação em que os preços de determinado setor inflam fortemente sem qualquer sustentação. Esse valor artificial só é percebido quando os preços caem. É, literalmente, como uma bolha de sabão, sensível a qualquer movimento mais forte.
Em entrevista ao site de VEJA, Shiller explica que o termo "bolha" é uma metáfora infeliz por parecer algo que se rompe repentinamente. Para ele, uma "bolha" é, na verdade, algo cíclico que pode inflar e desinflar ao longo do tempo - algo mais parecido com uma bexiga.
O reconhecimento ao trabalho de Shiller está no índice Standard and Poor's Case/Shiller, que serve de referência para os preços do mercado imobiliário dos EUA. Sobre a situação brasileira, o economista explica que "há indícios" da formação de uma "bolha" no mercado de imóveis.► Ele diz que o Banco Central poderia atuar, ainda que tardiamente, para evitar consequências mais graves de uma forte alta dos preços dos imóveis. Neste sábado, Shiller estará no Brasil, onde participa do 6º Congresso Internacional de Mercado Financeiro e de Capitais, organizado pela BM&FBovespa, em Campos do Jordão. Confira trechos da entrevista:
Desde a crise imobiliária dos EUA, o termo “bolha” tem sido usado para designar inúmeros males econômicos. Como o senhor define esse conceito?
Eu acho que a metáfora “bolha” vem de 1720, do mercado europeu, de um episódio que ficou conhecido como a “bolha de Mississipi”. A metáfora sugere que se trata de uma explosão repentina. As bolhas de sabão vão crescendo até estourarem de forma catastrófica. É uma metáfora infeliz porque, na economia, as bolhas geralmente não estouram de repente. Na verdade, elas podem encolher durante um longo período de tempo.
A bolha dos preços dos imóveis no Japão, que se formou nos anos 1980 e que teve seu pico no começo de 1999 está desinflando até hoje, por exemplo. Ela está perdendo tamanho há vinte anos. Eu acredito que as bolhas sejam formadas por fenômenos sociológicos, elas são criadas pelos pensamentos das pessoas. E o pensamento não muda da noite do para o dia. Os movimentos repentinos no mercado financeiro acontecem tanto para cima quanto para baixo. Por exemplo, o mercado financeiro dos Estados Unidos teve uma tendência de queda entre 1929 e 1932, foram quase três anos de queda. Mas isso não quer dizer que de repente ele estourou.
É possível prever o momento da contração da bolha?
Nos Estados Unidos, por exemplo, isso aconteceu em 2005, ou seja, três anos antes da crise do Lehman Brothers. A crise do Lehman Brothers foi um efeito colateral da crise imobiliária. Eu tentei voltar para 2005 para analisar o que mudou de lá para cá. O que eu vejo que mudou é que as pessoas aprenderam a palavra “bolha”. Elas nem sabiam o que significava até então. Eu sei disso porque eu fiz pesquisas com perguntas diretas às pessoas. Por volta de 2003, por exemplo, ninguém havia mencionado a palavra “bolha”. O que todos diziam é que “imóvel era o melhor investimento”. Depois da crise dos anos 2000 ficou a impressão de que os imóveis não são bons investimentos, mas eles são, porque as pessoas sempre vão querer moradia. O que as pessoas não percebem é que se os preços sobem um dia eles caem.
No Brasil, o senhor acredita que exista uma bolha no mercado imobiliário causada pelos estímulos ao crédito?
Analisando os indicadores de preços de imóveis do Brasil pode-se perceber que os preços vêm dobrando. Eu suspeito que haja a formação de uma bolha. Uma boa evidência é comparar sempre os preços do imóvel com o do aluguel. Nos Estados Unidos, por exemplo, os imóveis tiveram alta a um ritmo mais avançado do que o dos aluguéis.
Eu não pude ver os preços dos aluguéis no Brasil, mas acredito que isso esteja acontecendo também. Isso é crítico porque não é que de repente as pessoas queiram consumir mais casas, mas esse apetite pelas compras é motivado pelo investimento. Isso é um problema. Meu temor é porque as pessoas agora estão tomando empréstimos para comprar imóveis. Se os preços entrarem em colapso, vai incorrer no mesmo tipo de problema que tivemos nos Estados Unidos. Isso pode ser convertido em uma recessão.
O que pode ser feito para evitar esse cenário? O governo tem poder para impedir?
O governo deveria se manifestar contra a formação de bolha, eles precisam acreditar que trata-se de uma bolha. E ele deveria fazer um aperto na oferta de crédito. Também pode-se fazer uma legislação que puna a oferta irresponsável de crédito. Uma outra medida interessante é contratar mais reguladores. A regulação é custosa, você não pode fazê-la de uma forma crua. É preciso saber quem é o emprestador responsável e quem não é. Isso se descobre com investigação e isso é custoso.
Esta semana o Fundo Monetário Internacional emitiu um relatório que recomenda que os bancos públicos brasileiros diminuam o ritmo de concessão de crédito. Qual sua opinião sobre isso, pensando no impacto no mercado imobiliário?
O banco de Israel fez isso. Eles estavam criando uma bolha imobiliária. Na China, as autoridades criaram barreiras para evitar a compra do segundo imóvel, por exemplo.
O que acontece para que se forme uma bolha é o fato de as pessoas se apressarem para comprar até cinco casas, elas querem comprar quanto for possível. Foi isso o que aconteceu nos Estados Unidos, a compra do segundo imóvel cresceu substancialmente. Isso é um problema, se muitos compram mais de um imóvel, os preços sobem.
Nossa situação é também um pouco diferente, há um déficit de moradias...
É difícil explicar isso porque eu teria que analisar a situação do Brasil.
Uma regulação mais rígida pode evitar que uma bolha seja criada?
É difícil evitar isso completamente. O problema é que sempre tem alguém que nega a existência de uma bolha. Eu estava muito atento a isso na formação da bolha norte-americana. Eu tentei debater com as pessoas a existência de uma bolha em 2005 e 2006. Algumas dessas discussões foram televisionadas em um programa da CNBC. Isso foi em 2005. Eu discuti com economistas que escreveram longos artigos que tinham tabelas e estatísticas, ridicularizando a existência de bolhas. Eu tive dificuldade para vencer os argumentos deles. Isso porque é difícil provar uma bolha.
Como se prova que há uma bolha?
É difícil, mas se você conseguir prová-la é possível também colocar fim. As pessoas têm a impressão de que a alta dos preços é um avanço da economia, e que isso vai tornar as pessoas mais ricas, mas elas não têm noção das estatísticas. Isso não é a verdade. Pode-se observar, por exemplo, a evolução dos preços dos imóveis em comparação com a evolução dos preços dos aluguéis, que deveriam aumentar na mesma proporção. Uma diferença é um indicativo de bolha.
Se for feita a correção com a inflação, os preços deveriam ficar quase que estáveis. Eu peguei dados no intervalo de 100 anos nos Estados Unidos dos preços dos aluguéis e os preços caíram em vez de aumentar. Além disso, nossa economia tornou-se mais eficiente, nossa forma de construção também, isso barateia o custo de construção e os preços deveriam ser menores.
O Brasil vive uma situação de “bolha” do consumo?
O Brasil teve um “turning point” na década de 1990 com o controle inflacionário. Mesmo hoje, a inflação no país é moderada. Sobre o crescimento, o que aconteceu com o Brasil foi o mesmo que aconteceu com a China e com todos os Brics. Houve um sentimento de “milagre”.
Eu acho que essa ideia de milagre desses países como China, Brasil, Rússia e Índia se espalhou pelo mundo. Mas esse tipo de milagre não dura para sempre, ele acaba mais cedo do que se espera. No meu livro “Espírito Animal”, eu digo que a confiança não é um fator exógeno. Mas que ela é conduzida, substancialmente, por histórias da mente humana, a capacidade do cérebro humano de armazenar as boas histórias. Eu não sei como analisar o Brasil, não faz parte da minha realidade. O que eu me lembro é da vitória do presidente Lula, cuja eleição trouxe medo para muitos, mas ele acabou se tornando pragmático na economia e isso trouxe confiança às pessoas.
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