As políticas econômicas neoliberais transformaram a estrutura social dos estados modernos, na qual cada vez mais trabalhadores estão indefesos em seus postos de trabalho. Em 2008, a crise financeira acelerou esta tendência propiciando a aparição de uma nova classe social, o precariado, objeto de estudo do professor de Economia da Universidade de Londres, Guy Standing.
O catedrático de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Londres, Guy Standing (Londres, 1948), publicou um ensaio que estripa os segredos da transformação social que está ocorrendo nos países mais desenvolvidos que, apesar de estar se configurando há décadas, com a explosão da crise financeira se acelerou "de modo catastrófico".
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"O Precariado, uma nova classe social" desvenda os segredos desta recente sociedade dominada pelo nascimento de um coletivo "que não encontra respostas e que não se identifica com nenhum outro grupo estabelecido", declarou Standing em entrevista à Agência Efe.
Dominado por contratos temporários, insegurança e o temor constante de perder o emprego, o precariado se viu obrigado a mudar de mentalidade, na qual o pensamento cortoplacista, o estresse e o medo de perder o nível de vida substituíram a vontade de desfrutar o tempo livre.
O precariado não é só produto de retalhos desalinhavados, é um coletivo infectado por uma doença endêmica dos países mais desenvolvidos: o déficit político e o suicídio do estado do bem-estar, que agora não permite diferenciar o trabalhador médio dos demais.
Os cortes e a era de austeridade, bandeira da maioria dos governos europeus, provocaram o renascimento de partidos neofascistas que empregam discursos de ódio como força motriz de suas campanhas políticas e que, nas palavras de Standing, acabarão com todo o conhecido.
"São discursos que prometem 'felicidade' a uma 'maioria' e culpam a minoria por erros do próprio governo, cimentados no medo e produtos de uma classe política sem escrúpulos", continuou Standing, que assegurou que esta tendência terminará por desaparecer.
Discursos populistas que se mostram "hostis com os imigrantes, os homossexuais, inconformistas e, seguramente, com você e comigo, mais cedo ou mais tarde", opinou.
Os jovens enganados
Mas a situação precária também afeta os universitários formados, muitos dos quais se sentem "enganados" por terem entrado em um sistema que lhes prometia trabalho certo e que, no entanto, lhes joga ao desemprego.
"Obviamente trabalhar em um supermercado não é o emprego da minha vida, mas é o único que posso aspirar nesta situação", disse à Efe Francisco, estudante espanhol prestes a se formar em Biologia na Universidade Complutense de Madri, que após quatro meses em uma rede de supermercados retornou ao desemprego.
"Estudo apenas duas disciplinas ao ano enquanto trabalho para poder pagar o crédito da universidade que sobe a cada ano", afirmou outro estudante. Universitários em trabalhos sem vocação, bolsistas sem garantias, e adultos incapazes de abandonar a casa dos pais por medo da incerteza também fazem parte do precariado.
"Uma juventude frustrada que acredita que comprou um bilhete de loteria quando foi exigida a estudar para construir uma carreira", comentou Standing. Para o economista, estes jovens são as principais vítimas da crise, que convivem submetidos a pressões psicológicas.
O precário está vivendo uma nova doutrina de choque. Aversão, frustração e alienação são outros dos sentimentos dominantes do precariado.
No entanto, trabalhar sem receber ou receber muito pouco não lhes transforma em precários. Deste modo, Standing diferencia os estagiários e os demais trabalhadores. "O estagiário está lavrando seu futuro, é consciente dos abusos que sofre, mas o aceita porque é a única maneira de progredir em seu trabalho", explicou Standing no livro.
Enquanto para uns o trabalho temporário é uma oportunidade de fazer carreira, para outros é uma forma de morrer na tentativa. Muitos identificarão esta situação com o arcaico período industrial e acharão que o precariado recupera o sentido de proletariado, mas não poderiam estar mais longe da realidade.
Revolucionar o futuro
O proletariado era um "privilegiado" com relação ao precariado. Tinha certa segurança em seu posto de emprego e renunciava aos direitos sociais em troca de um trabalho fixo que lhe permitisse experimentar um aumento de seu nível de vida.
No entanto, "o precariado sofre toda a pressão da flexibilidade salarial: salário baixo, variável e imprevisível", escreveu Standing sobre uma classe social que não sabe onde estará amanhã.
"A insegurança crônica que vive submete o precariado a um estado de ansiedade constante, está alienado porque não trabalha no que deseja e está furioso com uma sociedade que lhe apresenta um futuro sem futuro", destacou Standing.
No entanto, não é momento para a compaixão. Todas as revoluções sociais se cimentaram sobre a ira e a dor e, desde 2011, os movimentos revolucionários ressuscitaram em vários países.
"A energia das ruas é o motor do progresso", assinalou Standing. Desde as primaveras árabes até os indignados de Madri, todos eles batalham contra a precariedade, imposta a golpe de ferro em todos os países do mundo, lutam por políticas progressivas às quais Standing define como "políticas do paraíso".
Antes símbolo dos países mais subdesenvolvidos, a pobreza social chegou aos motores industriais, ao coração do mundo. "Um dos principais motivos pelos quais o precariado surgiu nos países mais industrializados foram as pressões exercidas pelo crescimento de estados como China e Índia, países dominados pelo precariado", explicou Standing.
Este sistema terminou com o princípio de solidariedade social, se é que alguma vez existiu, embora Standing considere que está se iniciando um processo de transformação "global", que propiciará a "criação de uma agenda progressista que recolherá as reivindicações do precariado."
Alguns poderiam crer que "O precariado, uma nova classe social" é outro livro nascido das entranhas da crise. Mas este ensaio sociológico reflete o nascimento de um coletivo que já tomou forma. Para Standing, todos somos precariados e esta realidade "nos permite deixar para trás a vergonha para dizer orgulhosamente que nós também fizemos parte deste grupo".
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