Homem forte de Paes opera esquema de corrupção no Rio

VEJA teve acesso a gravações que mostram um esquema de desvios na prefeitura do Rio de Janeiro comandado pelo deputado Rodrigo Bethlem (PMDB), ex-secretário de Governo da administração Eduardo Paes

Thiago Prado, do Rio de Janeiro
O prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ) em 2013
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ) em 2013 (Armando Paiva/Futura Press/Futura Press)
O medo de ser alvo de denúncias paira há tempos na mente do deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ), um dos homens fortes do governo Eduardo Paes desde 2009. "Tô de saco cheio de ficar sempre lendo jornal sem saber se vai sair uma denúncia. Estamos na era do escândalo", chegou a dizer assustado, nem imaginando que chegaria o dia em que as suas falcatruas viriam a público com riqueza de detalhes. VEJA teve acesso a áudios e vídeos que escancaram um esquema de corrupção funcionando dentro da prefeitura do Rio de Janeiro a partir da atuação do parlamentar. Dinheiro da área social da gestão Paes foi desviado segundo confissão de ninguém menos que o próprio Bethlem, em uma conversa sobre o fim de seu casamento de 16 anos. O Ministério Público do Rio já foi avisado sobre a existência das provas contra o peemedebista.
As gravações são contundentes e não deixam dúvidas sobre o balcão de negócios instalado pelo deputado. Bethlem – que se licenciou da Câmara dos Deputados em 2009 e passou pelas pastas de Ordem Pública, Assistência Social e, por fim, a secretaria de Governo – fala claramente que recebia uma espécie de mesada a partir de convênios da prefeitura. O diálogo de cerca de duas horas ocorreu em agosto de 2011 com a sua então esposa, a ex-deputada federal Vanessa Felippe Bethlem. Na ocasião, o deputado ainda tocava a área social do município e se preparava para ser um dos coordenadores da campanha de reeleição de Paes. A pauta do casal envolvia especulações sobre o futuro político de Bethlem e o pagamento de uma pensão para o sustento da casa e dos seus dois filhos. Na conversa, depois de relatar que tipo de despesas estaria disposto a bancar, Bethlem afirma que sua principal fonte de renda era um convênio da prefeitura chamado Cadastro Único. "Eu tenho de receita em torno de 100.000 reais por mês", afirma na gravação com a maior naturalidade do mundo, explicando que do contrato retirava entre 65.000 e 70.000 reais por mês. Nomeado como secretário de Paes, Bethlem optou pelo salário maior de deputado – ou seja, só deveria ter direito a um rendimento bruto de 26.723,13 reais, equivalente a cerca de 18.000 reais mensais líquidos.
O convênio em questão foi fechado com uma ONG chamada Casa Espírita Tesloo. Mais conhecido pela sigla Cad Único, foi assinado em 2011 por 9,6 milhões de reais e tinha o objetivo de atualizar o cadastro feito pela prefeitura para 408.000 famílias receberem benefícios dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família. Mas a ONG tem um histórico muito maior de contratos com a prefeitura – o que leva a crer que o assalto aos cofres públicos é ainda mais escandaloso. Desde 2009, a Tesloo faturou cerca de 72,8 milhões de reais do governo Paes para administrar abrigos e centros de acolhimento de dependentes químicos. Só de aditivos no período, foram 18, no total de 22,6 milhões de reais. Nos áudios, Bethlem explica para Vanessa que está com dificuldades de receber a mesada porque a ONG não estava prestando contas corretamente. Na ocasião, o Tribunal de Contas do Município encrencara com o convênio e travara os repasses da prefeitura: "O cara não prestou contas direito, o cara é um idiota, um imbecil. Não pude pagar, não recebi", reclama irritado para Vanessa (ouça o áudio abaixo).  
"O cara" citado por Bethlem é o dono da Tesloo, o major reformado Sérgio Pereira de Magalhães Junior. O oficial criou a ONG em 2002 para atuar na área social junto com a mãe, o irmão e a esposa. A instituição começou a abocanhar contratos com o município do Rio desde a gestão Cesar Maia, mas foi com Paes e Bethlem que o faturamento da Tesloo explodiu. Além das generosas relações políticas, Magalhães Junior tem no currículo um passado truculento enquanto esteve na ativa na Polícia Militar. Há registro de 42 autos de resistência de sua autoria – ou seja, foi esta quantidade de bandidos que o major matou em confrontos. A Polícia Civil do Rio também investiga o envolvimento do dono da Tesloo com milícias na Zona Oeste.
Não é a primeira vez que o deputado Rodrigo Bethlem vê seu nome ligado a personagens de atividades nebulosas. Filho da atriz Maria Zilda Bethlem, foi subsecretário de Governo de Rosinha Garotinho em 2006. Lá nomeou como seu assessor especial o bombeiro Cristiano Girão, perigoso miliciano da Zona Oeste do Rio de Janeiro, preso desde 2009. A relação de Bethlem com grupos de extermínio também foi alvo da CPI das Milícias da Asssembleia Legislativa do Rio em 2008. O deputado foi arrolado como testemunha de defesa de um homicídio de que eram acusados os irmãos Jerônimo e Natalino Guimarães, ex-vereador e ex-deputado estadual líderes da Liga da Justiça, o mais perigoso grupo paramilitar do Rio.
O Tribunal de Contas do Município chegou a pedir em 2012 para a prefeitura não renovar mais qualquer convênio com a Tesloo por indícios de fraudes nos contratos, mas até este ano a ONG continuava a ter contratos ativos no governo Paes. O TCM encontrou de tudo nos contratos analisados: desde ausência de notas fiscais para determinados pagamentos até o superfaturamento na compra de alimentos.
Durante a conversa gravada, a existência de outra mesada para complementar a renda acaba vindo à tona, desta vez relacionada a um contrato de fornecimento de lanches nas ONGs que prestam serviço na área social. Neste caso, o rendimento é menor – cerca de 15.000 reais, conta o deputado. "Até quando? ", pergunta Vanessa. "Até quando existir convênio", responde Bethlem sem titubear. Fica acertado pelo casal, depois de alguns bate-bocas, o pagamento de cerca de 45.000 reais por mês para Vanessa. Bethlem explica na gravação que entregará um pouco menos da metade dos seus rendimentos porque precisará de dinheiro para reestruturar a sua vida. A ex-mulher aceita a oferta no fim das contas.   
O pagamento da pensão era feito sempre em dinheiro vivo e entregue na casa de Vanessa pelo motorista de Bethlem. Um vídeo mostra o exato momento da entrega de uma remessa de 20.000 reais para Vanessa. A ex-mulher reclama que não aguenta mais ser paga desta forma. "Não vou mais receber dinheiro por fora e me ferrar com o imposto de renda", esbraveja para o motorista. "Já estou recebendo dinheiro por fora do Rodrigo há mais de um ano", completa. 
O divórcio implodiu o casal, mas os filhos e a política jamais irão separá-los por completo. Em 1994, aos 22 anos, Vanessa elegeu-se a deputada federal mais jovem do Congresso Nacional pelo PSDB. Filha do vereador carioca Jorge Felippe, presidente da Câmara Municipal e cacique do PMDB fluminense, casou-se com Bethlem e com ele teve dois filhos. Um deles, Jorge Felippe Neto, será candidato a deputado estadual este ano, o que revoltou a mãe, que também pretendia voltar para a política e se candidatar a federal pelo PSL, roubando votos em redutos do ex-marido. A ideia de colocar o jovem de 22 anos na política foi da dupla Jorge Felippe e Bethlem, que mantêm excelentes relações mesmo com o divórcio .
Atualmente, Bethlem e o secretário da Casa Civil, o também deputado federal licenciado Pedro Paulo Teixeira, são os quadros mais importantes da prefeitura comandada por Eduardo Paes. A ponto de estarem divididas entre os dois as apostas sobre quem irá sucedê-lo no município – Leonardo Picciani, filho de Jorge Picciani, corre por fora. Diante das gravações das suas conversas com a sua ex-mulher, não resta dúvida que as pretensões de Bethlem estão sepultadas por ora.
As gravações que revelam o esquema de corrupção na prefeitura do Rio 
Bethlem
- Minha principal fonte de receita hoje na prefeitura, que é um convênio do Cad único... O cara simplesmente não prestou contas...
Vanessa
- Por que você está falando baixo? Não tem ninguém aqui.
Bethlem
- Porque eu simplesmente tô (sic) paranoico.
Vanessa
Paranoico por quê?
Bethlem
Telefone. Você sabe que os caras entram no telefone e vira um autofalante
Vanessa
- E você tem motivo para ficar paranoico?
Bethlem
- Como todo mundo. Você acha que alguém vai te denunciar no MP, por quê?
Vanessa
- Por quê?
Bethlem
- Porque eu sou alvo, Vanessa.
Bethlem
- (...) Este mês infelizmente furou porque o cara não prestou contas e eu efetivamente não vou colocar meu rabo na janela (...) Por isso eu tô (sic) f* desse jeito... É a minha principal receita. (...)
Vanessa - Qual o nome do negócio?
Bethlem - É um convênio que eu tenho, o Cadastro Único.
Vanessa - O que é que tem isso?
Bethlem - É a minha principal fonte de renda hoje. O cara não prestou contas direito, o cara é um idiota, um imbecil. Não pude pagar o cara este mês, não recebi. (...) É uma receita que eu tenho certa até fevereiro, até março. Porque é um convênio de sete meses. (...)
Vanessa - E quanto dá isso?
Bethlem - Eu tenho de receita em torno de 100 mil reais por mês.
Vanessa - Quanto dá o CAD Único por mês?
Bethlem - Em torno de uns 65, 70.000. Depende do que ele receber, entendeu? (...)
Bethlem - Fora isso, tem o lanche e o meu salário.
Vanessa - Lanche? Que lanche?
Bethlem - O lanche que é servido... pelo cara que vende lanche para todos nas ONGs... é meu amigo.
Vanessa - Quanto é de lanche?
Bethlem - Em torno de 15.000 reais. O cara tá vendendo metade do que deveria vender
Vanessa - Até quando?
Bethlem - Até quando existir convênio. (...)
Vanessa - E salário?
Bethlem - Cerca de 18.000 líquido.
(...)

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