Yang Guang e seu velho amigo, um oficial de logística num grande hospital no Nordeste da China, tinham tudo planejado: o oficial recolheria gradual e cuidadosamente, ao longo de muitos meses, arquivos e documentos que passassem por sua mesa mostrando um padrão de extração ilegal de órgãos no hospital. Em seguida, ele deixaria a China em “férias”, desertaria e exporia como os hospitais chineses estavam matando praticantes do Falun Gong, umaprática espiritual que é perseguida na China, por seus órgãos.
O plano se desfez em dezembro de 2009, disse Yang Guang, quando seu amigo recebeu a visita da polícia secreta chinesa, que foi informada de seu plano. O amigo está agora aposentado e Yang não consegue contatá-lo há vários anos.
No entanto, Yang disse que mantem anotações detalhadas de suas conversas e discussões durante a década de 2000. No início deste ano, ele reviu suas notas em entrevistas com o Epoch Times, fornecendo um retrato de como a extração forçada de órgãos de praticantes do Falun Gong ocorreria na China.
‘Contrarrevolucionários’
Yang Guang é um chinês que vive atualmente na Dinamarca; ele é conhecido por repórteres locais do Epoch Times há muitos anos e é considerado confiável. Seu relato se baseia em cerca de 50 chamadas telefônicas com seu amigo, o sr. Wang (um pseudônimo), de 2007 a 2009, com duração de 30 minutos a várias horas cada ligação.
Por que um médico que trabalha na China forneceria tanta informação a um amigo sobre as atividades altamente ilegais e abusos dos direitos humanos? De acordo com Yang Guang, sua amizade era incomum: em 1968, durante a caótica Revolução Cultural, os dois foram rotulados como ‘contrarrevolucionários’ e passaram 10 anos e 8 meses juntos na mesma prisão.
“Essa não é uma amizade comum, é uma relação de vida e morte, é muito especial. Quando eu ouvi sobre a extração ilegal de órgãos, eu sabia que ele estava nesta área, e constantemente lhe perguntei sobre isso e pedi que ele coletasse informações a respeito. Nossa amizade é profunda”, disse Yang.
Após sua reabilitação política em 1978, Wang entrou no Partido Comunista, tornou-se médico, e décadas mais tarde veio a ser o diretor-chefe de logística de um grande hospital no Nordeste da China. Enquanto isso, Yang Guang avançou na carreira de mídia e desenvolvimento técnico em Hong Kong, e tem sido um crítico do Partido Comunista por um longo tempo.
Yang forneceu ao Epoch Times o nome real e o antigo local de trabalho de Wang, os quais foram verificados e confirmados online. O Epoch Times não tentou entrar em contato com Wang, porque isso criaria problemas para ele.
Os relatos feitos por Yang são amplamente congruentes com o que já se sabe sobre a extração forçada de órgãos de praticantes do Falun Gong na China, embora os preços de venda dos órgãos que ele sugeriu sejam maiores do que os relatados previamente.
Ethan Gutmann, um repórter investigativo cujo livro sobre a extração ilegal de órgãos na China será publicado em agosto, verificou uma versão do relato de Yang Guang. Ele disse em resposta:
“Embora seja um testemunho de segunda mão e deva ser lido com cautela, vários elementos se destacam sobre o relato do sr. Wang: o papel central e explícito da Agência 610 no processo de seleção de praticantes do Falun Gong; a grande elasticidade dos preços do turismo de órgão para estrangeiros; e o número surpreendentemente baixo de prisioneiros comuns no corredor da morte que teriam seus órgãos removidos (presumivelmente na região de Harbin) em comparação com o número de praticantes do Falun Gong sacrificados.”
“Embora seja um testemunho de segunda mão e deva ser lido com cautela, vários elementos se destacam sobre o relato do sr. Wang: o papel central e explícito da Agência 610 no processo de seleção de praticantes do Falun Gong; a grande elasticidade dos preços do turismo de órgão para estrangeiros; e o número surpreendentemente baixo de prisioneiros comuns no corredor da morte que teriam seus órgãos removidos (presumivelmente na região de Harbin) em comparação com o número de praticantes do Falun Gong sacrificados.”
Apesar do relato de Yang ser de segunda mão, o Epoch Times decidiu publicá-lo porque ele sempre foi credível no passado; devido à escassez de relatos em primeira mão; dada a natureza extremamente sensível da informação; e porque o relato em si contribui para o que é conhecido publicamente sobre a extração forçada de órgãos de prisioneiros de consciência na China.
Logística
O sr. Wang foi em certo momento o oficial vice-chefe de logística e depois o chefe de logística em dois hospitais diferentes no Nordeste da China. Essa posição o fez responsável pela supervisão, entre outras coisas, do estoque de sangue no hospital, correspondência sanguínea, arranjos diversos e negociação de preço das operações de transplante de órgãos e preparação de alojamento para estrangeiros que iam à China para transplante de órgãos, disse Yang.
Praticantes do Falun Gong são a principal fonte de órgãos usados em operações de transplante nos dois hospitais onde Wang trabalhou e o processo – verificação do tipo de sangue de prisioneiros do Falun Gong, localização de um candidato para transplante e sua transferência para instalações médicas – é supervisionado pela Agência 610 local.
A Agência 610 é uma subdivisão extralegal da polícia secreta chinesa, ou polícia política, criada em 10 de junho de 1999 especificamente para eliminar o Falun Gong. O regime chinês outrora apoiou esta prática espiritual tradicional, mas começou a persegui-la por medo do número de pessoas que ingressaram no Falun Gong.
A Agência 610 é uma subdivisão extralegal da polícia secreta chinesa, ou polícia política, criada em 10 de junho de 1999 especificamente para eliminar o Falun Gong. O regime chinês outrora apoiou esta prática espiritual tradicional, mas começou a persegui-la por medo do número de pessoas que ingressaram no Falun Gong.
Prisioneiros executados
Prisioneiros no corredor da morte, ou seja, verdadeiros criminosos que foram condenados à morte, representam apenas um pequeno número dos órgãos extraídos, disse Wang.
“Ele me disse que mesmo nas 10 maiores cidades da China não mais do que 50 prisioneiros condenado à morte são executados por ano, e seus órgãos são posteriormente disponibilizados para transplante”, disse Yang. “No entanto, os dois hospitais em que Wang trabalhou realizavam mais de duas mil cirurgias de transplante de órgãos a cada ano.”
“Além disso, alguns altos funcionários do Partido Comunista Chinês (PCC) e seus parentes recusam os órgãos de prisioneiros executados. Eles exigiam especificamente órgãos de prisioneiros jovens vivos. Portanto, os órgãos de prisioneiros executados são normalmente reservados para estrangeiros que vão à China para transplante de órgãos.”
Os preços para estrangeiros não são fixos, disse Yang – em alguns casos, aqueles com dinheiro, desesperados por um órgão, foram cobrados até US$ 2 milhões pelo transplante e permanência no hospital, disse Yang.
Isso é muitas vezes o valor anunciado em websites de hospitais chineses até 2006. Após a extração forçada de órgãos de praticantes do Falun Gong ser exposta em 2006 por investigadores estrangeiros, os centros de transplante começaram a remover suas páginas na internet que anunciam os preços de cirurgias.
Yang explicou a discrepância, referindo-se à forma como o sistema médico chinês pode extorquir os que vão a ele em busca de ajuda. “Você não conhece a corrupção e a escuridão nos hospitais chineses”, disse ele, referindo-se a casos em que pacientes comuns na China são forçados a subornar ou lutar com médicos e enfermeiros quando são extorquidos.
‘Doadores’ do Falun Gong
Wang disse que a Agência 610 na cidade de Shenyang, perto de seus hospitais, começou a fornecer dados desde 2000 sobre potenciais “doadores” do Falun Gong em sua custódia. Eles eram classificados pelo sexo, idade e número de identificação do campo de trabalho forçado. Nenhum nome era fornecido.
Wang enviaria pessoal médico às prisões, campos de trabalho e centros de lavagem cerebral para coletar amostras de sangue, disse Yang. E prepararia a instrumentária, medicamentos, frigoríficos, equipamentos de preservação térmica e veículos médicos.
Quando uma compatibilidade era identificada, o hospital entraria em contato com a Agência 610, que enviaria uma van com o correspondente prisioneiro praticante do Falun Gong. Em seguida, o hospital faria outro exame de sangue para certificar-se de que tinha a pessoa correta e então anestesiaria a vítima e removeria seus órgãos. Normalmente o fígado, rins e córneas eram removidos imediatamente, segundo o testemunho de Wang.
O corpo eventualmente era descartado no incinerador do hospital. Todo o processo era acompanhado por funcionários da Agência 610, disse Wang. A equipe do hospital era instruída a manter sigilo e proibida de perguntar a identidade dos “doadores” ou o número e dados de transplantes realizados em outros hospitais.
“Os 2 a 3 mil transplantes de órgãos realizados a cada ano são relatados ao Comitê do Partido Comunista”, disse Yang. “Todos os dados relevantes sobre transplantes de órgãos são então apagados do computador sob o olhar atento de funcionários da Agência 610.”
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