Um regime historicamente autocrático contra a principal democracia global. Um enorme leque de hostilidades em todos os âmbitos, geográficos e setoriais. Espionagem, propaganda, força militar, símbolos, a história, dizem, se repete; parece ser verdade. A Guerra Fria do século XX entre o Kremlin e a Casa Branca ameaça voltar no século XXI, dessa vez entre o antigo vencedor, os EUA, e a nova potência em ascensão, a China. Nas últimas duas semanas, os dois levaram ao paroxismo um frenético baile de disputas, choques, ameaças e sanções, fechamento de consulados, acusações de espionagem e vetos de viagens, em que o passo de um foi respondido pelo outro em uma simetria tão perfeita como inquietante.
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
EUA x China: possíveis cenários da nova guerra fria. O duelo pela hegemonia global que deixa o mundo apreensivo
Fonte: EL PAÍS – Desde Pequim, Washington, Madri, Bruxelas, Cidade do México.
A DISPUTA PELA INFLUÊNCIA EM DIFERENTES CONTINENTES
A Europa resiste a ficar novamente presa entre dois blocos
Bernardo de Miguel (Bruxelas)
O risco de ficar presa em meio a uma nova guerra fria paira há meses sobre a Europa. Mas a aterrorizante possibilidade recebeu o sinal verde, pelo menos virtual, durante a videoconferência dos ministros das Relações Exteriores da UE em 15 de junho, em que Pompeo participou. “Falou abertamente de guerra fria”, lembra com preocupação um diplomata da União. “Nunca mencionou a palavra China, sempre falou do Partido Comunista da China, e nunca se referiu a Xi Jinping como presidente de um país, e sim como secretário-geral de um partido político”, acrescenta a mesma fonte com evidente inquietação.
A reunião deixou um gosto amargo entre os europeus, mesmo entre os mais pró-EUA, ao colocar em evidência que o choque entre Washington e Pequim pode experimentar uma escalada que colocará a UE entre dois fogos comerciais e diplomáticos.
“Acho que a posição da Europa deve ser a de não participar desse confronto”, repete há semanas o vice-presidente da Comissão Europeia e Alto Representante de Política Exterior da UE, Josep Borrell. O chefe da diplomacia comunitária está convencido de que “há uma tentativa de que a Europa se posicione de um lado ou de outro”.
Mas os puxões dos dois lados são cada vez mais fortes. E parece difícil que a UE, o maior bloco econômico pelo número de membros e a maior potência comercial do mundo, possa se manter à margem de uma disputa que marcará do desenvolvimento tecnológico das próximas décadas (com a utilização da tecnologia 5G como primeira batalha) à aniquilação e transformação da ordem multilateral surgida após 1945, passando pela corrida espacial e a coordenação frente a emergências globais relacionadas ao clima e à saúde.
“Estamos no meio, se não nos movermos, as duas partes nos esmagarão”, alerta uma fonte diplomática. E recomenda, como única solução, “aumentar a soberania estratégica em todos os terrenos”. “A Europa precisa encontrar seu próprio lugar entre os EUA e a China, não podemos nos limitar a acompanhar a tendência da vez em Washington”, defende um funcionário de alto escalão da UE. A Alemanha é o membro que mais advoga por seguir um caminho próprio, mas a tolerância do Governo de Angela Merkel à ditadura comunista de Xi Jinping está cada vez mais sendo vista com desconfiança. E a intervenção de Pequim para acabar com os protestos em Hong Kong através de uma nova lei de segurança que ameaça as liberdades na antiga colônia colocou Berlim em uma posição quase impossível de manter.
Fontes diplomáticas consideram que a Alemanha já começou a matizar sua deferência à China em 2019, quando a Comissão Europeia oficializou a expressão “rival sistêmico” para descrever a segunda maior potência econômica do planeta, atrás somente dos EUA.
Desde então, o tom de Bruxelas endureceu progressivamente sem que Berlim tenha podido evitar. E a crise econômica provocada pela Covid parece marcar um ponto de não retorno no esfriamento do entusiasmo europeu com a China, que chegou ao seu ponto máximo quando Bruxelas defendeu a todo custo a entrada do gigante asiático na Organização Mundial de Comércio em 2001 apesar de se tratar de uma economia claramente com intervenção do Estado.
A abertura europeia também facilitou um crescente investimento chinês, que passou de apenas $ 700 milhões de euros ($ 4,2 bilhões de reais) em 2008 a bater o recorde anual em 2016 com $ 37 bilhões de euros ($ 225 bilhões de reais). A Comissão tomou agora o caminho contrário. E prepara medidas de proteção para deter a entrada das empresas chinesas, em sua maioria dopadas com subsídios públicos, em setores estratégicos da União e para impedi-las de adquirir empresas europeias desvalorizadas pela crise.
Merkel ainda espera acalmar as águas com uma reunião de máxima importância entre a UE e a China (prevista para setembro, mas adiada pela pandemia), ainda que a tensão entre Washington e Pequim e a beligerância de Xi Jinping tornem cada vez mais difícil o entendimento.
Bruxelas acusou abertamente a China de promover campanhas de desinformação que podem ter agravado o impacto da pandemia. E observa com crescente desgosto as manobras de Pequim para colocar divisões entre os membros comunitários com seus planos de expansão, canalizados através de empréstimos e investimentos ligados à Nova Rota da Seda.
Apesar de não gostar, a Europa se expõe a ser um dos cenários de uma nova guerra fria, três décadas depois do final da anterior. Aquela explodiu em 1 de abril de 1948, após numerosas disputas sobre a ocupação da Alemanha entre os países ocidentais e a União Soviética, há pouco aliados na Segunda Guerra Mundial, como lembra o historiador Tony Judt em sua imponente obra Pós-Guerra – História da Europa desde 1945. A de agora nasce de uma inesperada reação dos EUA contra uma globalização desequilibrada e com concorrência desleal. A história julgará. Mas como dizia Judt, no final, “não faz muito sentido se perguntar: quem começou a Guerra Fria?”. O importante, talvez, seja sair por cima do perigoso fogo cruzado.
Preencher o espaço vazio na América Latina
Francesco Manetto (México)
A história recente da América Latina também é o relato da presença dos Estados Unidos na região, seu peso, até mesmo a participação e tutela, nas decisões políticas de vários países e seus interesses econômicos. As relações exteriores foram para diversos Governos latino-americanos um reflexo da administração interna. E nesses equilíbrios Washington tradicionalmente desempenhou o papel mais decisivo. Mas as oportunidades de investimento que ocorreram em uma etapa de relativa estabilidade deixaram também, a partir dos primeiros anos do século, um vazio a preencher. E a China, que sempre pôde se permitir jogar a longo prazo pela continuidade das diretrizes de Pequim, decidiu lutar essa batalha.
Essa partida, como acontece em outras latitudes, é comercial e ao mesmo tempo geopolítica. O desembarque do gigante asiático ocorreu até agora de maneira desigual. Às vezes com a cumplicidade dos governantes do antigo eixo bolivariano, da Venezuela ao Equador, passando pela Bolívia. Em outras ocasiões, em meio aos receios das autoridades locais e fazendo frente às barreiras legais. Quase sempre, entretanto, conseguiu se assentar no setor das matérias-primas e no da infraestrutura. Até modificar, pouco a pouco, os esquemas de dependência da região.
“A China tem uma estratégia bem formada. Procura conquistar uma cabeça de ponte e de lá se expandir”, diz Sergio Guzmán, diretor da consultoria ColombiaRisk, recorrendo ao termo militar que define a linha temporária que se estabelece após um desembarque para defender a região até que os reforços cheguem. O faz frequentemente oferecendo algo em troca, principalmente contratos de compra em grande escala de carne, soja, mariscos e outros produtos.
E os requisitos habituais dos países, sobretudo em matéria de direitos trabalhistas e meio ambiente, passam a segundo plano. O EL PAÍS foi testemunha em 2017 da agressividade da exploração mineira de uma empresa chinesa na Amazônia equatoriana, que gerou um duro conflito entre o à época presidente em final de mandato, Rafael Correa, e um povo indígena da região que deixou de apoiar seu projeto político.
O caso da Colômbia é especialmente representativo. Apesar da prudência que mostraram seus últimos Governos com Pequim, a licitação de uma de suas obras mais emblemáticas, o metrô de Bogotá – cuja construção começou a ser planejada há mais de setenta anos e que sempre acabou em tentativas frustradas –, foi concedida há meses a duas empresas chinesas. “Os Estados Unidos podem se queixar de que eles vão receber o metrô, mas ao mesmo tempo não apresentaram nenhum investidor. O quid do assunto é que a China não abriu nenhum mercado, e sim aproveitou o vazio deixado por outros países”, diz Guzmán.
Outro exemplo ocorre no México. O presidente do país, Andrés Manuel López Obrador, e o norte-americano, Donald Trump, acabam de comemorar o andamento do tratado comercial da América do Norte, o TMEC, que entrou em vigor no dia 1. Será preciso ver, entretanto, se esse instrumento bastará para frear no futuro os investimentos diretos da China, que até agora foram contidos. De acordo com o último relatório da Comissão Econômica para a América do Norte e o Caribe (Cepal), um órgão que depende das Nações Unidas, os maiores investidores na região no ano passado foram a Europa, os Estados Unidos e a China. O país asiático começou a perder a liderança das operações em 2018 e, diz a comissão, “concentrou seu interesse na aquisição de empresas de indústrias extratoras e da agroindústria, geração de energia e serviços básicos [de eletricidade, gás e água]”.
A batalha pela influência, entretanto, é combatida a longo prazo e não só no terreno econômico. Pequim, apesar de seu pragmatismo, não renunciou a apoiar um de seus principais aliados estratégicos na região. Isto é, o regime chavista da Venezuela liderado por Nicolás Maduro, inimigo direto da Administração de Trump. Esse respaldo custou à China entre 50 e 60 bilhões de euros (304 a 365 bilhões de reais) em empréstimos durante a última década. Os cofres de Caracas, devastados pela gestão ruim e destroçados pelas sanções, atrasaram a devolução. Maduro ainda deve a Xi Jinping pelo menos um terço. Apesar disso, o território com as maiores reservas petrolíferas do mundo representa provavelmente a maior oportunidade de investimento na região. A China não tem pressa. E justamente aí está uma de suas cabeças de ponte.
A China está na África (e os EUA bem menos)
Óscar Gutiérrez (Madri)
Só somando as viagens à África dos últimos três presidentes norte-americanos, George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump, durante os últimos 20 anos de Administração norte americana, é possível igualar a quantidade de visitas oficiais ao continente do líder chinês Xi Jinping (quatro viagens) desde que chegou ao poder em 2013. A conta na coluna dos EUA é muito fácil quando se chega à era Trump: soma zero. Sequer é esperado. O último que pisou em terra africana foi Obama, na Etiópia, em 2015.
E não era um presidente assíduo no continente de suas raízes. Seu antecessor, Bush, visitou mais países. A última viagem de Xi Jinping foi em julho de 2018. Carimbos acima e abaixo no passaporte, a vontade política também passa por isso de ser e parecer, que no caso da África se traduz em que a China é e parece um país que está interessado. As viagens oficiais são uma declaração de intenções do que veio depois: um extraordinário crescimento no comércio, no investimento, cooperação e até presença militar da China na África.
Mas as viagens de Xi Jinping são somente a ponta do iceberg. A consultoria Development Reimagined, com sede em Pequim, realizou em 2018 um estudo sobre as viagens de delegações chinesas ao continente. O resultado foi espetacular: 79 visitas a 43 países em 10 anos (2007-2017). O principal destino, a África do Sul, maior receptor de investimentos diretos chineses. Hannah Muthoni Ryder, no comando da consultoria, aponta que o interesse é “mútuo”. “Durante o mesmo período”, diz, “os líderes africanos foram tão entusiastas, se não mais, no momento de se comprometer com os mandatários chineses. De modo que isso não é só questão da China, e sim também da África”.
Em relação aos EUA, a última visita de importância foi feita pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, em janeiro. Como dizia no mesmo mês o centro de análises Conselho de Relações Exteriores, de Nova York, a “retórica” de Washington na África tem mais a ver com “combater” a influência da China do que com uma estratégia de desenvolvimento.
A África concentra alguns dos países com crescimento mais rápido; o ritmo de urbanização do continente não tem comparação; a classe média e a democracia se consolidam a um bom ritmo, e a necessidade de infraestrutura de transporte, mas também de comunicação, é extraordinária. É nesse último cenário em que alguns analistas temem um novo campo de batalha. “A China construiu muita infraestrutura tecnológica na África e muitas de suas empresas fizeram grandes investimentos e lançaram com sucesso produtos em seu mercado”, diz Cornelia Tremann, da consultoria China Africa Advisory, “e a Huawei e o 5G são um grande elemento de disputa. Mas, em geral, os EUA mantêm uma vantagem comparativa no campo da tecnologia, inovação e governança na Internet”.
O grande jogo não é somente coisa da China e dos EUA, também dos países do Golfo, Turquia, Coreia do Sul… “quantos mais parceiros para a África trabalhar, melhor para ela”, diz Cobus van Staden, do Instituto Sul-africano de Assuntos Internacionais. “Os EUA e a China dão muita força”, prossegue, “mas também fragilidade: no caso dos EUA, por seu relativo interesse no investimento em infraestrutura, centrado no financiamento de empresas mais do que em Governos; no caso da China, pela opacidade como credor, por não oferecer outras formas de financiamento e [impor] normas que estipulam o trabalho com empreiteiros chineses”.
No ano passado, o intercâmbio comercial chinês-africano cresceu 2,2%, um número aparentemente bom, mas muito distante dos 20% de 2018. Mas, e em plena guerra comercial com Washington, as exportações chinesas, freadas aos EUA, cresceram no mercado africano 7,9%. As norte-americanas, como comparação, caíram um terço desde 2014, como assinalou no ano passado Karen Dunn Kelley, vice-secretária de Comércio norte-americana.
Pequim conquistou o mercado africano – é o primeiro parceiro comercial –; é o maior investidor em volume de capital e criação de postos de trabalho e, sem dúvida, o maior credor com números difíceis de se fixar entre o setor público e privado, que beiram os 145 bilhões de dólares (758 bilhões de reais). Mas a China também é uma potência emergente no cenário militar. Pequim contribui com 15% no orçamento de operações de paz da ONU. Há 14 em andamento, sete delas em países africanos. De acordo com dados de maio, a China contribuiu com as 14 missões com 2.538 policiais e militares, a maioria dividida entre o Congo, Mali, Darfur (Sudão) e Sudão do Sul. Washington somente com 29 soldados no total.
Mas o potencial militar norte-americano no continente ainda é difícil de bater, com 6.000 militares em quase trinta locais em missões de treinamento e contra o terrorismo. A morte de quatro soldados no Níger em outubro de 2017 em uma emboscada jihadista levou Trump a prometer o aumento de tropas na África. Mas a Rússia pisa forte com envio de mercenários e armas e Pequim consolida sua primeira base militar no estrangeiro no Djibuti.
Perigo de conflito em águas asiáticas
Macarena Vidal Liy (Pequim)
Águas mornas, de cor turquesa, salpicadas de pequenas ilhotas solitárias e recifes de coral. Nas fotos aéreas, um paraíso tropical. Até que se olhe mais de perto. Muitos dessas ilhotas arenosas são construções artificiais do Exército chinês. Além dos barcos de pesca, e os mercadores que cobrem as rotas marítimas mais transitadas do mundo, sulcam suas águas navios de guerra. É o mar do Sul da China, um dos pontos chave no mapa mundial: o lugar da Ásia onde se chocam mais diretamente os interesses geoestratégicos de Washington e Pequim, e onde a deterioração das relações entre ambos aumentou a probabilidade, de acordo com os especialistas, de um hipotético choque acidental entre seus Exércitos.
São águas estratégicas. Não só pela riqueza de seu solo em gás e petróleo. São também a passagem natural do Índico ao norte da Ásia, e por esse gargalo sulcam barcos comerciais que transportam produtos no valor de cinco trilhões de euros (30 trilhões de reais) anuais. E com um interesse extra para a China: fica nesse mar a base de seus submarinos nucleares. A China pede 80% desse mar alegando razões históricas e um mapa de 1947 que engloba a maioria desse território aquático. Mas o Vietnã, Filipinas, Brunei, Malásia e Taiwan também pedem parte dessas águas, e as disputas de soberania foram uma fonte constante de tensões.
A Corte Permanente de Arbitragem de Haia recusou em 2016 a grande maioria dos pedidos chineses, o que Pequim nunca aceitou. Em troca, se esforçou em criar realidades: construiu uma rede de ilhas artificiais nas Spratly, que as Filipinas consideram suas. Realiza manobras militares frequentes na região. E criou dois distritos administrativos nas ilhas Spratly e nas Paracel, pedidas pelo Vietnã. A China deixou claro: considera essas águas um de seus interesses cruciais e vai defendê-las.
E nem sempre com sua Marinha: suas frotas de pesqueiros e seus guarda-costas fustigam os barcos de países vizinhos, que em junho fizeram uma advertência diante do perigo de que a tensão possa “erodir a paz, a estabilidade e a segurança da região”. Os EUA não estão dispostos a deixar caminho livre ao gigante asiático, e patrulha essas águas vez ou outra. Aos olhos de Washington, Pequim tenta criar uma esfera de influência exclusiva na Ásia oriental nessas águas e no mar do Leste da China, onde disputa com o Japão as ilhas Diaoyu/Senkaku. Para Pequim, os movimentos de Washington tentam conter seu país.
A deterioração das relações acrescentou tensão entre os dois exércitos na área. Em junho, os EUA conduziram três séries de manobras militares lá e no mar das Filipinas. No começo desse mês voltou a enviar ao mar do Sul dois porta-aviões enquanto a China efetuava exercícios militares nas proximidades das ilhas Paracel.
Até agora, os EUA afirmavam manter a neutralidade nas disputas territoriais. Mas em 13 de julho se alinhou com Hanói e Manila: “Os pedidos de Pequim sobre recursos em águas não costeiras ao longo da maior parte do mar do Sul da China são completamente ilegais, como o é sua campanha de coerções para controlá-los”, disse Pompeo. “O mundo não permitirá que Pequim trate o mar do Sul da China como seu império marítimo”.
O anúncio atingiu os líderes chineses de modo especial: em junho, em uma reunião no Havaí para tentar diminuir as tensões, o conselheiro de Estado chinês, Yang Jiechi, havia alertado Pompeo contra qualquer pressão. E agora veio isso.
A boa notícia é que nenhum dos dois países tem especial interesse em um conflito. “A China acha que pode ganhar o mar do Sul pacificamente mediante uma estratégia de desgaste a longo prazo, e Trump demonstrou pouco apetite por um confronto militar com a China”, diz a consultoria Eurasia Group. A má, que o aumento da tensão na região eleva a possibilidade de um choque acidental que pode desatar uma crise mais grave.
Além do mar
Além da disputa no mar, a Ásia é um tabuleiro crucial para as duas potências. A China tenta reforçar suas alianças com seus vizinhos através de projetos como a Nova Rota da Seda. Ao norte tem a Rússia, com cujo líder, Vladimir Putin, Xi Jinping já desenvolveu uma sintonia especial. E a Coreia do Norte, um país com o qual está condenada à convivência, apesar dos receios mútuos.
O leste é outra história. Lá a influência dominante é norte-americana. A Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Austrália estão alinhados com Washington, que também acena à Índia após o grave confronto entre os exércitos chinês e indiano na cordilheira do Himalaia no mês passado, com vários mortos como resultado de um conflito. No meio termo, os países da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático, na sigla em inglês), que com exceções como o Laos e Camboja, totalmente alinhados com Pequim, preferem evitar escolher: têm importantes laços de segurança com Washington, e vultosos investimentos e relações econômicas imprescindíveis com a China.
Da diplomacia do tênis de mesa à das máscaras
Cecilia Ballesteros (Madri)
O degelo entre os EUA e a China começou em um ponto de ônibus na cidade japonesa de Nagoya, sede do campeonato mundial de tênis de mesa, em de abril de 1971. Glenn Cowan, um jovem jogador norte-americano de 19 anos, de aspecto hippie, subiu no veículo da equipe chinesa (por engano ou curiosidade). Todos os passageiros o olharam com receio com exceção de um, Zhuang Zedong, que começou a falar com ele graças a um intérprete e lhe presenteou com um desenho tradicional em seda.
No dia seguinte, Cowan lhe correspondeu com uma camiseta com o símbolo da paz e a frase Let it Be, da música dos Beatles. As fotografias dos dois deram a volta ao mundo e Mao Zedong aproveitou a oportunidade. “Zhuang Zedong não é somente um grande jogador, também é um grande diplomata”, disse o Grande Timoneiro que, poucos dias depois, convidou a equipe norte-americana a visitar o país. “Fiquei tão surpreso como lisonjeado”, escreveu Richard Nixon em suas memórias. “Nunca pensei que a iniciativa chinesa viesse através do tênis de mesa”, escreveu o ex-presidente norte-americano.
Em 10 de abril, 15 jogadores atravessaram uma ponte de Hong Kong à China. Eram os primeiros norte-americanos que atravessavam a cerca de bambu (a barreira física e ideológica que separava a República Popular do mundo ocidental) desde 1949. Em contrapartida, os EUA convidaram mesatenistas chineses a uma excursão por oito cidades. Em julho, o secretário de Estado, Henry Kissinger, viajou em segredo ao gigante asiático para estabelecer relações diplomáticas com o regime comunista e ceder-lhe a cadeira de Taiwan no Conselho de Segurança da ONU.
Em fevereiro de 1972, Nixon se transformou no primeiro presidente norte-americano a pisar em solo chinês com o claro objetivo de isolar os soviéticos. Em sua viagem de oito dias, que ele mesmo chamou de “a semana que mudou o mundo”, conversou com o líder chinês e assinou o Tratado de Xangai. “A bola pequena é que movimenta a bola grande”, afirmou à época Mao, já doente.
As chegadas ao poder de Donald Trump e de Xi Jinping destruíram a velha cortesia que foi substituída pela intimidação, uma tendência que aumentou com a pandemia de Covid. Diante das críticas norte-americanas por ser a origem do vírus, Pequim contra-atacou lançando uma ofensiva diplomática que ao mesmo tempo em que oferecia sua ajuda aos países afetados se vendia como um modelo na gestão da crise. Essa diplomacia das máscaras tem como braço executor os Wolf Warriors, os novos diplomatas chineses cujo nome é inspirado nos filmes sobre um heroico comando das forças especiais, que, ao estilo de Rambo, lutam contra os mercenários ocidentais e que, na verdade, defendem o papel de Pequim na pandemia e desafiam nas redes quem ousar questionar a versão oficial do regime.
DE ALIADO TÁCITO A RIVAL ESTRATÉGICO
A partir de 1972, Kissinger definiu a relação entre os EUA e a China como uma “aliança tácita”, despertando os receios da União Soviética. A aliança permitiu ao líder chinês Deng Xiaoping olhar os Estados unidos e o modelo capitalista como inspiração para modernizar seu país. “Gato branco ou gato preto, o importante é que cace ratos” foi a frase com a qual guiou a pragmática abertura da China ao mundo.
Quatro décadas depois, quando até se chegou a falar da existência de fato de um G2, as tensões entre as duas potências foram se exacerbando ao ponto de que os EUA veem em Pequim um “rival estratégico”. Na Casa Branca de Trump se fala abertamente do “vírus chinês” e de “desconexão”. Pequim, por sua vez, alerta Washington para não se lançar em uma “retórica macartista”. Já parece de outros tempos a cordial reunião de Trump e Xi Jinping na residência presidencial de Mar-a-Lago, na Flórida, em 2017.
ARMAS ATÔMICAS CONTRA O SISTEMA 5G
Apesar da China lançar seu primeiro teste nuclear em 1964, Pequim sempre foi um ator secundário na corrida atômica entre Washington e Moscou, apesar de nesse mesmo ano a Administração democrata de Lyndon B. Johnson ter proposto aos soviéticos um ataque conjunto em Lop Nor, o local dos testes nucleares chineses, para dissuadir o regime de se unir ao exclusivo clube atômico. A ideia foi descartada. Mas após quase 56 anos de “dissuasão mínima”, Pequim e Washington entraram agora em uma corrida tecnológica que é vista pela Administração de Trump como uma ameaça a sua segurança nacional.
A questão crucial é uma marca: a Huawei, uma letra e um número (5G). O que começou como uma guerra comercial em 2018 se transformou em um conflito para dominar a tecnologia da próxima geração da Internet, para a qual a multinacional chinesa, o maior operador da rede, parte com vantagem. Washington acusa a Huawei de espionagem, algo que a empresa nega, e de trabalhar para o Partido Comunista.
DISIDENTES E ATIVISTAS
Nos últimos anos, o termo dissidente, aquele que discordava da ideologia oficial, próprio da Guerra Fria, foi substituído por ativista, que significa uma intervenção mais dinâmica no trabalho de oposição ao regime. Antes dos acontecimentos da praça de Tiananmen, em 1989, um dos mais famosos era Wi Jingsheng, filho de membros do alto escalão do Partido Comunista, prisioneiro político desde 1979 por pendurar um cartaz pedindo a Quinta Modernização e libertado em 1993. Nesse mesmo ano, o presidente Bill Clinton lançou sua política de “compromisso construtivo” com o regime de Pequim, que foi muito criticada à época, mas que em 1997 conseguiu a liberdade de Wi e de um dos manifestantes de Tiananmen, Wang Dan, que se exilaram nos EUA.
O Governo chinês só reconheceu 300 civis mortos nos acontecimentos da praça, mas organizações como a Anistia Internacional elevaram esse número a milhares de vítimas. Em fevereiro de 2011 explodiu uma nova onda de protestos, em que pelo menos 54 ativistas foram presos, entre eles o artista Ai Weiwei. Agora a repressão e a censura encontraram métodos mais sutis graças à tecnologia, como o reconhecimento facial e uma vigilância orwelliana da rede, e acrescentou novos objetivos: os manifestantes pró-democracia de Hong Kong e a minoria muçulmana uigur.
Protestos na Praça da Paz Celestial de 1989 de TIANANMEN aos protestos em HONG KONG
Os focos de conflito estratégico entre as duas potências foram mudando ao longo desses anos. Foram aliados na Segunda Guerra Mundial, se chocaram pela invasão chinesa do Tibete e em Taiwan e estiveram em campos opostos durantes as guerras da Coreia e do Vietnã, para passar depois a essa “aliança tácita” de Henry Kissinger, que não sofreu abalos nem mesmo com Tiananmen em 1989, o mesmo ano da queda do Muro de Berlim e quando Washington acreditava que a abertura econômica andava ao lado da abertura política no gigante asiático. Agora, Hong Kong e o mar do Sul da China são para os EUA a prova das ambições políticas territoriais chinesas, e temem que seu futuro objetivo seja Taiwan.
Créditos: Coordinación: Brenda Valverde y Carlos Torralba, Dirección de arte y diseño: Fernando Hernández. Maquetación: Nelly Natalí. Infografía: Antonio Alonso y Yolanda Clemente, Datos: Antonio Ponce
“E ouvireis de guerras e de rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino, e haverá FOMES, PESTES e TERREMOTOS, em vários lugares. Mas todas estas coisas são [APENAS] o princípio de dores. – Mateus 24:6-8
“E faz que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal na sua mão direita, ou nas suas testas, Para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da besta, ou o número do seu nome. Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento, calcule o número da BESTA; porque é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis[666]“. – Apocalipse 13:16-18
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