A Rodovia Transamazônica era para ser uma estrada de 5.000 quilômetros que atravessava a floresta Amazônica, a partir de João Pessoa no Nordeste até a fronteira com o Peru. Foi um dos mais ambiciosos programas de desenvolvimento de reassentamento econômico já inventados, e um dos maiores fracassos.
O projeto desenvolvido na década de 1970 após o então presidente general Emílio Garrastazu Médici (1968 a 1974), visitar frentes de trabalho e testemunhar uma das secas mais devastadoras da história do Nordeste brasileiro, fez um discurso no Recife.
“Com o velho hábito de comandante de tropa que vela pelo seu último soldado, o chefe da nação não pode compreender a existência de compatriotas vivendo em condições tão precárias”, registrou o presidente da República.
“Não, não me conformo. Isso não pode continuar.” Médici vislumbrou ali a solução para o flagelo da seca. Para usar uma frase que ficou famosa na época, o jeito era levar “homens sem terra para uma terra sem homens”.
A reforma agrária era a solução óbvia para a situação dos nordestinos, mas estava fora de questão, porque não havia maneira de convencer os ricos proprietários de terras em dar nem que seja a menor fração de suas terras para os pobres rurais, então Médici decidiu muda-los. O caminho de um lugar a outro se chamaria Transamazônica, oficialmente BR-320.
Dez dias depois da fala presidencial em Pernambuco, foi criado o Plano de Integração Nacional (PIN), no qual a Transamazônica era o projeto prioritário, e as obras começaram em 1º de setembro, menos de 3 meses após o comício.
O governo, queria instalar na floresta 500 mil colonos (e esperava-se outro meio milhão de pessoas, que seriam atraídas para a região). Assentar essa multidão ao longo da estrada gerou uma das grandes ficções urbanísticas do Brasil. Os colonos ficariam em agrovilas, implantadas a cada 10 quilômetros da via.
Os planejadores imaginavam que cada uma teria entre 48 e 64 casas, escola primária, capela ecumênica, armazém, clínica e farmácia. Além disso, cada família teria uma gleba de 100 hectares, na qual teriam de deixar metade do terreno preservado, além de ganhar um salário por seis meses e fácil acesso a empréstimos agrícolas, em troca de se estabelecer ao longo da rodovia e converter a floresta circundante em terras agrícolas. Se tudo desse certo, estava previsto que a produção dessas famílias iria abastecer o mercado interno com milhões de toneladas de feijão, arroz e milho, bem como ganhar milhões de dólares através da exportação de café, cacau, pimenta, laranja e outras cultura.
Sem nem chegar perto do que havia sido planejado, a Transamazônica foi inaugurada por Médici em outubro de 1974. Até então, apenas 4.969 famílias haviam sido oficialmente estabelecida, das cerca de 20.000 famílias que tinham vindo para a região. O marco da inauguração da estrada é um retrato de seu projeto. Sobre o toco de uma grande árvore centenária, em Altamira, no Pará, uma placa de metal dá a notícia do que se fez ali: “Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o sr. Presidente da República dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a verde”.
No projeto, não houve nenhuma preocupação com a preservação do meio ambiente da Floresta Amazônica. O solo da bacia amazônica consiste principalmente de sedimentos, o que torna o leito da estrada instável e sujeita à inundação durante chuvas fortes.
Com a estrada inutilizável por seis meses a cada ano, os colonos não tinham como escoar sua produção. Além disso, a produção das colheitas eram pequenas, uma vez que a camada fértil do solo amazônico é fina, e seus nutrientes se esgotam rapidamente, sem falar que com a falta da floresta, a erosão foi galopante.
Além dos fracassos econômicos e sociais, foram os custos ambientais de longo prazo. Após a construção da Rodovia Transamazônica, o desmatamento subiu para níveis nunca antes vistos.
Ao longo dos anos, as florestas virgens deu lugar a fazendas de gado, madeireiras e minas de ouro. Durante períodos extremos na década de 1990 e início de 2000, mais de 25.000 quilômetros quadrados de floresta foram desmatados por ano.
Pelo menos 4 mil operários trabalharam na construção da estrada. E enfrentaram uma dura realidade: solo miserável, chuvas torrenciais e doenças tropicais. A estrada, entregue em tempo recorde, segue inacabada até hoje.
De acordo com o plano original, ela seria um grande escoadouro da produção brasileira para o Pacífico. De Cabedelo, na Paraíba, o estradão iria até a cidade de fronteira de Benjamin Constant, no Amazonas (e de lá, pelo Peru e Equador, até o Pacífico). Mas seu ponto final foi em Lábrea, 687 quilômetros antes.
Para construir os 4.073 quilômetros da Transamazônica, o governo gastou 1,5 bilhão de dólares na época (hoje 7,7 bilhões de dólares). Não foi tarefa de pouca monta. A obra foi quase toda em mata fechada e a extensão da estrada poderia cobrir todo o continente europeu, de Lisboa, em Portugal, a Kiev, na Ucrânia. Mais da metade da estrada, 2,2 mil quilômetros, não é asfaltada. Durante o período de chuva, de seis meses, é quase impossível transitar ali. A maior parte da via não tem sinalização e iluminação.
A partir de Marabá, no Pará, quando começa o trecho de floresta, surgem os problemas. No Amazonas, dos 1,5 mil quilômetros de estrada, só 14 quilômetros são asfaltados. Nos anos 90, caminhoneiros indignados incendiavam as pontes de madeira, que costumavam ceder sob o peso das carretas. A maior parte dos rios da região é atravessado por balsas. Em muitos trechos, a “estrada da integração nacional” é só uma picada.
As estradas vicinais que partem de seu traçado ajudam a devastar a floresta. “É inegável a relação direta entre desmatamento e a construção de rodovias”, afirma o professor Alves de Souza. “O Brasil precisa decidir se quer uma Amazônia ligada por estradas ou uma Amazônia preservada.” O maior meio de transporte da região ainda é o barco.
A Amazônia tem mais de 80 mil quilômetros de trechos navegáveis. Um transatlântico poderia avançar 3,7 mil quilômetros rio Amazonas adentro. Como dizem os autores de A Selva Amazônica, “de todos os paradoxos da Amazônia, o mais espantoso é o manto de silêncio e ignorância que a envolve”.
Artigo publicado originalmente em julho de 2016
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