CIDADES DA REGIÃO DE RIO PRETO ADOTAM TARIFA ZERO NO TRANSPORTE COLETIVO.

 

Idosa entrando em ônibus do transporte público de Jales; cidade adotou tarifa zero há menos de um mês (Guilherme Baffi 12/07/2023)

Rone Carvalho  Publicado em 15 de julho de 2023 

Diário estreia série de reportagens sobre os desafios da mobilidade urbana em cidades de pequeno e médio porte

Seja de forma parcial ou em todos os dias da semana, tem crescido no Brasil o número de municípios que estão adotando tarifa zero no transporte coletivo – política pública que prevê o uso do transporte público sem cobrança de tarifa dos passageiros.

Na região de Rio Preto, ao menos quatro cidades – Jales, Olímpia, Ilha Solteira e Potirendaba – adotam a medida, vista por especialistas como salvação do transporte público, setor que tem perdido milhares de usuários diariamente.

Isso porque sem ter que como se locomover de forma ágil e confortável, cada vez mais brasileiros estão optando por comprar veículos (carros e motos) para chegar ao trabalho. O que gera um efeito cascata, com aumento do trânsito em cidades que até então não enfrentavam o fenômeno, e de acidentes.

Como forma de mostrar os desafios de municípios de pequeno e médio porte do Brasil quando o assunto é mobilidade urbana, o Diário estreia neste domingo a série de reportagens “Mudar para não travar de vez”, que vai mostrar como municípios da região de Rio Preto estão ainda mais atrasados do que as grandes cidades brasileiras quando o assunto é pensar políticas públicas para a população se locomover. Na primeira reportagem, as conquistas e desafios para ampliação da tarifa zero no País.

Dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostram que em todo Brasil, até junho deste ano, 84 municípios adotavam a tarifa zero no transporte público: 51 com até 50 mil habitantes, 18 de 50 mil a até 100 mil habitantes, sete de 100 mil a até 200 mil habitantes e oito com população acima de 200 mil habitantes.

“Claro que os municípios de menor porte têm maior facilidade para incluir nas despesas do orçamento o custo total do transporte público, mas um caminho que pode tornar isso possível nas grandes cidades é o da União ajudar com recursos”, apontou Marcos Bicalho dos Santos, diretor de gestão da NTU.

Para quem usufrui do serviço, como Marcia Regina, 46 anos, a medida além de incentivar o uso do ônibus também ameniza as despesas familiares do final do mês. “Poderia ser assim em todo o Brasil. Antes andava mais a pé, agora ando de ônibus”, diz a moradora de Jales, cidade que adotou tarifa zero há menos de um mês e viu seu número de passageiros diários quintuplicar: de 200 para 1 mil.

Outro município da região que na contramão da maioria das cidades viu seu número de usuários no transporte coletivo crescer foi Ilha Solteira. O município de 25.549 habitantes conseguiu mais do que dobrar sua média diária de passageiros: de 357 usuários, em 2012, para 780, em 2022, ao adotar a gratuidade no transporte público.

“Tínhamos somente um ônibus coletivo atendendo todo o município, hoje temos quatro veículos. Isso visto que aumentou o número de passageiros, mas similarmente porque procuramos encurtar as linhas e o tempo do usuário dentro do ônibus”, disse Renato Augusto Alves, secretário de Segurança, Transporte e Trânsito de Ilha Solteira.

No município, o serviço é prestado por uma empresa particular por R$ 2,3 milhões, que são custeados pelo município. “E engana-se quem pensa que a qualidade do serviço diminui, pois, como é licitação, a empresa tem que prestar um bom serviço”, disse Alves.

Modelo de sucesso

Vargem Grande Paulista (SP) tornou-se um modelo para outros municípios brasileiros quando o assunto é tarifa zero. O município com aproximadamente 50 mil habitantes, da região metropolitana de São Paulo, sempre é procurado por prefeitos para saber como conseguiu fazer o transporte público ser gratuito para a população.

Segundo o prefeito Josué Ramos, a motivação para implantar a gratuidade no setor de transporte público surgiu da necessidade crescente de subsídios das empresas que prestam o serviço. “Em 2017, a empresa de ônibus que operava no município fez uma forte pressão para aumentar a tarifa municipal ou ampliar o subsídio ao transporte público municipal, e não tínhamos previsão orçamentária para isso”, contou.

Foi, então, segundo ele, que do dia para noite, a empresa retirou todos os ônibus das linhas municipais e a prefeitura teve que buscar um transporte alternativo. “Na ocasião, colocamos vans operando de forma gratuita, o que me despertou o interesse de estudar a tarifa zero”.

Para conseguir manter a gratuidade, Ramos lançou o programa Transporte Para Todos, a partir de uma parceria com as empresas do município. “O sistema é financiado pelo Fundo Municipal de Transporte, que tem como receita uma taxa paga pelas empresas locais no lugar do vale-transporte (de R$ 39,20 mensais por funcionário), além de publicidade nos ônibus, locação de lojas nos terminais e 30% do valor das multas de trânsito”, explicou.

Contudo, existem outros modelos de financiamento de tarifa zero sendo aplicados no Brasil. Em Maricá (RJ), por exemplo, o orçamento turbinado pelos royalties do petróleo – compensação recebida por municípios pela exploração do óleo em suas águas – é usado para bancar o transporte gratuito para toda a população.

Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que a pandemia do coronavírus mostrou como sistema de financiamento do transporte coletivo público do Brasil é falho.

“O modelo praticado de financiamento do transporte coletivo no Brasil sempre foi falho, principalmente, por ser baseado no número de passageiros e no valor da tarifa. Ela não paga toda a conta. Se a gente for olhar para os países desenvolvidos, todos tem uma fonte de financiamento público, justamente para evitar o que está acontecendo no Brasil: com queda do número de passageiros, a empresa quer aumentar o valor da tarifa e acaba por perder ainda mais passageiros, precarizando o serviço.” (RC)

Olímpia adota tarifa zero parcial

Diferente das demais cidades da região de Rio Preto com tarifa zero, Olímpia adota a gratuidade parcialmente. Desde 2022, o município conhecido pelos seus parques aquáticos tem transporte público gratuito aos sábados.

Fernando Cunha, prefeito de Olímpia, explica que para conseguir não cobrar dos passageiros, o modelo de contratação do serviço sofreu mudança no regime, que deixou de ser uma concessão e passou a ser um contrato de locação de veículos automotor tipo ônibus urbano, com motorista habilitado para transporte coletivo de passageiros.

"Decidimos adotar a gratuidade no transporte coletivo aos sábados como um incentivo a atividade comercial no município, melhorar a mobilidade urbana e incentivar a população a usar os meios de transportes que reduzam a circulação de veículos, gerando assim redução na emissão de carbono na atmosfera”, afirmou Cunha.

No Brasil, a tarifa zero parcial é feita de dois modos: alguns municípios fazem como Olímpia e abrangem todo o sistema em dias específicos da semana. É o caso de Maceió (AL), por exemplo, cujo transporte público é gratuito aos domingos. Enquanto em outras, a tarifa zero abrange parcialmente o sistema, mas em todos os dias da semana, como em Belo Horizonte (MG), em que a gratuidade vigora apenas para as linhas de vilas e favelas.

"Do ponto de vista de benefícios, a gratuidade é extremamente benéfica, pois melhora a qualidade do serviço. Ao mesmo tempo, isso atrai mais usuários. Com isso, você tem uma série de benefícios, como menos veículos nas ruas, o que gera até menos acidentes de trânsito”, disse Marcos Bicalho dos Santos, diretor de gestão da NTU.

Tarifa zero em Rio Preto

Terminal Urbano de Rio Preto: o maior do Noroeste paulista (Johnny Torres/ Arquivo)

Amaury Hernandes, secretário de Trânsito e Transportes de Rio Preto, afirma que tarifa zero no transporte coletivo da cidade, composta por 76 linhas e cerca de 1,7 milhão de passageiros mensalmente, somente seria possível caso a União ajudasse no financiamento a partir de uma espécie de SUS do transporte público.

“Eu estimo que, com o aumento de 50% de passageiros que Rio Preto teria com a tarifa zero, o município teria um custo de R$ 15 milhões por mês para manter o transporte público de forma gratuita”, disse Hernandes.


Atualmente, a conta do transporte público de Rio Preto é custeada através da venda de passagens e parte pelo subsídio repassado pela Prefeitura às empresas que prestam o serviço – Circular Santa Luzia (responsável por 67,80% das linhas do transporte coletivo do município) e Expresso Itamarati (32,20%).


Para se ter uma ideia, segundo a Prefeitura de Rio Preto, as empresas receberam de subsídio, em 2022, R$ 16.299.835,48. Em contrapartida, em 2020, foram repassados para as instituições R$ 9.055.554,15.


Glaucia Pereira, fundadora e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Multiplicidade e Mobilidade Urbana (IPMMU), defende que o País precisa discutir tarifa zero, seja na esfera federal, estadual ou municipal.


“A tarifa zero vai além de aumentar o número de passageiros, também representa o direito das pessoas exercerem sua cidadania nas cidades. Ao ter transporte, a pessoa consegue acessar outros serviços, como emprego, escola, opções de lazer. Não podemos nos esquecer que o direito ao transporte é um direito constitucional.”


Já Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana do Idec, aponta que, ao mesmo tempo que o custo do transporte aumenta para a prefeitura, a arrecadação em outros setores tendem a aumentar. “Normalmente, as prefeituras não gastam de 2% a 4% do orçamento ao adotar tarifa zero. Contudo, da mesma forma que gastam, acabam arrecadando mais com o aumento das vendas do comércio a partir do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).”


Para ele, o problema é que no Brasil o transporte público ainda é mau visto pela maioria dos gestores públicos. “Muitos não veem como um direito, mas como um serviço.” (RC)

Olímpia (SP)

Ônibus do transporte coletivo de Olímpia (Divulgação/ Prefeitura de Olímpia)

Em Olímpia (SP), cidade com 55.075 habitantes, o transporte público é gratuito aos sábados. A medida foi adotada em 2022. Segundo o poder executivo, os motivos que levaram a adoção da gratuidade foram o incentivo a atividade comercial no município e o incentivo aos meios de transportes que reduzam a circulação de veículos, gerando assim redução na emissão de carbono na atmosfera. Olímpia viu a demanda de passageiros aos sábados crescer 113% no transporte público.

Ilha Solteira (SP)

Passageiros no transporte público de Ilha Solteira (Divulgação/Prefeitura de Ilha Solteira)

Em Ilha Solteira (SP), cidade com 25.549 habitantes, a tarifa zero no transporte coletivo foi adotada em 2006. O município é conhecido por abrigar duas universidades públicas – Unesp e Instituto Federal – e por ser polo turístico no interior de São Paulo. Isso faz a demanda por transporte público ser grande na cidade localizada às margens do rio Paraná. Em dez anos, com a tarifa zero, Ilha Solteira viu o número de passageiros diários mais do que dobrar: de 357 passageiros por dia, em 2012, para 780, em 2022. A cidade investe cerca de R$ 2,3 milhões, anualmente, para manter quatro linhas gratuitamente.

Potirendaba (SP)

Ônibus do transporte público de Potirendaba (Divulgação/ Prefeitura de Potirendaba)

Em Potirendaba (SP), cidade com 18.496 habitantes, a tarifa zero no transporte coletivo foi adotada em 1998. O município, que fica a 33 quilômetros de Rio Preto, funciona como uma espécie de cidade-dormitório, com muitos trabalhadores morando em Potirendaba, vindo trabalhar em Rio Preto. Na cidade, o transporte público gratuito é prestado de segunda a sábado. Com um custo mensal de R$ 18 mil, pago pelo próprio município, o serviço é feito pelo poder público. Cerca de 160 passageiros utilizam o serviço diariamente. “Nunca cogitamos terceirizar o serviço, mas provavelmente, se fizessémos, os custos seriam bem maiores”, falou Gislaine Montanari Franzotti, prefeita de Potirendaba.

Maceió (AL)

Moradores esperando ônibus gratuito em Maceió (AL) (Divulgação/Prefeitura de Maceió)

Em Maceió, capital de Alagoas, que possui 957.916 habitantes, o poder executivo conseguiu junto ao legislativo a aprovação de uma lei municipal em 2022 tornando o transporte público gratuito aos domingos. Intitulado Domingo Livre, o programa da capital nordestina além de ver o número de passageiros aumentar também estimula que os moradores se desloquem mais pela cidade aos finais de semana, aumentando as vendas do comercio local.

Caucaia (CE)

Passageiros entrando em ônibus do transporte público de Caucaia (CE) (Divulgação/Caucaia)

Em Caucaia (CE), cidade com 355.679 habitantes, o programa Bora de Graça, que colocou o transporte público gratuito, foi implementado em 2021. A tarifa zero no município foi implementada a partir da pandemia do coronavírus. Com a crescente pressão por subsídios para empresas que prestavam o serviço de transporte público, a prefeitura resolveu colocar o serviço de forma gratuita. Segundo o poder executivo, a iniciativa consome 3% do orçamento municipal, sendo que a remuneração da empresa prestadora do serviço é por quilômetro rodado e não por passagem, como comumente acontece no Brasil. A partir da tarifa zero, Caucaia (CE) viu seu número de passageiros passar de 505 mil passageiros por mês para aproximadamente 2 milhões.

Maricá (RJ)

Ônibus do transporte público de Maricá (Divulgação/Prefeitura de Maricá)

Em Maricá (RJ), cidade com 197.300 habitantes, a tarifa zero no transporte coletivo foi adotada em 2014. A cidade conta com uma espécie de orçamento adicional, em relação a maioria dos municípios brasileiros, pelos royalties do petróleo – compensação recebida por municípios pela exploração do óleo em suas águas. É através desse dinheiro que o município consegue manter o transporte público gratuito. O município conta com 3,5 milhões de passageiros mensalmente.

Vargem Grande Paulista (SP)

Ônibus do transporte público de Vargem Grande Paulista (Divulgação/Vargem Grande Paulista)

Em Vargem Grande Paulista (SP), cidade com 50.333 habitantes, a tarifa zero no transporte coletivo foi adotada em 2017. O programa Transporte Para Todos, popularmente conhecido como Tarifa Zero, foi instituído por meio de Lei Municipal e entrou em vigor em 2019. Desde que foi implantado, o número de passageiros teve um aumento de 36 mil para 110 mil usuários mensais, o que exigiu a ampliação da frota de ônibus. O custo do sistema é de R$ 600 mil mensais, sendo financiado pelo Fundo Municipal de Transporte, que tem como receita uma taxa paga pelas empresas locais no lugar do vale-transporte (de R$ 39,20 mensais por funcionário), além de publicidade nos ônibus, locação de lojas nos terminais e 30% do valor das multas de trânsito.

https://www.diariodaregiao.com.br/cidades/riopreto/cidades-da-regi-o-de-rio-preto-adotam-tarifa-zero-no-transporte-coletivo-1.1253592

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