Talheres de aço inoxidável, lenços de papel e relógios de pulso são alguns itens que passaram a fazer parte do cotidiano
Relógio no centro de Londres
Talheres de aço inox (Chaloner Woods/Getty Images)
Os centenário do início da I Guerra Mundial (1914 –1918) é lembrado pelo saldo devastador do conflito que deixou mais 15 milhões de mortos, entre militares e civis. Mas, para além das perdas provocadas pelo primeiro conflito moderno da História, a guerra também motivou descobertas e inovações – algumas delas existentes até hoje. O prático horário de verão, os laváveis e elegantes talheres de aço inoxidável a até as cirurgias plásticas surgiram ou se desenvolveram durante o período dos conflitos. Confira abaixo os principais legados da I Guerra Mundial para o cotidiano das pessoas.
Horário de verão
Mudança comum na maior parte do Brasil e em vários outros países, o ato de adiantar os ponteiros do relógio como forma de reduzir o consumo de eletricidade foi introduzido pela primeira vez durante a I Guerra Mundial. A Alemanha foi o primeiro país a adotar a medida, em 1916. Grã-Bretanha, França e EUA seguiram o exemplo logo depois. A ideia já havia surgido antes mesmo do início do conflito, mas só vingou quando a guerra se prolongou e os Estados beligerantes começaram a direcionar toda a economia para o esforço de guerra. A maioria dos países dispensou a ação depois do conflito, mas a Grã-Bretanha oficializou o horário de verão como medida permanente nos anos 20. Na II Guerra Mundial , o horário voltou a ser a regra no continente europeu e logo passou a ser adotado por outros países.
Cirurgia plástica
Imagem de um ferido na I Guerra antes e depois de uma operação plástica
A I Guerra Mundial catapultou a cirurgia plástica como uma especialidade médica respeitável e foi o laboratório para muitas técnicas ainda usadas na atualidade. O médico neozelandês Harold Gillies é tido como “pai” da especialidade, por ter ajudado a reconstruir o rosto ou partes do corpo de cerca de 3.000 soldados feridos nos campos de batalha. Uma das técnicas inovadoras introduzidas por Gillies foi a dos enxertos que usavam a própria pele do pacientes para evitar o risco de rejeição. O convívio entre diferentes médicos no front também incentivou a troca de conhecimento. Décadas depois, Gillies foi ainda um dos pioneiros na introdução das primeiras técnicas de mudança de sexo.
Aço inoxidável
Oficiais franceses jantando durante a I Guerra Mundial, em 1914
Esse legado está em quase todas as mesas. Mais precisamente, nos talheres de aço inox usados por centenas de milhões de pessoas. Com a proximidade da I Guerra Mundial, os militares britânicos procuravam um metal para suas armas que não sofresse os efeitos da corrosão ou se desgastasse com o uso constante. A partir de 1912, o inglês Harry Brearley passou a desenvolver o produto que mudaria a indústria metalúrgica. Em 1915 a descoberta foi anunciada. Durante o conflito, o novo aço só seria usado na fabricação de algumas peças de avião, mas logo depois o produto ganharia aplicação indispensável na construção civil e na produção de peças.
Comida enlatada
Supermercado londrino na década de 1930
Os enlatados já haviam sido desenvolvidos décadas antes do início da I Guerra Mundial, mas o conflito apressou o desenvolvimento de novos tipos de comida enlatada e ajudou a popularizar esse tipo de produto. Antes da guerra, a maioria dos europeus, até aqueles que viviam em cidades, estava acostumada a consumir alimentos frescos. Contudo, a guerra de trincheiras impedia que os soldados se locomovessem atrás de comida e dificultava até mesmo o envio de produtos como pão para alimentar as tropas. Era necessário fornecer alimentos para o consumo ali mesmo no front, e a maneira mais fácil de conseguir isso era por meio dos enlatados. Com o tempo, muitos soldados, especialmente os franceses, ficaram fartos das mesmas rações miseráveis, o que levou ao desenvolvimento de novos alimentos em lata e também experiências na conservação de pratos, como massas. Na sociedade civil, os enlatados ganharam popularidade como uma comida rápida e barata, que ganhou lugar no cotidiano da maioria dos europeus depois do conflito.
Champanhe
A bebida espumante já era popular antes do conflito, mas a I Guerra Mundial mudou a trajetória do produto. O verdadeiro champanhe, como se sabe, é produzido na região francesa de mesmo nome. Durante o confronto, os vinhedos viraram trincheiras e quase toda a produção foi perdida. Para piorar, a Rússia, principal mercado de exportação do produto, saiu do mapa dos vinicultores após a chegada dos bolcheviques. E o mercado mais promissor, os EUA, foi fechado com a instituição da Lei Seca. Longe de desanimar, o novo cenário fez com que os vinicultores passassem a lutar para agregar mais qualidade ao produto. As espécies de uva cultivadas nos vinhedos destruídos, que antes da guerra viviam sendo devastadas por pragas, foram trocadas por espécies mais resistentes. O Tratado de Versalhes, assinado depois do conflito, também estabeleceu entre as medidas punitivas contra a Alemanha que os vinicultores do país não poderiam usar o nome champanhe para anunciar seus espumantes. Logo, outros tratados semelhantes com outros países garantiram a exclusividade da designação para os franceses, que asseguraram assim a valorização do seu produto.
Moda feminina
Trabalhadora em fábrica na Grã-Bretanha
Praticidade. Esse foi o legado da I Guerra Mundial para a moda feminina. Com centenas de milhares de mulheres sendo convocadas a assumir postos de trabalho em fábricas, foi necessário simplificar o vestuário e desenhar roupas adequadas para a função. Os cortes ficaram mais simples e as cores, mais sóbrias. Uma das roupas popularizadas nessa época foram as saias modelo 'A'. Embora as roupas tenham ficado mais simples, a alta costura não parou de se desenvolver, mas passou a sofrer influência desse estilo mais prático lançando roupas casuais.
Relógio de pulso
Os relógios de pulso podem estar perdendo parte da sua utilidade com a concorrência dos relógios de telefones celulares, mas a sua popularização e dominância no século XX foi influenciada pela I Guerra. Antes do conflito, era comum que as pessoas consultassem as horas em relógios de igrejas e fábricas. Os mais afortunados tinham relógios de bolso. Os relógios de pulso já existiam, mas eram usados em sua maioria por mulheres, como adereço. A I Guerra mudou isso. Os relógios de bolso eram considerados pouco práticos para a dinâmica das trincheiras, já que os soldados muitas vezes não tinham tempo de tirá-los do bolso e já carregavam outras dezenas de equipamentos, como facas e máscaras contra gás. As operações cronometradas de infantaria e artilharia também demandavam que os soldados estivessem atentos ao horário. E que maneira melhor de fazer isso do que simplesmente olhando para o pulso? O acessório logo passou a ser distribuído pelos exércitos, afastando a imagem feminina que tinham até então. Após a guerra, muitos soldados venderam seus equipamentos, levando a sua popularização também entre os civis.
Zíper
Antes da I Guerra Mundial, vários inventores procuravam substitutos para os botões que pudessem melhorar o isolamento das peças ao frio. Gideon Sundback, um sueco-americano, finalmente apareceu com a solução ao patentear, em 1913, o “fecho sem gancho” que deslizava duas fileiras metálicas uma à outra. Depois do início da guerra, os soldados americanos gostaram da novidade e a incorporaram aos uniformes militares. Quando o conflito acabou, o mecanismo passou a ser utilizado em roupas e equipamentos para civis.
Absorventes
Kit de absorvente íntimo da I Guerra
Além de impulsionar o sufrágio feminino e incentivar a entrada no mercado do trabalho, a I Guerra Mundial deixou outro legado para as mulheres: os modernos absorventes femininos. Conforme aumentava o número de feridos nos campos de batalha, a demanda por algodão usado em ataduras disparou e os exércitos aliados passaram a procurar alguma alternativa para o material. Em 1917, a firma americana Kimberly-Clark desenvolveu uma solução ao lançar um produto mais resistente e mais prático: uma mistura de polpa de papel com algodão. A propriedade absorvente do novo produto acabou sendo notada por algumas enfermeiras, que o acharam melhor que os antigos absorventes de tecido ou de puro algodão usados até então. Depois da guerra, a empresa lançou o primeiro absorvente moderno. O mesmo material foi usado anos mais tarde na produção dos populares lenços de papel.
Fontes: Wall Street Journal, BBC e Washington Post
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